Veja alguns
exemplos de como são resolvidas questões relacionadas ao dia a dia
desses profissionais e às prerrogativas previstas no Estatuto da
Advocacia (lei 8.906/94).
Juiz atrasado
O atraso do
magistrado por mais de 30 minutos autoriza o advogado a deixar o
recinto, mediante comunicação protocolada em juízo. Porém, essa medida
só se justifica quando o juiz não está presente no fórum.
No HC 97.645,
o STJ rejeitou a alegação de nulidade em caso no qual o advogado do réu
acusado de homicídio qualificado, na quarta audiência marcada, deixou o
local após atraso do magistrado, que presidia outro feito no mesmo
recinto.
A primeira
audiência estava marcada para 20 de novembro, e o réu foi apresentado às
15h30. Às 15h58, o advogado protocolou a petição informando do
exercício de sua prerrogativa, sem nem mesmo entrar em contato com o
magistrado, que, por se tratar de interrogatório do acusado, adiou o
feito para 6 de fevereiro do ano seguinte.
A oitiva das
testemunhas da acusação foi marcada para as 13h30 de 30 de maio, já que
não compareceram à primeira. Às 16h30, o réu, preso, ainda não havia
sido apresentado, o que levou à remarcação.
Em 10 de outubro,
como as testemunhas do réu estivessem atrasadas, foi iniciada a
audiência de outro caso, às 14h15. Às 16h20 foi feito o pregão do
processo. O magistrado foi então informado de que os advogados,
novamente sem entrar em contato prévio, haviam protocolado às 16h16
petição relativa à prerrogativa. O réu, já solto, deixou o fórum junto
com seu defensor. Diante do fato, o magistrado nomeou defensor público e
deu seguimento ao feito.
Para o STJ, além de não se enquadrar na hipótese prevista no estatuto, o caso não trouxe nenhum prejuízo à defesa.
Autonomia e qualidade
No HC 229.306,
a defesa alegava que a atuação do advogado no processo de origem teria
sido de “péssima qualidade” e deficiente. Assim, por falta de defesa
técnica, a condenação do réu em 13 anos por homicídio qualificado
deveria ser anulada.
O ministro Jorge
Mussi, porém, afastou a nulidade. Para o relator, o advogado era
habilitado e fora regular e livremente constituído pelo réu, pressupondo
confiança deste no profissional. A atuação do advogado não seria
negligente, já que sustentou suas teses em todas as oportunidades
oferecidas pelo juízo.
Conforme o
ministro, não se pode qualificar como defeituoso o trabalho do advogado
que atua de acordo com a autonomia garantida pelo estatuto.
“Como se sabe, o
conhecimento e a experiência agregados por cada profissional, em
qualquer ofício, são critérios que levam, muitas vezes, à execução de
trabalhos distintos sobre uma mesma base fática, como não raro ocorre,
por exemplo, em diagnósticos diversos dados a um mesmo sintoma por dois
ou mais médicos. Trata-se, na verdade, da avaliação subjetiva do
profissional, diante de um caso concreto, das medidas que entende
devidas para alcançar um fim almejado”, avaliou Mussi.
“O ofício do
advogado, entretanto, se consubstancia em obrigação de meio, não lhe
sendo exigível qualquer resultado específico sobre a sua atuação em
juízo, senão a diligência na prestação do serviço e o emprego dos
recursos que lhe estiverem disponíveis em busca do êxito almejado”,
completou.
“Assim, embora
aos olhos do impetrante a atuação do causídico constituído pelo paciente
não seja digna de elogios, da leitura das peças que foram acostadas aos
autos não se constata qualquer desídia ou impropriedade capaz de
influenciar na garantia à ampla defesa do acusado”, acrescentou o
ministro.
“Aliás,
mostrou-se combativo ao não resignar-se com a decisão de pronúncia,
manifestando seu inconformismo até o último recurso disponível,
revelando a sua convicção na estratégia defensiva traçada, a qual foi
igualmente sustentada perante o conselho de sentença. Entretanto, diante
de um insucesso, para o crítico sempre haverá algo a mais que o
causídico poderia ter feito ou alegado, circunstância que não redunda,
por si só, na caracterização da deficiência de defesa”, concluiu.
