O
Fisco não pode impedir que o devedor ofereça outros bens à constrição
se estes tiverem liquidez. Afinal, o artigo 64-A da Lei 9.532/1997
estabelece que a prioridade de arrolamento deve recair sobre os imóveis,
mas não em caráter exclusivo. E mais: a Instrução Normativa 1.171
da Receita Federal autoriza a substituição excepcional se o devedor
indicou formalmente à autoridade bens necessários a garantir o crédito
reclamado.
Com essa linha de entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou decisão
que permitiu ao Grêmio oferecer ao Fisco, como garantia para o
pagamento de dívidas, a sua marca, em substituição aos imóveis que
formam o complexo do ‘‘Olímpico Monumental’’, em Porto Alegre. O clube
gaúcho foi à Justiça porque a Receita Federal indeferiu o pedido de
substituição em nível administrativo.
O relator da
Apelação/Reexame Necessário na corte, desembargador federal Otávio
Roberto Pamplona, observou que a marca e o imóvel localizado na cidade
de Guaíba oferecidos em garantia superam o valor dos bens até então
constritos. Em síntese, o clube retira o arrolamento de bens imóveis
avaliados em R$ 16,4 milhões e o substitui por outro, estimado em R$
47,3 milhões.
‘‘Ademais, quanto à liquidez, suficiência e
idoneidade da marca oferecida, como bem destacou o togado singular, a
União sequer apresentou óbice nesse particular, muito menos elidiu a
capacidade de gerar receitas, atestada no balanço anual acostado pelo
impetrante [Grêmio]’’, finalizou o desembargador-relator. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 5 de agosto.
O caso
O Grêmio Football Porto Alegrense pediu à Receita Federal a substituição
de um lote de terrenos, arrolado administrativamente para garantir o
pagamento de dívidas fiscais e previdenciárias, pela marca do clube. O
objetivo da troca é permitir a entrega rápida dos imóveis sem nenhum
gravame ou ônus à Construtora OAS que, na contrapartida, já havia
concluído a ‘‘Arena do Grêmio’’, na zona norte da Capital gaúcha.
Na
via administrativa, o Fisco federal indeferiu o pedido. Disse não ter
ficado evidente que a marca tenha maior liquidez que os imóveis
arrolados, no valorizado Bairro Azenha, sede do clube. E mais: que não
via fundamento legal e normativo que autorizasse a alteração.
Alegando-se
ferido em seus direitos, o clube ajuizou Mandado de Segurança contra o
ato do delegado da Receita Federal na capital. Em suas razões, sustentou
que a Lei 9.532/1997, no artigo 64, parágrafo 3º, diz que o
contribuinte pode dispor de bens direitos arrolados, desde que comunique
previamente ao órgão fazendário.
Argumentou que a exploração
comercial da marca lhe rendeu, em 2011, R$ 7,8 milhões, evidenciando a
liquidez do ativo intangível. Assim, a negativa do Fisco seria ‘‘ilegal e
desarrazoada’’. Em função do perigo de dano irreparável, pela magnitude
do negócio entabulado entre clube e construtora, a 1ª Vara Federal
Tributária de Porto Alegre concedeu a liminar.
A sentença
Ao julgar o mérito da causa, o juiz substituto Fábio Hassen Ismael, se
reportou às mesmas razões que o fizeram conceder a segurança. Após citar
exaustivamente os dispositivos da Lei 9.532/1997, que regula o
arrolamento de bens ou direitos de iniciativa da administração
tributária, o juiz chamou a atenção para a redação do parágrafo único do
artigo 7º.
Este estabelece que somente na ausência de bens
passíveis de arrolamento, em valor suficiente para fazer frente aos
créditos tributários, é que a autoridade verificará a hipótese de
ajuizar cautelar fiscal, salvo se não houver outro bem passível para
garantir o débito.
‘‘Ora, neste contexto é que deveria ser
analisado o pleito efetuado pelo contribuinte em sede administrativa.
Não se trata de mero pedido de substituição, mas também de uma
comunicação de alienação do patrimônio arrolado, caso em que, entendo,
somente seria cabível o indeferimento da substituição quando demonstrado
ser inservível o novo bem oferecido’’, discorreu na sentença.
Segundo
o juiz, é certo que o artigo 64-A estabelece que o arrolamento deve
recair nos imóveis, mas essa prioridade precisa ser analisada dentro da
realidade patrimonial do contribuinte. Ou seja, alienado o imóvel e
tendo outros bens passíveis de arrolamento, que se faça a anotação sobre
estes outros bens, destacou.
Também registrou que o artigo 3º da
Instrução Normativa 1.171 da Receita Federal dispõe que,
excepcionalmente, a prioridade poderá ser alterada por ato fundamentado
da autoridade competente. E que essa excepcionalidade ficou
caracterizada quando o clube comunicou sua intenção de alienar e indicar
bens suficientes à garantia do crédito tributário.
‘‘Por fim,
ainda que autoridade administrativa saliente que a substituição
pleiteada não é a mais benéfica à União, não opôs óbice à liquidez, à
suficiência e à idoneidade da ‘Marca Grêmio’. Marca amplamente conhecida
no estado do Rio Grande do Sul e no Brasil e que notoriamente (inciso
I, do artigo 334, do CPC) dispõe dos atributos necessários para figurar
no arrolamento, porquanto demonstrada a viabilidade econômica da
garantia, devidamente registrada em seu balanço patrimonial’’, concluiu.