ESPECIAL
Importação: alguns casos que o STJ decidiu ao longo de 25 anos
O comércio exterior brasileiro registra por
ano quase US$ 500 bilhões em exportações e importações. Em 2013, até o
momento, as compras têm superado um pouco as vendas para ao exterior,
resultando em déficit na balança comercial. Embora esteja diretamente
relacionado à economia do país, o tema frequentemente aporta no
Judiciário.
Ao longo de seus 25 anos, o Superior Tribunal de
Justiça proferiu diversas decisões relacionadas à importação de produtos
e serviços, em diversos aspectos: tributário, fiscalização,
concorrência, autorização, entre outros. Confira alguns casos.
Importação paralela de produtos
Importar
produtos originais, sem consentimento do titular da marca, é válido?
Conforme dispõe o artigo 132, inciso III, da Lei 9.279/96, essa prática é
proibida. No entanto, a falta de oposição do dono da marca, por longo
período, pode caracterizar consentimento tácito e legitimar as
importações realizadas.
Com base nesse entendimento, a Terceira
Turma concluiu que uma empresa não poderia continuar importando produto
sem autorização, mas manteve decisão judicial que condenou os detentores
da marca a indenizá-la (REsp 1.249.718).
O colegiado analisou
dois recursos especiais, interpostos por Diageo Brands (titular das
marcas de uísque Johnnie Walker, White Horse e Black and White) e por
Diageo Brasil (empresa que adquiria os uísques nos Estados Unidos e os
vendia no Brasil).
Em 2004, a titular das marcas e sua autorizada
moveram ações contra a GAC Importação e Exportação, com o objetivo de
impedir a importação paralela dos produtos, sua distribuição e
comercialização – realizadas há 15 anos –, e para receber indenização
por perdas e danos.
Por outro lado, em 2005, a importadora
ajuizou ação com o intuito de impedir o “boicote” à importação dos
uísques. Pediu que a titular das marcas fosse obrigada a conceder-lhe o
direito de importar os produtos, além de indenização pelo tempo em que
não pôde adquiri-los.
Indenização
Os
dois processos foram julgados em conjunto pelo magistrado de primeiro
grau, que deu razão à GAC e julgou improcedentes as ações das duas
empresas. Ambas foram condenadas solidariamente ao pagamento de
indenização à importadora pelas perdas e danos decorrentes da recusa em
vender.
Após analisar o processo, o Tribunal de Justiça do Ceará
(TJCE) afirmou que, “se a função moderna da marca é distinguir produtos e
serviços entre si, a importação paralela de produtos autênticos em nada
afeta os direitos do proprietário da marca”. Em seu entendimento,
somente é vedada a importação de produtos pirateados.
Nos
recursos especiais direcionados ao STJ, Diageo Brands e Diageo Brasil
alegaram violação ao artigo 132, inciso III, da Lei 9.279/96, segundo o
qual, “o titular da marca não poderá impedir a livre circulação de
produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu
consentimento”.
Consentimento
Para o
relator, ministro Sidnei Beneti, “o titular da marca internacional tem,
portanto, em princípio, o direito de exigir seu consentimento para a
importação paralela para o mercado nacional, com o ingresso e a exaustão
da marca nesse mercado nacional”.
Beneti verificou no processo
alguns fatos relevantes: a Diageo Brasil é a distribuidora exclusiva da
Diageo Brands; os produtos importados pela GAC eram originais;
efetivamente, houve a recua ao prosseguimento das vendas; os produtos
foram adquiridos durante 15 anos; houve o consentimento tácito pela
titular durante esse tempo e, por fim, a recusa da titular em vender os
produtos causou prejuízo à importadora.
Segundo Beneti, o artigo
132, inciso III, da Lei 9.279/96 é taxativo. O dispositivo respeita os
princípios da livre concorrência e da livre iniciativa, entretanto,
exige o consentimento do titular da marca para a legalidade da
importação.
“O tribunal de origem julgou contra esse dispositivo
legal, ao concluir no sentido da garantia do direito de realizar a
importação paralela no Brasil, vedando-a tão somente no caso de
importação de produtos falsificados”, afirmou.
Para o ministro, a
importação que vinha sendo realizada pela GAC não pode ser considerada
ilícita, porque não havia oposição das empresas. Entretanto, ele
concluiu que, como não havia contrato de distribuição, não seria
possível obriga-las a contratar, restando apenas manter a condenação
solidária quanto à indenização à importadora pelos prejuízos que sofreu
no período em que não pôde comprar os produtos.
