Na prática,
estava ocorrendo, e ainda ocorre, a seguinte situação: determinado
advogado redige a petição, e, ao seu final, apõe o seu nome mediante
mera digitação ou assinatura manuscrita e posterior digitalização do
documento físico. Posteriormente, outro advogado, colega de escritório
do primeiro, por exemplo, acessa o sistema do STJ e, mediante a
utilização de certificado digital emitido em seu nome (do segundo
advogado) assina digitalmente e transmite a petição eletrônica. Como
resultado, a petição aporta ao Superior Tribunal de Justiça com a
indicação do nome de um advogado no arquivo eletrônico da petição e com a
aposição de assinatura digital de outro advogado. A questão central não
passa pela inexistência de poderes de um dos advogados, pois, nos
precedentes de que se cuida, a representação processual da parte é
regular, constando ambos advogados na procuração ou substabelecimento.
No desdobramento
da questão perante o STJ, ainda no final de maio de 2012, a 3ª turma,
após voto-vista do ministro Paulo de Tarso Sanseverino nos autos do REsp 1.208.207, admitiu peça recursal que fora assinada fisicamente por um advogado e digitalmente por outro3.
Posteriormente, a Quarta Turma seguiu este entendimento em análise de
questão de ordem apresentada pelo ministro Luis Felipe Salomão, não
vinculada a processo específico, assentando que no âmbito daquele órgão
fracionário seria aceita petição assinada digitalmente por um advogado e
fisicamente por outro, desde que ambos tivessem procuração nos autos4.
Quando se
esperava que as 3ª e 4ª turmas tivessem corrigido o rumo do STJ no que
diz respeito à valoração das petições eletrônicas assinadas fisicamente
por um advogado e digitalmente por outro, verificou-se,
surpreendentemente, a retomada de decisões que fulminaram recursos assim
manejados. Com efeito, em 20/11/12, a 5ª turma5, em 6/12/12, no âmbito da 3ª turma6, em 18/12/12, na 6ª turma7, e em 16/5/13, novamente em julgamento da 3ª turma8 foram rejeitados pleitos recursais de partes que interpuseram recurso com "diversidade de assinaturas".
Registre-se, por oportuno, que há precedente isolado de 17/2/13, de relatoria do ministro Herman Benjamin9, que acertadamente decidiu que
"a identificação de quem peticiona nos autos é a proveniente do
certificado digital, independentemente da assinatura física que aparece
na visualização do arquivo eletrônico".
Os julgados que
consideraram inexistentes os recursos aviados com indicação do nome de
um advogado na peça, mas transmitido e assinado digitalmente por outro
advogado, incidem em equívoco de interpretação da lei 11.419/06 (lei do processo eletrônico). Os dispositivos essenciais nesta questão são os seguintes:
"Art. 1º O
uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação
de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos
desta Lei.
(...)
§ 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:
III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
a) assinatura
digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade
Certificadora credenciada, na forma da lei específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
Art. 2º O
envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral
por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura
eletrônica na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o
credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos
órgãos respectivos."
Como se vê da
leitura destes dispositivos, a utilização do meio eletrônico para a
transmissão de peças processuais é permitida (art. 1º, caput),
desde que seja utilizada assinatura eletrônica (art. 2º, caput) conforme
estabelecido no art. 1º. Para o art. 1º, § 2º, III, assinatura
eletrônica é a assinatura digital baseada em certificado digital emitido
por Autoridade Certificadora credenciada (alínea a) ou o cadastro do
usuário no Poder Judiciário (alínea b), que é implementado, na prática,
pela atribuição de senhas ao advogado mediante o seu comparecimento
presencial10.
O STJ, valendo-se do disposto no art. 18 da lei do processo eletrônico11,
regulamentou o peticionamento eletrônico optando pela espécie de
assinatura eletrônica prevista no art. 1º, § 2º, III, "a" da referida
lei12. Ou seja, para a transmissão de atos processuais pelo
meio eletrônico, no âmbito daquele tribunal, só é permitida a utilização
de assinatura digital baseada em certificado digital emitido por
Autoridade Certificadora credenciada na ICP-Brasil13.
Assim, para que
reste preenchido o requisito relativo à comprovação de autoria da
petição eletrônica, no âmbito do STJ, basta a utilização da assinatura
digital nos moldes da ICP-Brasil. E é justamente nesse ponto onde se
encontra o equívoco dos precedentes que rejeitaram petições eletrônicas
por conterem a indicação do nome de um advogado e a assinatura digital
de outro.