Direito próprio
As prerrogativas
profissionais são direito do próprio advogado. Essa interpretação
decorreu do caso em que um clube impediu o defensor de ingressar em suas
dependências, afirmando que somente sócios podiam frequentá-lo.
O advogado
defendia um cliente perante o conselho deliberativo do country club.
Temendo que o impedimento tornasse a acontecer, o advogado ingressou com
medida cautelar, que foi deferida. Porém, no mérito, o processo foi
extinto, sob o argumento de que o advogado não poderia pleitear em seu
nome direito de terceiro, seu cliente.
Para o STJ, no
entanto, é “óbvio” que o titular das prerrogativas da advocacia é o
advogado e não quem o constitui. Por isso, a legitimidade para a ação,
nos termos em que proposta, era mesmo do defensor (REsp 735.668).
Carga de autos
Em decisão
recente, o STJ afirmou que apenas o advogado que deixou de devolver os
autos no prazo é que pode ser responsabilizado pela falta.
No REsp 1.089.181,
as instâncias ordinárias haviam imposto restrições a todos os advogados
e estagiários da parte, mas o STJ afirmou que só poderia ser punida a
advogada subestabelecida que deixou de devolver os autos. Porém, no caso
analisado, nem mesmo essa punição poderia ser mantida, já que os autos
foram devolvidos antes do prazo legal de 24 horas que permitiria a
aplicação de sanções.
“Merece reforma o
acórdão recorrido, uma vez que a configuração da tipicidade infracional
decorre não do tempo em que o causídico reteve os autos, mas do
descumprimento da intimação para restituí-los no prazo legal”,
esclareceu o ministro Luis Felipe Salomão.
Proibição de retirada de processo é pessoal e não se estende a outros advogados da parte
Vistas para 47 réus
O STJ já decidiu
que não viola prerrogativas da advocacia a limitação, pelo juiz
processante, de restrição à vista dos autos fora do cartório quando a
medida é justificada.
No HC 237.865,
o Tribunal afirmou que a retirada dos autos de processo com 47 réus,
cada um com seus advogados próprios, envolvidos em cinco denúncias
relacionadas a tráfico internacional de drogas, causaria tumulto e
retardamento processual.
Conforme o STJ,
as partes não tiveram impedido o acesso aos documentos ou cópias, o que
não restringiu seu direito de defesa. Apenas foi aplicada exceção
prevista no próprio Estatuto da Advocacia (artigo 7º, parágrafo 1º, item
2).
O caso tratava de
réus presos com mais de quatro toneladas de cocaína e cinco toneladas
de maconha. Na operação, foram apreendidos também 48 veículos, um avião e
mais de US$ 1 milhão, além de maquinário e produtos químicos para
preparação e adulteração das drogas. O grupo, de acordo com a denúncia,
produzia as drogas na Bolívia e as distribuía para São Paulo, a Europa e
a África.
Tumulto protelatório
O advogado que
tenta tumultuar o trâmite processual e apenas adiar o julgamento também
pode ter negada a carga dos autos. No REsp 997.777, o STJ considerou válida a negativa de carga dos autos pelo tribunal local.
Às vésperas do
julgamento, os advogados foram substituídos. Por isso, os novos
representantes pediam vista fora de cartório. A corte havia negado a
retirada dos autos porque a parte teria, desde a primeira instância,
feito várias manobras para procrastinar o andamento do processo.
Intimação
Por outro lado, o STJ anulou (HC 160.281)
o julgamento de um recurso em sentido estrito porque a decisão do
relator autorizando vista para cópias deixou de ser publicada, o que
impediu o conhecimento do ato pelo advogado.
Para o tribunal
local, o defensor constituído e os dois estagiários autorizados deveriam
ter procurado tomar conhecimento da decisão, que só foi juntada três
dias antes do julgamento. Eventual prejuízo para o réu decorreria da
própria desídia da defesa. Mas o STJ considerou que o ato, nessas
condições, constituiu um nada jurídico.
Os ministros
consideraram que não seria razoável exigir do advogado que se dirigisse
todos os dias ao gabinete do relator ou à secretaria do foro para
informar-se sobre o andamento do processo.
Ainda conforme o
STJ, havendo advogado constituído, tanto em processo judicial quanto
administrativo, as intimações devem ser feitas também em seu nome, sob
pena de nulidade. É o exemplo do decidido no Recurso Especial 935.004.
