O Parcelamento Especial
(Refis IV), instituído pela Lei nº 11.941, de 2009, representou
verdadeiro alívio para os contribuintes que viram nesse programa uma
oportunidade de regularizar seus débitos e, com isso, ganhar fôlego para
continuar as suas atividades. A crise econômica de 2008, que varria o
mundo, havia colocado os contribuintes brasileiros, se não em estado de
bancarrota, mas em difícil situação em relação às suas obrigações
tributárias. Nesse cenário, o aludido parcelamento ganhou a alcunha de
"Refis da Crise".
Ocorre que o referido parcelamento deixou gravíssimas sequelas que
têm sido objeto de discussão no Judiciário por aqueles que se sentiram
prejudicados e devem ser observadas pelos contribuintes em futuros
parcelamentos.
Dentre elas, destacamos a manutenção do bloqueio de ativos
financeiros nas execuções fiscais já ajuizadas por ocasião da adesão ao
parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/2009.
Isso porque o artigo 11 da citada lei dispôs que os
parcelamentos requeridos em seus termos "não dependem de apresentação de
garantia ou de arrolamento de bens, exceto quando já houver penhora em
execução fiscal ajuizada". Esse dispositivo ganhou interpretação
diferente pelos contribuintes e pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN).
Espera-se que o STJ reveja o seu posicionamento para permitir o desbloqueio de ativos financeiros
Os contribuintes, certos de que o parcelamento suspenderia a
exigibilidade do crédito tributário e, portanto, os atos de cobrança em
executivos fiscais, nos termos do artigo 151, inciso VI do Código
Tributário Nacional (CTN), entenderam que os bloqueios de ativos
financeiros por meio do sistema Bacen-Jud (penhora on-line) seriam
imediatamente desfeitos, até mesmo para permitir o pagamento das
obrigações assumidas no parcelamento. Nada mais justo.
Todavia, ao requerer a ordem de bloqueio em juízo, os contribuintes
passaram a ouvir da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que o artigo
11 da lei acima transcrito seria aplicável não apenas aos depósitos e
bens penhorados, mas também sobre os valores bloqueados em conta
bancária na execução fiscal.
O contribuinte que, até então, via no parcelamento uma bomba de
oxigênio para a sobrevivência do seu empreendimento viu-se, agora,
duplamente onerado: ao mesmo tempo em que assume as obrigações de um
parcelamento, se vê impedido de usar seus ativos financeiros para o
pagamento desse parcelamento.
A questão foi submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) que, infelizmente, firmou entendimento de que "o artigo 11, I, da
Lei nº 11.941/2009 não prevê que a manutenção da garantia encontra-se
vinculada a espécie de bem que representa a garantia prestada em
execução fiscal. Dito de outro modo, seja qual for a modalidade de
garantia, ela deverá ficar atrelada à execução fiscal, dependendo do
resultado a ser obtido no parcelamento: em caso de quitação integral,
haverá a posterior liberação; na hipótese de rescisão por inadimplência,
a demanda retoma o seu curso, aproveitando-se a garantia prestada para
fins de satisfação da pretensão da parte credora" (REsp 1.229.025/PR).
Tal entendimento, contudo, viola o princípio da menor onerosidade do
devedor, previsto no artigo 620 do Código de Processo Civil, que prevê
que "quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz
mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor".
No mesmo sentido, contraria o próprio intuito do parcelamento que é,
justamente, permitir ao contribuinte meios de regularização fiscal
perante a Fazenda Pública.
Acaba, ainda, por amesquinhar a interpretação do artigo 151, inciso
VI, do CTN que dispõe sobre a suspensão da exigibilidade dos créditos
tributários parcelados, ou seja, impede a continuidade de atos de
execução forçada do débito.
Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, ao
analisar o artigo 11 da lei instituidora do Refis IV entendeu que "de
modo diverso da penhora sobre bens corpóreos tais como imóveis e
veículos, em que o devedor fica como depositário e continua em sua
posse, os valores bloqueados tornam-se de imediato indisponíveis,
privando-se o titular, na prática, de todos os direitos atinentes ao
domínio" e, com isso, determinou o desbloqueio dos valores constritos em
nome do contribuinte.
Seguindo a mesma orientação, TRF da 1ª Região vem entendendo que "a
manutenção do bloqueio de ativos financeiros do devedor, quando
concedido parcelamento do débito em cobrança, coloca em risco, pela
dupla oneração do contribuinte, a própria viabilidade do parcelamento e
satisfação do crédito, interesse primeiro da exequente" (AG
0074681-53.2012.4.01.0000).
Embora o STJ tenha entendimento contrário ao pleito dos
contribuintes, a questão não foi decidida em sede de recurso repetitivo
(artigo 543-C do Código de Processo Civil), o que implicaria a
obrigatoriedade da aplicação desse entendimento pelos demais órgãos do
Poder Judiciário.
Espera-se, com isso, que o STJ reveja o seu posicionamento para
permitir o desbloqueio de ativos financeiros necessários à sobrevivência
do empreendimento e da própria satisfação do débito tributário, desde o
início, o objetivo principal da instituição do parcelamento.
De toda forma, fica o alerta para os contribuintes que pretendem
aderir aos próximos parcelamentos para que observem, atentamente e à luz
do entendimento judicial acima apresentado, os requisitos de adesão e
os reais benefícios e condições que lhe serão oferecidos.
Alexandra Carolina Vieira Miranda e Marcel Hugo de Oliveira
Campos são, respectivamente, especialista em direito tributário pela FGV
e pelo Ceajufe e advogada do escritório Henriques, Veríssimo &
Moreira Advogados e diretor e membro fundador do Instituto Mineiro de
Direito Tributário - IMDT e advogado do escritório Henriques, Veríssimo
& Moreira Advogados
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