Selo de importação
Uma
questão que chama a atenção é a do selo de importação e sua necessidade
em relação aos produtos importados. Ao analisar a questão, O STJ
concluiu que a exigência do selo de controle em produtos
industrializados de procedência estrangeira tem seus limites na
finalidade dessas obrigações e na respectiva razoabilidade. Para o
Tribunal da Cidadania, não é razoável exigir o selo em cada caixa de
fósforos importada (REsp 1.320.737).
A questão foi discutida em
um recurso especial interposto pelo município de São Cristovão do Sul
(SC) e pela Fazenda Nacional contra a empresa D. Borcath Importadora e
Exportadora. O município recorreu contra decisão do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF4) que reconheceu a ilegalidade da exigência do
desembaraço aduaneiro de aposição de selos em cada caixa de fósforos.
A
aposição de selos está prevista na Instrução Normativa 31/99, da
Secretaria da Receita Federal. A importadora ingressou com ação na
Justiça para que fosse declarada a sua desnecessidade quando se tratasse
de fósforos da marca “Zebra”, do fabricante National Match Company, que
segundo informações da importadora, estão dentro das especificações
técnicas dos órgãos brasileiros.
A importadora alegou que a
exigência prevista pela referida instrução normativa, apesar de atender
ao disposto no artigo 46 da Lei 4.502/64, onera a importação. Tanto os
fósforos estrangeiros quanto os nacionais tem alíquota de IPI zero.
Entretanto, a imposição dos selos vinculados ao IPI apenas aos fósforos
estrangeiros, da forma como estruturada, obrigando o importador a selar
cada caixinha para comercialização no mercado interno, o que onera
excessivamente o produto internamente.
Interesse nacional
O
artigo segundo da Instrução Normativa 31/99 dispõe que estão sujeitos
ao selo de controle os fósforos de procedência estrangeira classificadas
na posição 3605.00.00 da Tabela de Incidência do IPI. O município de
São Cristovão do Sul alegou que declarar a inexigibilidade do selo
contraria expressamente dispositivo de lei federal, que tem a finalidade
de defender “interesses nacionais nas operações de comércio exterior”.
Já
a Fazenda Nacional argumentou que o artigo 46 da Lei 4.502 não teve sua
inconstitucionalidade declarada e que não poderia ser superado por
norma anterior, no caso, o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e
Comércio (GATT).
Para o STJ, por mais que seja legal a
determinação de que seja feita a imposição do selo de IPI de procedência
estrangeira, a exigência tem seus limites na finalidade dessas
obrigações e na razoabilidade.
Afronta ao GATT
A
exigência fiscal, no caso especifico dos autos, resultaria na selagem
manual de 23 milhões de caixas de fósforos, o que para o STJ não é
razoável, já que aparenta finalidade extrafiscal e implica a adoção de
métodos gravoso de fiscalização, afrontando o artigo 3º, parte II, do
GATT, incorporado à ordem jurídica brasileira pelo Decreto 1.355/94.
O
Tribunal da Cidadania entendeu que, para considerar a desnecessidade de
aposição dos selos, não é preciso declarar a inconstitucionalidade do
artigo 46 da Lei 4.502. Segundo a decisão, é clara a prevalência do GATT
frente a este lei, graças ao disposto no artigo 98 do Código Tributário
Nacional: “os tratados e as convenções internacionais revogam ou
modificam a legislação tributária interna, e serão observadas pela que
lhes sobrevenha”.
De acordo com o STJ, nada importa se a Lei
4.502 é anterior ou posterior ao Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e
Comércio. Em qualquer caso, sobrepõe-se a convenção internacional.
Locação irregular de bem importado
Quando
um bem importado com isenção de impostos é locado antes dos cinco anos
previsto no artigo 137 do Decreto 91.030/85, os tributos devem ser pagos
e são de responsabilidade originária do importador e não do locador. A
decisão é da Primeira Turma, em disputa entre uma empresa médica e a
fazenda nacional (REsp 1.294.061).
Ambas recorreram ao STJ contra
decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que entendeu
haver responsabilidade solidária entre as empresas e o importador. Para o
TRF, a isenção do bem era vinculada apenas ao importador e, como houve
locação, seriam devidos Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e
Imposto de Importação ante o uso irregular do bem por entidade não
beneficiada pelo regime de isenção.
O TRF5 também considerou que,
por haver solidariedade entre o locador e o importador, a Receita
Federal poderia escolher qualquer um dos devedores para arcar com os
tributos e não haveria ilegalidade em apenas o locador ser inscrito em
dívida ativa. A decisão considerou ainda que não caberiam acréscimos
moratórios, pois o crédito tributário ainda não teria sido
definitivamente constituído.
Em sua defesa, a empresa alegou não
haver solidariedade onde não há devedor principal e que a Certidão de
Dívida Ativa (CDA) seria nula, pois o locador do bem importado não
constaria como devedor principal, conforme exigido pelo artigo 202,
inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN).
