DECISÃO
Sem prova de nexo causal, parecer sobre dispensa de licitação não autoriza ação penal contra procuradores
A Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para trancar a ação penal a que
respondem uma procuradora do município de Campos dos Goytacazes (RJ),
responsável por parecer técnico que amparou a dispensa de licitação para
construção de apartamentos populares, e o procurador-geral daquele
município, que teria aprovado o documento.
A obra foi realizada
sob a vigência do Decreto Municipal 1/07, que declarou estado de
calamidade pública no município. Entre os meses de dezembro de 2006 e
janeiro de 2007, as chuvas provocaram enchentes que deixaram muitas
famílias desabrigadas ou em áreas de risco.
Há informações de
que a empresa Construsan Serviços Industriais, contratada para a obra,
teria sido beneficiada com a quantia R$ 21.607.812.
Os
procuradores foram denunciados pelo Ministério Público estadual,
juntamente com outros dez corréus, como incursos no artigo 89, caput, da Lei 8.666/93. Diante disso, eles impetraram habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – que denegou a ordem.
Atipicidade
No
recurso para o STJ, a defesa afirmou que “o crime imputado pelo
Ministério Público exige, além de dolo específico, dano ao erário”.
Segundo ela, as condutas são atípicas, visto que a manifestação feita
por advogado público no exercício da profissão é inviolável, não podendo
ser criminalizada.
“Ambos os acusados atuaram dentro dos
limites legais e funcionais do ofício”, sustentou, acrescentando que
“eventual parecer possuía caráter meramente opinativo, e não
vinculativo”. Além disso, argumentou que não cabia aos procuradores
decidir sobre a conveniência ou não da dispensa de licitação, tanto que,
segundo ela, o parecer da procuradora restringiu-se a um exame jurídico
da situação.
Diante disso, pediu que fosse determinado o
trancamento da ação penal, "eis que a denúncia não se faz acompanhar de
lastro probatório mínimo para sustentar a acusação, tampouco descreve
qualquer comportamento típico dos pacientes".
Para a ministra
Laurita Vaz, relatora do recurso em habeas corpus, “constata-se, de
plano, a atipicidade das condutas atribuídas aos recorrentes, uma vez
que foram denunciados apenas pela simples emissão e aprovação de parecer
jurídico, sem demonstração da presença de nexo de causalidade entre a
conduta a eles imputada e a realização do fato típico”.
Lastro probatório
Ao
proferir seu voto, a relatora citou precedente da Sexta Turma, segundo o
qual, “não comete crime algum quem, no exercício de seu cargo, emite
parecer técnico sobre determinada matéria, ainda que pessoas
inescrupulosas possam se locupletar às custas do estado, utilizando-se
desse trabalho. Estas devem ser processadas criminalmente, não aquele”
(RHC 7165).
Segundo a relatora, “o regular exercício da ação
penal exige um lastro probatório mínimo para subsidiar a acusação. Não
basta mera afirmação de ter havido uma conduta criminosa”.
Ela
explicou que a denúncia deve apontar elementos capazes de respaldar o
início da persecução criminal, “sob pena de subversão do dever estatal
em inaceitável arbítrio”.
Em seu entendimento, ainda que os
fundamentos jurídicos do parecer estejam totalmente equivocados e que
não se possa presumir, de forma absoluta, que os procuradores não
tiveram qualquer participação no episódio, “o órgão acusador não se
desincumbiu da imprescindível tarefa de declinar algum elemento de prova
para sustentar a acusação”.
Laurita Vaz concluiu que, “faltando
o requisito indiciário do fato alegadamente criminoso, falta justa
causa para a ação penal”.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
RHC 39644
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24/10/2013 |