Cumprindo sua destinação histórica e honrando sua tradição constitucional, o Brasil adota o regime legal de Direito do autor (Droit d’ Auteur),
consagrado na Constituição da República, em seu artigo 5º, incisos
XXVII e XXVIII, que cuida dos direitos e garantias individuais. Assim,
extirpa qualquer analogia com o sistema de “copyright” (direito
de cópia) adotado por países anglo-saxões e os Estados Unidos da
América do Norte que decidiram pela adoção de um regime jurídico de
natureza utilitária.
Pelos ditames constitucionais, compete ao
autor a decisão absoluta pela utilização de suas criações, segundo
critérios personalíssimos, subjetivo — materiais, que pautam-se por
decisões de conveniência, oportunidade, vinculação de sua imagem, por
todo um conjunto de motivos de caráter individual, que facultam ao
criador fazer uso de suas obras como melhor lhe convier.
Estão explicitadas na Carta Constitucional tais direitos personalíssimos, em caráter de exclusividade, assim retratados:
“XXVII
– aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou
reprodução de suas obras, transmissíveis aos herdeiros pelo tempo que a
lei fixar;
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
A proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades
desportivas;
O direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que
criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às
respectivas representações sindicais e associativas;”
O
conceito de autor e, por consequência, titular dos direitos autorais,
congrega em seu acervo individual as duas esferas viscerais de seus
direitos sobre as criações — morais e patrimoniais. Como deflui do
texto, o criador é o epicentro do direito e, como reflexo, a ele cabe,
com exclusividade, a gestão moral e patrimonial de seu acervo autoral.
A
lei 9.610 de 1998, cuidou de exarar que o autor é a pessoa física
criadora da obra literária, artística ou científica, retratando o
antropocentrismo da Carta Constitucional em seus artigos 11, 22, 24, 27,
28, 29 e 30, sempre pautando as normas jurídicas pelo personalismo na
decisão de uso da criação intelectual.
Criador e criatura, segundo
o ordenamento jurídico nacional, estão umbilicalmente vinculados e a
soberania da vontade do titular está inderrogavelmente expressada como
extensão de sua pessoa, cuidando de um analógico direito de
personalidade.
E tais direitos personalíssimos, tanto os morais
(mandatório mandamento que determina que o autor seja sempre declarado
quando da utilização da criação), quanto os patrimoniais (o direito de
decisão para usar, fruir e gozar do bem imaterial) concretiza-se no
plano material para absolutamente todas as modalidades de utilização —
plásticas, fônicas, audiovisuais, o que determina que remunere-se o
titular (seus herdeiros e sucessores a qualquer título), ao invés de
remunerar-se a obra “per si”, mas sim em decorrência da autoria.
Trata-se
do sistema dualístico não utilitário, posto que circunscrevem-se ambos
os universos (moral e patrimonial) à pessoa do criador.
Em minhas
manifestações, ao longo de minha vida profissional, reafirmei que talvez
melhor nominação pudesse ser atribuída a tal direito subjetivo
material. Deveríamos denominá-lo direito do autor e não direito autoral,
pois que os titulares congregam em seus acervos pessoais todo o
direito, em suas duas ordens jurídicas.
O regime jurídico nacional
extirpa quaisquer possibilidades de abstrair a figura do criador pela
natureza do direito concentrativo. No momento em que a lei brasileira
centraliza na pessoa do criador as duas esferas do direito, distancia
qualquer analogia ao sistema de copyright.
Demais disto, sendo os direitos morais irrenunciáveis e inalienáveis, não há nenhuma possibilidade de trazer o sistema de copyright para a ordem jurídica do Brasil. E disto tratamos neste texto.
Tal
diferença essencial faz com que figuras teratológicas originadas nos
países que adotam o copyright, tais como, criações sucessivas sem
titulação, flexibilizações de direitos para abstrair a pessoa do titular
e outras tais como figuras derivadas, coloquialmente denominadas copyleft, creative commons e outras não tenham qualquer possibilidade jurídica de coadunarem-se com o regime adotado em nosso país.
Os países que adotaram o sistema de copyright
jamais, em tempo algum, abrigaram em seus ordenamentos jurídicos os
direitos morais dos autores. Claro que não o fizeram, exatamente porque o
sistema utilitário abstrai a pessoa do criador e, em seu viés
materializante, protege a criatura (a obra), ou melhor dizendo, o
direito de reproduzir a obra (direito de cópia).
