Uma liminar
da Justiça Federal de São Paulo proibiu a Receita Federal de exigir
informações de arbitragens feitas pelo Centro de Arbitragem e Mediação
da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. A decisão barra uma das investidas
do Fisco feitas contra diversas câmaras arbitrais em busca de checar a
veracidade de informações prestadas por empresas em declarações
fiscais. Como as arbitragens são sigilosas, as empresas que delas
participam teriam menos receio de mostrar, nos processos, detalhes que
não contariam se questionadas diretamente pela Receita.
No caso da
Câmara Brasil-Canadá, a Receita a intimou, em maio, a entregar
informações como confirmações sobre se foi ou não prolatada sentença em
determinados procedimentos arbitrais entre janeiro de 2009 e dezembro de
2012. Foi exigido inclusive que a Câmara deixasse seus procedimentos
arbitrais, inclusive os ainda em curso, à disposição da fiscalização
tributária.
A liminar em favor da Câmara foi expedida no dia 23
de julho pela 4ª Vara Federal Cível de São Paulo. "A exigência se refere
a dados atinentes às partes envolvidas nos autos acima mencionados, e
não acerca da documentação relativa às próprias atividades da
impetrante", diz na decisão o juiz federal Luciano dos Santos Mendes,
substituto na 4ª Vara.
Seu argumento é que tanto o Regulamento da
Câmara Arbitral quanto a Lei de Arbitragem — a Lei 9.307/1996 — garantem
o sigilo dos procedimentos arbitrais, oponível ao interesse do Fisco. O
regulamento ainda proíbe julgadores, partes e peritos a divulgar
informações de terceiros a que tenham acesso devido ao ofício
desempenhado na Câmara. Segundo o juiz Luciano Mendes, profissionais
liberais como advogados e contadores podem incorrer inclusive em
infração penal se revelarem informações de clientes a terceiros, salvo
se obrigados pela Justiça.
O entendimento do juiz não é único. De acordo com o jornal Valor Econômico,
pelo menos mais uma câmara arbitral conseguiu liminar que impede a
Receita Federal de ter acesso a informações de julgamentos dos últimos
cinco anos. Ambas as decisões impedem a Receita Federal de multar ou
aplicar qualquer outro tipo de punição contra as câmaras.
O
Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), com sede no Rio, foi
outro fiscalizado, assim como a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem
do Rio de Janeiro, uma das mais procuradas do país no setor. Ela foi a
primeira a ser notificada. O processo começou logo após o Carnaval. No
Termo de Fiscalização, a Receita exigiu a entrega das sentenças com a
ameaça de multá-la em caso de desobediência, por descumprimento de
obrigação acessória. A Fundação Getulio Vargas, patrocinadora da Câmara,
já disponibilizou todos os documentos ao Fisco.
Alvos na mira
O alto valor recebido em honorários pelos árbitros é o que parece ter
acendido o sinal de alerta da Receita, pois indicaria grandes valores de
transações levadas a julgamento. Nas notificações, o Fisco pede às
câmaras que informem valores recebidos pelas partes e seus advogados nos
processos terminados.
Outra preocupação é com o pagamento de
contribuições previdenciárias pelas empresas, incidentes sobre os altos
salários de executivos. É comum esses profissionais serem remunerados
com planos de previdência privada, ações na Bolsa de Valores e outros
programas de marketing de incentivo que reclamam a não incidência das
contribuições ao INSS. Como conflitos envolvendo demissões de altos
executivos costumam ser resolvidos em arbitragem e não em ações na
Justiça, obter essas decisões permitiria à Receita apurar possíveis
dribles previdenciários.
Tributaristas temem ainda uma investida
sobre planejamentos tributários de terceiros. De posse de sentenças
arbitrais, o Fisco teria mais munição para desqualificar planejamentos
tributários ao avaliar operações societárias — como fusões, cisões e
compra de participações acionárias — consideradas sem outro propósito
que não seja o de somente economizar em tributos. As informações obtidas
nas câmaras serviriam, por exemplo, para contestar explicações dadas
pelas empresas em julgamentos administrativos que impugnam autuações
fiscais.
“Pediram tudo, sem um critério”, conta Carlos Suplicy de
Figueiredo Forbes, vice-presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem
(CBar). “Por isso, o foco da fiscalização ainda é um mistério, não
conseguimos entender.” Outro aspecto intrigante em relação aos objetivos
do Fisco é que, devido a um convênio com a Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica, boa parte das arbitragens feitas pelo centro da FGV
Rio envolvem órgãos públicos, o que exige que elas sejam divulgadas.
“Não são comuns contratos de empreitada ou disputas societárias”,
explica Forbes.
Segundo ele, os procedimentos arbitrais não foram
pinçados pelos fiscais, mas exigidos em massa, por período. “Ocorre que a
informação não é do centro, que só a administra. Se entrego informações
que não são minhas, mas de terceiros, não é o Fisco quem está quebrando
o sigilo, mas eu.”
Clique aqui para ler a liminar em favor da Câmara Brasil-Canadá.