Responsável tributário
Para
o relator, ministro Francisco Falcão, houve solidariedade de fato, pois
o locador teria interesse comum na situação. “Não obstante, ao lançar o
auto de infração, a fazenda nacional não incluiu o responsável
tributário principal (importador), atacando diretamente o locatário”.
Falcão
afirmou que o artigo 121 do CTN explicita que o sujeito passivo da
obrigação é o responsável pelo pagamento do tributo. Já que o
responsável pelo imposto de importação é o importador e sendo dele a
responsabilidade pela burla à isenção, é contra ele que deve ser emitido
o auto de infração.
Por fim, o relator apontou que o STJ já
reconheceu que a responsabilidade tributária deve ser atribuída ao
contribuinte de fato, autor do desvio, e não ao terceiro de boa-fé, como
na hipótese dos autos, em que o locador não tem como verificar a origem
fiscal do aparelho.
Extravio de mercadoria importada
E
o que acontece quando a mercadoria importada é extraviada? O
transportador responde pelo ocorrido? Para a Primeira Turma, o
transportador não responde, no âmbito tributário, por extravio ou avaria
de mercadorias ocorridos na importação efetivada sob o regime de
suspensão de impostos (REsp 1.101.814).
Seguindo o voto do
relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, a Turma concluiu que, caso
a entrada da mercadoria se realizasse normalmente, não haveria
tributação em virtude da isenção de caráter objetivo incidente sobre os
bens importados. Logo, como houve extravio, não se pode falar em
responsabilidade subjetiva do transportador, em razão da ausência de
prejuízo fiscal.
Suspensão de impostos
A
fazenda nacional recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região (TRF3), que declarou inexigível o crédito
tributário relativo ao Imposto de Importação e respectiva multa. Para o
TRF3, havendo o extravio de mercadoria destinada à loja franca,
importada sob regime de suspensão de impostos, o transportador não deve
ressarcir os cofres públicos.
Contudo, a fazenda insiste que o
transportador é responsável pelo tributo e não deve ser agraciado pela
suspensão do imposto, uma vez que somente seria isento se a mercadoria
fosse vendida na loja franca, o que não foi possível, devido ao
extravio. Além disso, o fato gerador do Imposto de Importação é a
entrada da mercadoria estrangeira no território nacional, não havendo
ressalva sobre o seu destino que possa excluir a tributação.
Isenção temporária
O
ministro Arnaldo Esteves Lima observou em seu voto que, em regra,
quando há extravio de mercadorias, a transportadora que lhe deu causa é
responsável pelo recolhimento dos impostos. Porém, o STJ tem o
entendimento de que, no caso de extravio de mercadoria importada ao
abrigo de isenção de tributo, o transportador não é responsável pelo
pagamento deste.
O recurso julgado na Primeira Turma não tratava
de isenção concedida previamente, mas de suspensão – caso em que a
mercadoria, destinada à comercialização em loja franca, é importada sem
tributos e só se torna efetivamente isenta quando é vendida. O relator
destacou que a suspensão de imposto, nesses casos, funciona como uma
espécie de isenção temporária, que se converte em definitiva no momento
em que ocorre a comercialização do produto em loja franca.
Contrato anterior ao acordo de cotas
Em
um caso julgado em 2010, sobre contrato de importação firmado antes de
acordo de cotas, o STJ considerou válido um contrato de importação de
produtos têxteis que excedeu a cota estabelecida em acordo
internacional, por ter sido firmado antes da vigência da nova norma
reguladora (REsp 1.037.400).
No caso, duas empresas fecharam
contrato de importação de produtos têxteis com fornecedores chineses,
obtendo as licenças de importações em março de 2006. Em abril do mesmo
ano, passou a vigorar norma que impõe o controle de cotas de importação.
Com isso, foram exigidas licenças emitidas pela Secretaria de Comércio
Exterior (Secex), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento. O órgão é
responsável pelo controle de mercadorias adquiridas da China, após o
estabelecimento de acordo entre esse país e o Brasil.
Ao
analisar a questão, o STJ entendeu que não haveria como a autoridade
fiscal fazer novas exigências depois de cumpridos todos os requisitos
necessários à importação, quando foram obtidas as licenças. Para a
Corte, o recurso não trata de matéria tributária, mas do próprio
procedimento administrativo, portanto, não teria importância a data do
Registro de Declaração de Importação, relevante para a arrecadação de
impostos.
Ao final, foi demonstrado que as mercadorias não
estariam sujeitas a licenciamento automático, exigindo a autorização da
Secex. As licenças foram obtidas em data anterior (março de 2006) ao
início da vigência da nova norma (11 de abril de 2006). Com essas
considerações, o recurso interposto pela fazenda nacional foi negado.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
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04/11/2013 |