Na
semana passada foi sancionada a Lei 12.846/2013. Ao contrário da usual
política de resposta rápida, angustiada às demandas populares por mais
crimes e castigos, o legislador cuidou de criar instrumentos que podem,
efetivamente, inibir a corrupção, fraudes a licitação e outras práticas
lesivas à administração pública.
Trata-se do início de uma nova
fase. Sabe-se que corrupção e as outras atividades ilícitas similares
mencionadas na lei são atos bilaterais. Onde houver um corrompido, há um
corruptor, alguém interessado na prática espúria, um interesse — muitas
vezes econômico — na compra dos atos. A nova lei atinge precisamente
este corruptor. Mais precisamente, as empresas que fazem da oferta de
vantagens indevidas a servidores públicos uma parte de sua estratégia de
crescimento e expansão.
Até então, os atos de corrupção ou
fraudes a licitação, por exemplo, acarretavam punição apenas das pessoas
físicas envolvidas. Salvo algumas raras exceções — como nos casos de
declarações de inidoneidade ou proibições de contratação com o Poder
Púbico — as empresas sofriam poucas consequências por tais práticas. Por
outro lado, sabe-se que, em regra, elas eram e são as grandes
beneficiadas pelos atos descritos na lei.
Por isso, a Lei
12.846/2013 merece elogios. Inspirada em documentos internacionais de
combate à corrupção — Lei de Práticas Corruptas no Exterior (FCPA, na
sigla em inglês), dos EUA, e nas recomendações da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico — a norma traz importantes
dispositivos para proteger a administração pública de práticas ímprobas
ou fraudulentas.
A nova lei prevê a responsabilidade objetiva da
empresa envolvida, facilitando a apuração dos fatos. Também indica
sanções administrativas e judiciais, como multa de até 20% sobre o
faturamento bruto, nunca inferior ao valor da vantagem irregular obtida —
ou, na impossibilidade desse cálculo, no valor de até R$ 60 milhões.
Será possível até a dissolução da empresa, o perdimento de seus bens,
além de outras penas já previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Também
segue a linha de outras leis recentes, como a de lavagem de dinheiro e
de combate a carteis, ao prever benefícios ao envolvido que decidir
colaborar com as investigações, desde que seja o primeiro a fazê-lo e
efetivamente reúna informações que possibilitem o esclarecimento dos
fatos e a identificação dos envolvidos.
Interessante, ainda, é a
previsão da atenuação da sanção se a empresa demonstrar a existência de
controles internos, códigos de ética, mecanismos para evitar atos de
improbidade, auditorias regulares e mecanismos de incentivo a denúncias.
Tal previsão estimulará ou fortalecerá políticas de compliance,
ou seja, atividades internas das empresas que incentivem ou favoreçam o
cumprimento de normas e regulamentos, evitando o comprometimento da
entidade com práticas ilícitas. A ideia do legislador foi internalizar
os valores éticos, estimulando uma cultura ética no seio da própria
instituição privadas.
A atenuante do compliance somada à previsão da proporcionalidade da pena ao grau de cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações (artigo 7º, inciso VII), suscitará novas e interessantes questões. Isso porque a investigação da prática de ilícitos pela própria empresa,
em âmbito interno, será frequente, suscitando debates sobre seus
limites e direitos dos investigados, como à privacidade diante de
apreensões de documentos, mensagens eletrônicas etc.
Por fim, vale
ainda destacar que a nova lei instituiu um Cadastro Nacional de
Empresas Punidas, o que facilitará a consulta a informações sobre
instituições afetadas pelas sanções legais, superando a falta de dados
integrados e sistematizados.
Já veio tarde uma lei com esse
espírito de dotar a administração de mecanismos para combater a prática
de ilícitos contra seu patrimônio. Não se trata de lei penal, pois não
cria crimes ou penas. Não tem a contundência inútil da ameaça de prisão,
mas a racionalidade efetiva da inibição de comportamentos pela
identificação inteligente e repressão dos principais beneficiários do
ilícito. Ao trazer instrumentos que facilitam a identificação dos
responsáveis pelos atos, organizar informações sobre investigações e
incentivar a delação e mecanismos para que as próprias empresas
incorporem práticas éticas, a lei em comento será muito mais eficaz para
prevenir e reprimir condutas que, há muito, deveriam ser extirpadas da
relação entre o ente privado e o gestor público.
Igor Tamasauskas é sócio do Bottini & Tamasauskas Advogados.