A montadora pode responder solidariamente
pela inadimplência da concessionária que deixa de entregar veículo
vendido ao consumidor, decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ao julgar recurso em que a Fiat tentava reverter sua
condenação pela Justiça paulista.
O caso envolve o consórcio Top
Fiat, administrado pela concessionária Mirafiori, alvo de ação civil
pública que tramita na 40ª Vara Civil de São Paulo. Segundo o Ministério
Público, 3.800 consumidores chegaram a aderir ao plano da
concessionária, cujos primeiros carros foram entregues em 1997. Com a
insolvência da empresa, muitos compradores ficaram sem ver o veículo
pelo qual pagaram.
Uma consumidora ajuizou ação de rescisão
contratual cumulada com indenização por danos morais e materiais contra
Mirafiori S/A – Distribuidora de Veículos e Fiat Automóveis S/A. No
processo – independente da ação civil pública –, a mulher alega ter
firmado contrato de compra e venda para entrega futura de um Palio 1.0,
com valor, à época, de R$ 13.360, em 36 parcelas. Mesmo depois de pagar
integralmente o valor, o carro não foi entregue.
O juízo de
primeiro grau extinguiu o processo em relação à Fiat, por ilegitimidade
passiva, e julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar a
concessionária a devolver os valores pagos e indenizar a consumidora. Em
grau de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu a
responsabilidade solidária entre concessionária e montadora.
Recurso da FiatA Fiat ingressou com recurso no STJ, alegando não ser cabível a responsabilidade solidária, uma vez que a
Lei 6.729/79 (que
regula a relação entre concedente e concessionária no mercado de
veículos) impede a montadora de interferir nos negócios do revendedor.
Sustentou
ainda que a criação do consórcio Top Fiat, no âmbito do qual foi
assinado o contrato de compra e venda, é de total responsabilidade da
concessionária, por isso a montadora não poderia ser condenada em ação
de indenização.
De acordo com o relator no STJ, ministro Luis
Felipe Salomão, a jurisprudência, dependendo das circunstâncias do caso,
tem admitido a responsabilização da montadora. Ao analisar o processo,
ele verificou que o TJSP concluiu que o uso do nome Fiat no consórcio
foi admitido pela fabricante.
Responsabilidade objetivaSegundo
o ministro, a responsabilidade atribuída à montadora é objetiva,
amparada fundamentalmente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), daí o
cabimento de sua condenação.
Na responsabilidade objetiva,
tem-se uma imputação legal do dever de indenizar, independentemente da
conduta do responsável e de seu agir culposo. O relator entendeu que o
caso se enquadra no artigo 34 do CDC, que dispõe: “O fornecedor do
produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus
prepostos ou representantes autônomos.”
A norma estabelece que a
responsabilidade pelo descumprimento dos deveres de boa-fé,
transparência, informação e confiança recai sobre qualquer dos
integrantes da cadeia de fornecimento que dela se beneficiou.
Bônus e ônusSegundo
o ministro, a utilização da marca pela concessionária é inerente ao
próprio contrato de concessão. “Com a assinatura do contrato de
concessão, a fabricante assume o bônus e o ônus da utilização de sua
marca, e é exatamente por esta que o consumidor sente-se atraído, sendo
desimportante, na generalidade das vezes, dirigir-se a esta ou àquela
concessionária”, afirmou Salomão.
O ministro destacou que, ao
comprar o veículo, o consumidor crê que faz negócio com a montadora, e
apenas de forma intermediária com a concessionária.
Como as
instâncias ordinárias reconheceram que o consórcio Top Fiat foi objeto
de ampla publicidade à época e que a Fiat teve conhecimento dele, não é
possível admitir – segundo o relator – que “a concedente silencie quando
as práticas comerciais da concessionária sejam-lhe economicamente
proveitosas e, futuramente, insurja-se contra estas mesmas práticas,
quando interpelada a ressarcir danos causados a terceiros”.
FiscalizaçãoSobre
a alegação da montadora de que a Lei 6.729 não permite ingerência nos
negócios da concessionária, Salomão disse que nada impede que a
concedente fiscalize o cumprimento do contrato de concessão. Isso
ocorre, por exemplo, no que se refere às vendas exclusivas da marca.
Se
houvesse práticas comerciais não admitidas, caberia à montadora
rescindir o contrato, se quisesse. O que é vedado pela lei é a
ingerência administrativa, econômica ou jurídica nos negócios celebrados
pela concessionária, acrescentou o relator.
Ele rebateu ainda a
ideia de que o caso devesse ser resolvido exclusivamente com base na
Lei 6.729, como pretendia a Fiat, pois esta lei não aborda os direitos
do consumidor, mas trata apenas da relação entre as empresas envolvidas
na concessão. O uso exclusivo da Lei 6.729 só é possível, disse Salomão,
quando a ação é ajuizada por uma das partes do contrato de concessão
contra a outra.