Por outro lado,
os países que adotaram o “droit d’ auteur”, como o Brasil, sempre
vincularam o autor à obra, personalizando-a e ligando-a ao titular. O
direito positivo explicitado nas normas constitucionais e
infraconstitucionais, expressa em sua hexegese a teoria dualista
francesa que reconhece elementos de dois universos distintos (moral e
patrimonial) no acerco de direitos pessoais do criador da obra
intelectual.
O artigo 6º da convenção de Berna (1886), ratificado e
adotado no regime nacional como norma positiva, as duas faces do
direito — moral e patrimonial — assim exarando: “Independentemente dos
direitos patrimoniais de autor, e mesmo depois da cessão dos citados
direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da
obra e de se opor a toda deformação, mutilação ou outra modificação
dessa obra, ou a qualquer dano à mesma, prejudiciais à sua honra ou à
sua reputação.”
Ora, se o sistema de copyright jamais
asseverou a protetividade dos direitos morais, buscando um utilitarismo
material que abstrai a pessoa do criador, já, de pronto, conclui-se que
são ordenamentos jurídicos fundamentalmente diversos.
Fato é que
por mais de um século, os Estados Unidos recusara-se a assinar a
Convenção de Berna, só vindo a fazê-lo em 1º de mais de 1989, exatamente
porque o direito norte americano não a recepcionava em sua plenitude.
Em suma, direito de autor e copyright não são o mesmo direito. Veremos por que.
Direitos Conexos
Como a denominação expressa, os direitos chamados conexos guardam
conectividade com os direitos autorais. Melhor designá-los “direitos
conexos autorais”, pois vinculados estão à existência prévia dos
direitos inerentes à criação da obra artística, literária ou cientifica.
Sempre existiram e, muitas vezes, foram reconhecidos de maneira
esparsa, não organizada e tratados informalmente.
Decorrem de
atividades que expressam as obras artísticas com peculiaridade,
singeleza e singularidade. São direitos dos intérpretes, dos músicos,
dos roteiristas, dos atores, dos produtores, inclusive os produtores
fonográficos e outros, que materializam as obras com suas adições.
Expressam-se em relação a criação pré-existente e a ela impõem sua
criação derivada.
Em 26 de outubro de 1961, em Roma, na Itália, os
estados que ali compareceram, na condição de membros da Organização das
Nações Unidas, aderiram à “Convenção Internacional para a proteção dos
artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos
organismos de radiodifusão”. A denominada Convenção de Roma cuida
exatamente da protetividade dos direitos conexos dos titulares já
mencionados e conceitua as fisionomias jurídicas, explicitando
definições precisas sobre os direitos que tocam aos intérpretes (atores,
cantores, músicos, dançarinos, entre outros). Delimita a natureza
jurídica dos fonogramas, trata do produtor fonográfico (a pessoa física
ou jurídica que, pela primeira vez fixou os sons de uma execução), e
define o que seja publicação, reprodução, emissão de radiodifusão e
retransmição.
A ratificação da Convenção de Roma pelo Brasil
ocorreu pelo Decreto Legislativo nº 26, em 05 de agosto de 1964 e
promulgada pelo Decreto 57.125, de 19 de outubro de 1965.
Estes
direitos conexos, como derivados e decorrentes das materializações das
obras intelectuais, são tratados pelo ordenamento jurídico brasileiro em
configuração analógica àqueles dos quais deriva. São exclusivos , o que
determina que os titulares têm a prerrogativa de decidir o que fazer
com suas criações derivadas.
Nossos direitos conexos têm também
origem nos direitos vizinhos do Direito Francês (“droits voisins”). Tal
direito exclusivo leva ao conceito de licença prévia (como ocorre com os
direitos autorais) e, por tal configuração, permitem igualmente que os
titulares considerem suas conveniências subjetivas para concederem ou
não autorizações para uso de suas interpretações ou criações derivadas.
Os
EUA, ao contrário do Brasil, jamais aderiram plenamente à Convenção de
Roma. Por que não o fizeram? Exatamente porque, no regime de copyright
os direitos não tem como ser reconhecidos plenamente, ou pelo menos com
a amplitude que se verifica nos países que aderiram à Convenção de
Roma.
Copyright
No sistema do copyright busca-se a protetividade da criação
intelectual. Em resumidas palavras, protege-se a obra, a criação
intelectual, não o seu criador.Isto tem consequências importantes.