Na origem, um
processo administrativo corria perante o conselho de magistratura. O
juiz recebeu pena de censura por ter nomeado como inventariante seu
padrinho de casamento, que por sua vez contratou o irmão do magistrado
como advogado do espólio.
Como não foi
intimado dessa decisão do conselho, o advogado que defendia a parte no
processo de inventário não pôde entrar a tempo com a exceção de
impedimento e suspeição contra o juiz.
O STJ considerou
nula a intimação do resultado de processo administrativo feita somente
em nome da parte em processo judicial relacionado ao caso, sem inclusão
de seu advogado constituído.
Vista em processo administrativo
Porém, o STJ considerou, no REsp 1.232.828, que a administração não pode simplesmente impedir o advogado de retirar autos de processo administrativo da repartição.
No caso, o
advogado tinha uma senha da repartição para provar que havia tentado
obter vista do processo em que pretendia verificar o lançamento de ISS
contra seu cliente. Mas o horário impresso correspondia à madrugada de
domingo.
No STJ, foi
considerado que, apesar disso, o documento, somado à presunção de boa-fé
dos advogados, servia como prova. Mais que isso, a autoridade coatora
se manifestou informando que realmente não concedia vista em carga dos
processos administrativos. Isso configurou a violação do direito líquido
e certo do advogado.
Imunidade por ofensas
Para o STJ, o advogado não pode ser responsabilizado por ofensas em sua atuação profissional, ainda que fora do juízo. No HC 213.583, o Tribunal reconheceu a ausência de justa causa em processo por crimes contra a honra movido por juiz contra um advogado.
O advogado era
procurador municipal. A juíza titular da causa negara o mandado de
segurança contra o ente público. A parte recorreu com embargos de
declaração, os quais foram acolhidos com efeitos infringentes pelo
magistrado, que substituía a titular afastada.
Na apelação, o
procurador teria ofendido o juiz substituto, ao apontar sua decisão como
ilegal e imoral. Isso porque teria, “curiosamente”, julgado “com
celeridade sonhada por todos os litigantes” a causa movida por esposa de
servidor de seu gabinete, na vara onde era titular.
Para o tribunal
local, haveria injúria na afirmação de que a fundamentação era
lamentável e a decisão absurda e ilegal; difamação, ao apontar que a
decisão fora tomada “curiosamente” de forma célere, absurda, antiética e
com interesse na causa; e calúnia ao afirmar que o juiz teria
favorecido esposa de subordinado, fatos que corresponderiam a
prevaricação e advocacia administrativa.
O STJ, no
entanto, entendeu que não havia na apelação nenhum elemento que
demonstrasse a intenção do advogado de ofender o magistrado ou
imputar-lhe crime. Os ministros consideraram que a manifestação era
objetiva e estava no contexto da defesa do ente público, seu cliente. As
críticas, ainda que incisivas e com retórica forte, restringiam-se à
decisão e à atuação profissional do magistrado, não invadindo a esfera
pessoal.
Os ministros
apontaram ainda que a própria magistrada titular da vara, ao receber a
apelação, anotou que somente o tribunal teria competência para reverter
sua decisão original e lhe causava “estranheza” a decisão do substituto.
“Salvo engano, juízos com mesmo grau de jurisdição não podem alterar
sentença um do outro”, registrou a magistrada.
Porém, no RHC 31.328,
o STJ entendeu que a formulação de representação à OAB contra outro
advogado não guarda relação com o exercício de atividade advocatícia, o
que afasta a imunidade.
Nesse mesmo
processo, o STJ também reafirmou jurisprudência segundo a qual o cliente
não pode ser responsabilizado por eventual excesso de linguagem de seu
patrono.
"Pela ordem, Excelência!"
O tribunal esclareceu, no Agravo de Instrumento 1.193.155,
que a prerrogativa de o advogado “usar a palavra, pela ordem, em
qualquer juízo ou tribunal” não permite a juntada de documentos após o
julgamento do recurso.
No caso, o Joinville
Esporte Clube tentava comprovar, com a petição denominada “questão de
ordem”, ter ingressado na “Timemania”, afastando a cobrança tributária.
Porém, a peça só foi atravessada depois do julgamento colegiado do
agravo regimental que confirmara a negativa ao agravo de instrumento. Os
ministros anotaram, ainda, que tal petição não agiria sobre o prazo
prescricional.