Empresas
internacionais que negociam com companhias americanas terão de tomar
mais cuidado na celebração de contratos. A Carolina do Norte se tornou o
oitavo estado americano, em alguns meses, a aprovar uma lei que proíbe
os tribunais estaduais de levar em conta qualquer legislação estrangeira
ou internacional no exame de disputas judiciais em seu território.
Leis
semelhantes tramitam nas Assembleias Legislativas de outros 25 estados.
Antes da Carolina do Norte, legislação similar foi aprovada em sete
estados: Arizona, Dakota do Sul, Idaho, Kansas, Louisiana, Oklahoma e
Tennessee. Missouri pode ser o próximo.
De acordo com relatórios
separados do Center for American Progress e do Brennan Center for
Justice, o intento da lei de cada estado não era complicar o
relacionamento comercial de corporações americanas com quaisquer
organizações de outros países. Mas pode. Da maneira que as leis foram
feitas, deliberadamente abertas (isto é, sem especificar suas
verdadeiras intenções), elas podem, no futuro, invalidar, por exemplo,
um contrato comercial.
A verdadeira intenção dessas leis, segundo as entidades — e também os jornais USA Today, Huggington Post e The Atlantic,
é banir a "Sharia" (a lei islâmica ou um código de leis baseado no
Alcorão) dos tribunais. Isto é, nenhum tribunal, em cada um desses
estados, pode levar em consideração os preceitos da Sharia no exame de
qualquer ação judicial.
No entanto, nenhuma lei poderia se referir
especificamente à Sharia, porque isso seria inconstitucional. Uma lei
de Oklahoma cometeu essa falha e foi declarada inconstitucional por uma
corte federal, noticia o Huffington Post. Por isso, as leis se referem apenas à legislação estrangeira ou internacional.
O
Brennan Center for Justice afirma que as proibições estabelecidas por
essas leis são tão amplas que podem conflitar com a legislação
internacional. "Essa legislação é parte da ‘lei da terra’ [lex terrae
ou leis vigentes em um país], sob a cláusula da supremacia, e é tratada
como uma lei federal. Mas essas proibições anulam essa categoria da
legislação e a colocam sob escrutínio especial", diz o relatório "Foreign Law Bans: Legal Uncertainties and Practical Problems".
Em
contratos, a escolha da jurisdição e das leis que governam
contenciosos, bem como as definições de arbitragens, também ficarão
prejudicadas. As partes do contrato escolhem, com frequência, leis e
jurisdições de outros países para estabelecer a forma com que disputas
serão resolvidas. "Essas proibições podem compelir os tribunais
estaduais a suprimir cláusulas dos contratos que contrariam as
legislações dos estados", afirma a entidade.
Decisões tomadas por
tribunais de outros países ou por órgãos de arbitragem internacionais
podem não ser executadas nesses estados americanos, pela mesma razão.
Das
oito leis aprovadas até agora, cinco tentaram incluir "isenções" para
corporações. Mas, segundo as próprias corporações, qualquer organização
pode perceber que, na prática, elas não funcionam, afirma o relatório do
Center for American Progress. Por isso, a comunidade empresarial se
opôs à aprovação dessas leis. Sem sucesso. O sentimento antimuçulmano
dos proponentes da legislação foi mais forte.
Além disso, "essas
isenções não levam em conta o fato de que pelo menos dois terços de
todos os empreendimentos americanos não são incorporados e empregam
metade da força de trabalho dos EUA". Todas essas empresas, incluindo as
que se baseiam na Internet, não se beneficiariam dessas isenções, se é
que elas podem funcionar, para realizar negócios internacionais, diz o
relatório.
Essas leis podem prejudicar também relacionamentos
entre corporações e indivíduos, em casos de contratos internacionais de
trabalho. "De qualquer forma, elas vão aumentar os custos e os riscos
das operações de comércio internacional. E criam um clima hostil para o
comércio internacional", afirma o relatório do Center for American
Progress.
De uma forma mais direta, esse tipo de legislação afeta
as liberdades religiosas e pode prejudicar relações familiares.
Casamentos, acordos pré-nupciais, processos de adoção, ações de divórcio
e de custódia de crianças, feitos em outros países, podem não ser
honrados nesses estados, porque são baseados em crenças religiosas ou em
legislação estrangeira, diz o Brennan Center for Justice.
A
entidade alega ainda que essas leis violam o princípio da separação dos
poderes. Elas conferem ao Legislativo o poder de ditar aos tribunais que
leis eles devem levar em conta ao examinar uma ação judicial.