Por seis votos a quatro, a Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a surdez unilateral não
se enquadra nas situações descritas no artigo 4º do
Decreto 3.298/99,
que apenas indica como deficiente auditiva a pessoa com perda bilateral
igual ou superior a 41 decibéis. O julgamento, iniciado em sessões
anteriores, foi concluído na última quarta-feira (2).
No caso
julgado, uma candidata ao cargo de analista judiciário ingressou com
mandado de segurança contra ato do presidente do STJ e do diretor-geral
do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de
Brasília (Cespe/UNB), que lhe negou a condição de deficiente no concurso
público realizado em 2012.
Portadora de surdez unilateral de
grau profundo (anacusia) no ouvido esquerdo, ela alegou que sua
deficiência foi comprovada por três laudos médicos particulares e pela
própria junta médica do concurso. Sustentou que seria ilegal a norma
prevista no artigo 4º, II, do Decreto 3.298, que restringe o conceito de
deficiência à perda auditiva bilateral.
Sem risco imediatoNo
mandado de segurança, a candidata citou a existência de jurisprudência a
seu favor e requereu, liminarmente, que lhe fosse reservada vaga no
cargo pleiteado, observada a nova ordem de classificação dos aprovados. O
pedido de liminar foi negado em decisão monocrática do relator,
ministro Castro Meira (recentemente aposentado), que não reconheceu o
risco iminente de dano irreparável para a candidata.
Ao
indeferir a liminar, o ministro ressaltou que, “sem prejuízo de
posterior análise minuciosa da legislação que rege a matéria e do
confronto com os precedentes jurisprudenciais arrolados, em juízo de
cognição primária, não vislumbro a pronta necessidade do deferimento da
medida acauteladora, precisamente porque o resultado do concurso já foi
homologado e a impetrante não alcançou pontuação que lhe assegurasse o
chamamento imediato”.
O julgamento do mérito foi levado à Corte
Especial. Citando vários precedentes do STJ que aceitam a surdez
unilateral como espécie de deficiência, Castro Meira sustentou que o
Decreto 3.298, com a redação dada pelo Decreto 5.296/04, ampara a
interpretação de que a candidata deve ser alocada na lista
classificatória de deficientes.
No entender do relator, os
artigos 3º e 4º, II, precisam ser lidos em interpretação sistemática que
se sobreporia ao entendimento da junta médica e à disposição do edital,
que transcreve a nova redação do artigo 4º, II, do Decreto 3.298. Seu
entendimento pela concessão da segurança foi acompanhado pelos ministros
Arnaldo Esteves Lima, Luis Felipe Salomão e Laurita Vaz.
DivergênciaAo
abrir a divergência, o ministro Humberto Martins iniciou seu voto
informando que, ao contrário do afirmado pela candidata, o laudo da
junta médica do concurso descaracterizou sua situação como deficiência.
Ele
explicou que divergia do relator com base em precedente do Supremo
Tribunal Federal, por três argumentos: a nova redação do Decreto 3.298,
que prevê apenas a surdez bilateral como deficiência auditiva; o estrito
cumprimento do edital, que reproduz o decreto; e a necessidade de
dilação probatória.
Sobre o primeiro argumento, Humberto Martins
sustentou que o Decreto 3.298 foi alterado pelo Decreto 5.296 para
restringir o conceito de deficiente auditivo, tornando impossível
menosprezar o fato normativo para realizar interpretação sistemática que
objetive negar a alteração legal.
“No cerne, a nova redação
consignou que não poderia ser considerado deficiente aquele que tivesse
perda auditiva entre 15 e 40 decibéis, como ocorria antes”, enfatizou.
Quanto
ao segundo argumento, o ministro ressaltou que o edital incorporou
estritamente a nova redação do decreto, restringindo o conceito de
deficiência auditiva. Para ele, a junta médica, após a realização do
exame de audiometria, apenas aplicou o dispositivo do edital, idêntico à
norma jurídica do decreto.
O terceiro argumento consignado por
Humberto Martins para denegar a segurança foi a exigência de dilação
probatória, pois o mandado de segurança atacou entendimento fundado em
laudo lastreado em exames médicos. Seu voto foi seguido por mais cinco
ministros: Mauro Campbell Marques, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, João
Otávio de Noronha e Raul Araújo.