O
maior fórum de cortes constitucionais do mundo, a Comissão de Veneza,
condenou, em sentido retórico, a Hungria por um confronto institucional
que lembra o que existe no Brasil. Contrariado com o entendimento do
Tribunal Constitucional do país, o Parlamento aprovou emenda à
Constituição para driblar a decisão judicial. A corte considerou,
novamente, o ato inconstitucional e de novo os parlamentares aprovaram
outra emenda.
A reunião da Comissão de Veneza começou nesta quinta-feira (13/6) na Itália e a abertura teve como novidade a estreia dos Estados Unidos.
Os norte-americanos fazem parte da Comissão desde meados de abril. O
grupo, inicialmente instalado apenas como fórum europeu, hoje reúne 59
países dos cinco continentes. Representa o Brasil, em nome do Supremo
Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia.
O conflito entre
Legislativo e Judiciário na Hungria tem ocupado a pauta da Comissão de
Veneza há mais de dois anos, quando o país começou a discutir uma nova
Constituição. Na época, o governo húngaro pediu aos juristas que
respondessem a três questões, duas delas relacionadas à atuação do
Tribunal Constitucional: quais são os limites do controle prévio de
constitucionalidade de projetos de lei? E deveria ser dado a qualquer
cidadão o poder de ajuizar uma ação de inconstitucionalidade no
tribunal? A terceira questão dizia respeito à incorporação da Convenção
Europeia de Direitos Humanos na carta húngara (clique aqui para ler mais).
O
processo democrático no país começou a desandar quando, alguns dias
depois do parecer da Comissão de Veneza e exatos 36 dias após a
apresentação do projeto, a nova Constituição foi aprovada (clique aqui para ler mais).
Entre os artigos da carta, foram mantidos aqueles que criticados pelo
grupo europeu por limitar o poder de atuação do Tribunal Constitucional e
permitir a interferência do Legislativo na corte.
Em dezembro do
ano passado, o Tribunal Constitucional anulou diversas provisões da nova
Constituição, que estavam inseridas num capítulo como regras
transitórias. Por não integrar o corpo do texto constitucional, essas
regras foram aprovadas com menos votos do que o exigido para a aprovação
da carta em si. Ao analisar o capítulo, o tribunal considerou que as
medidas lá previstas não tinham nada de provisórias. Eram regras
permanentes e, como tais, deviam ter sido votadas durante o processo
constitucional, como parte da Constituição. Entre as medidas
inicialmente aprovadas como transitórias, estava a definição de
casamento como a união entre uma homem e uma mulher.
Em março
deste ano, o Parlamento aprovou uma emenda integrando todo o capítulo
transitório à Constituição. A manobra foi criticada pela Comissão de
Veneza, que continua reconhecendo que a Hungria está falhando na missão
de proteger o Poder Judiciário da interferência política. Um dos pontos
da emenda aprovada limita o controle de constitucionalidade feito pelo
Tribunal Constitucional, ao estabelecer que a corte pode apenas analisar
o aspecto formal de emendas à Constituição, e não seu conteúdo.
Exemplo tupiniquim
Com a vertente de dar lições para a democracia, a Comissão de Veneza tem
privilegiado a discussão de regras para as eleições. Nesta quinta-feira
(13/6), a ministra Cármen Lúcia, que também preside o Tribunal Superior
Eleitoral, fez uma exposição do processo eleitoral brasileiro — com
direito à exibição do funcionamento da urna eletrônica, com a simulação
do voto. Como costuma acontecer, o interesse foi amplo e a palestra,
muito aplaudida. A delegação sueca fez diversas fotos do equipamento,
uma senadora integrante da delegação francesa se disse maravilhada e a
ministra foi convidada pelos mexicanos para uma nova palestra.
Carmen
falou de improviso e em francês, mas o grande desafio mesmo foi chegar
até Veneza. Por causa da greve dos controladores de voo na França, que
impede o sobrevoo no espaço aéreo francês, a ministra teve que passar
pela África e Portugal, para só então desembarcar na Itália. Nesta
sexta-feira (14/6), ela continua a participar das discussões do grupo.
Na
pauta do dia, está o imbróglio vivido pela Ucrânia, que também tem
ocupado as discussões da Comissão já há mais de dois anos. A Ucrânia
tenta desde 2011 redesenhar seu sistema judicial e legislativo para
atender ao padrão exigido pelo Conselho da Europa. Em janeiro deste ano,
a Corte Europeia de Direitos Humanos reconheceu que o Judiciário
ucraniano sofre pressões e interferência direta do Parlamento e precisa,
urgentemente, de uma reforma (clique aqui para ler mais).
Os constitucionalistas da Comissão de Veneza já examinaram o código
eleitoral do país e consideraram que as regras não garantem
transparência nem preservam a independência dos partidos.
A
Comissão de Veneza não se propõe a atuar como tribunal. Seu papel é
apenas consultivo, mas dada a sua representatividade, sua manifestação
expressa a percepção internacional sobre legislações e atos em termos de
legitimidade. O México, este ano, apresentou uma série de consultas
sobre questões em discussão no país. No final de setembro, o grupo volta
a se reunir para a terceira conferência mundial, dessa vez, em Seul. A
primeira, em 2009, foi na Cidade do Cabo e a segunda, em 2011, no Rio de
Janeiro.