É que a indicação
do nome de advogado no final da peça, seja pela mera digitação, seja
pela digitalização de assinatura (imagem da assinatura física "colada"
ao documento eletrônico), não é assinatura eletrônica consoante dispõe a
lei do processo eletrônico, por não se enquadrar nem na alínea "a", nem
na alínea "b" de seu art. 1º, § 2º, III. Portanto, o que ocorre nas
hipóteses julgadas pelo STJ é a presença de duas assinaturas nas
petições eletrônicas: uma assinatura inexistente, por não atender aos
requisitos da lei do processo eletrônico; e uma assinatura eletrônica
plenamente de acordo com os requisitos legais, por atender ao disposto
no art. 1º, § 2º, III, da lei do processo eletrônico.
Caso se cogitasse
traçar paralelo com o mundo do papel, poderia se pensar nas petições
que no seu fecho contém a indicação do nome de dois ou mais advogados,
mas apenas um deles assina a peça processual. E, como se sabe, a
presença de apenas uma assinatura é suficiente para que o Poder
Judiciário considere a petição como existente.
Há que se
rejeitar, da mesma forma, o fundamento utilizado em alguns dos
precedentes do STJ, no sentido de que a prática das assinaturas
diferentes violaria o elemento do suporte fático "identificação
inequívoca do signatário", presente no art. 1º, § 2º, III da lei do
processo eletrônico, pois esta expressão contida na regra diz respeito à
conceituação de assinatura eletrônica para os efeitos que dispõe.
Trata-se, na verdade, de qualificativo das modalidades de assinatura
eletrônica contidas nas alíneas "a" e "b" do inciso III. Assim, o que se
tem é que o elemento do suporte fático "identificação inequívoca do
signatário" adjetiva tanto a assinatura digital baseada em certificado
digital quanto o cadastro do usuário, tendo-os como identificação
inequívoca. Em outras palavras, qualquer uma delas, para os efeitos da
lei, é considerada identificação do usuário.
Conclui-se,
portanto, que o STJ deverá atentar para este equívoco que vem sendo
sistematicamente cometido, corrigindo-o, sob pena de persistir a
referida violação da lei do processo eletrônico, praticada justamente
pelo tribunal que tem como uma de suas atribuições constitucionais
julgar recursos que contrariem ou neguem vigência à lei Federal. Seria
de todo recomendável que o STJ editasse ato normativo interno para a
finalidade de esclarecer aos seus julgadores que basta a utilização de
assinatura digital para transmitir a petição pelo meio eletrônico, não
importando se ao final do texto da peça processual for digitado o nome
ou aposta a assinatura digitalizada (imagem da assinatura) de advogado
diverso daquele identificado no certificado digital.
_____________
1 A eficácia da assinatura digital perante o Tribunal Cidadão: apontamentos necessários
2 Mencionados
foram os seguintes julgados: EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.386081/SP,
Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.12.4.2012, DJe 25.4.2012;
AgRg no REsp 1.164423/MG, Terceira Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j.
26.4.2011, DJe 11.5.2011; AgRg no REsp 1.107598/PR, Segunda Turma, Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, j. 14.9.2010, DJe 06.10.2010.
3 REsp 1.208207/RN, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 27.03.2012, DJe 17.12.2012
4 http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106108
5 AgRg no AREsp 241.829/BA, Rel. Min. Marilza Maynard, j. 20.11.2012, DJe 26.11.2012.
6 AgRg no AREsp 21.761/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27.11.2012, DJe 06.12.2012.
7 EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 599499/SP, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, j. 18.12.2012, DJe 08.02.2013.
8 AgRg no AREsp 103.222/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.5.2013, DJe 23.05.2013.
9 EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.372.793/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 07.2.2013, DJe 08.03.2013.
10 Ver, por
exemplo, o regramento do processo eletrônico no âmbito do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, art. 9º da Resolução nº 17, de 26 de
março de 2010.
11 Que determina:
"Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que
couber, no âmbito de suas respectivas competências."
12 Assim dispõe a
Resolução nº 01, de 01.02.2010, do Presidente do Superior Tribunal de
Justiça: "Art. 18. As petições encaminhadas por meio digital ao Superior
Tribunal de Justiça serão validadas na Secretaria Judiciária. § 1º O
acesso ao serviço de recebimento de petições depende da utilização pelo
credenciado da sua identidade digital, a ser adquirida perante a ICP –
Brasil".
13 Para uma
introdução aos conceitos de assinatura digital e certificado digital,
bem como ao substrato técnico-organizacional que embasa a ICP-Brasil,
ver, Menke, Fabiano, Assinatura Eletrônica no Direito Brasileiro,
Revista dos Tribunais: São Paulo, 2005 e em perspectiva comparada com o
direito alemão, ver, Menke, Fabiano, Die elektronische Signatur im
deutschen und brasilianischen Recht: Eine rechtsvergleichende Studie,
Nomos: Baden-Baden, 2009.