Por exemplo, no sistema de copyright o autor detém os direitos sobre sua obra tão logo a cria. Com o sistema de copyright e
registrário (obrigacional e não facultativo), seus direitos estarão
protegidos contra terceiros (“erga omnes”) tão logo proceda ao ato
registrário.
Entretanto diferentemente do sistema de direitos do autor, se o autor ceder seu copyright, perde imediatamente seu vínculo com a obra.
E
mais. No sistema registrário, mandatório, a cessão dos direitos leva a
questões que alteram figuras jurídicas como a prescrição (ou
decadência), pois que não se obedecem preceitos relativos à sucessão,
mas sim tudo quanto decorre do ato registrário. Assim, impõe-se que
quaisquer atos de cessão sejam registrados no Copyright Bureau de Washington, porquanto a fluidez do prazo protetivo do copyright tem início com o registro das cessões, inclusive.
Enquanto
o direito de autor (droit d’ auteur) origina-se em atos revolucionários
(Revolução Francesa 1789), que têm lastro na irresignação do povo
francês, que reverberou e protagonizou na rebeldia pessoal dos cidadãos
(citoyen) em busca da realização pessoal (Legalité, Egalité et
Fraternité), o copyright surgiu com o estatuto da Rainha Ana,
na Inglaterra, com a edição do Rights of Copy (o direito de cópia), que
objetivava, pelo menos no início, a proteção aos editores de obras
literárias.
Nascem diferentes e assim até hoje remanescem.
Assim
explicita a diferença o Professor Carlos Fernando Mathias de Souza, em
douto parecer que lhe solicitou a Associação Brasileira de Música e
Artes (Abramus), para lastrear sua demanda em face da dantesca decisão
proferida pelo CADE, publicada em 26 de Abril de 2013.
“Sobre a
questão, em si, desde logo, registre-se que se pode falar, no âmbito da
proteção em destaque, em dois sistemas básicos: 1) o de “droit d’
auteur” (direito do autor), de inspiração francesa, e 2) o de copyright, que é o do sistema jurídico anglo-americano.
Anote-se,
de início, que no sistema de droit d’ auteur (no que o ordenamento
jurídico brasileiro, mesmo com as suas particularidades, está tão
próximo) o escopo fundamental é a proteção ao criador da obra
intelectual, ao contrário do sistema de copyright, que se centra na proteção à obra, com ênfase nos aspectos econômicos ou da sua exploração, por meio do direito de reprodução.
Não
parece ocioso aqui registrar-se uma brevíssima notícia histórica sobre
esses dois sistemas básicos de proteção à criação intelectual.
Enquanto
o direito de autor (ou autoral) funda-se como uma conquista de direito,
advinda com a revolução francesa, no que ela aboliu os privilégios por
incompatíveis com a liberdade e a igualdade (veja-se o Decreto da França
revolucionária, de 19-24 de julho de 1793 que é um marco para o droit
d’ auteur), na Inglaterra, em 1710, conheceu-se o Estatuto da rainha Ana
sobre RIGHTS OF COPY (é dizer-se, sobre os direitos de cópia), de
início em proteção tão só aos editores.”
Pois bem, enquanto o
ordenamento brasileiro segue o regimento das Convenções de Berna, de
Genebra e de Roma, buscando sempre salvaguardar os direitos dos autores
(droit d’ auteur) e os direitos conexos (droits voisins), o sistema
legal de copyright (direito de cópia) não tem os titulares como epicentro da universalidade de direitos.
Em
síntese, o sistema de Copyright não tem nenhuma relação com o sistema
antropocêntrico, personalíssimo de que cuida o direito do autor. Não se
destina à protetividade do criador, mas, ao contrário, cuida da proteção
para a reprodução da obra, pertença ela a quem for, buscando assim dar
efetividade ao principio remuneratório do direito da cópia (royalties).
Por isso que a designação genérica “copyright” refere-se, pelo menos nos países que o adotam a abrigar ramos absolutamente distintos do direito. Copyright
cuida tanto da propriedade intelectual quanto da propriedade industrial
(que cuida das marcas, patentes, modelos de utilidade, entre outros).
Todo sistema é registrário, mandatório e permite, por ilação lógica, o
deslocamento do direito, sendo que compete ao estado outorgar a palavra
final quanto ao uso da obra (pertença ela a quem for), impondo-se sobra a
vontade do titular, que não detém o ato império de dispor, fruir e
gozar de sua criação como melhor lhe aprouver.
Nosso sistema tem
foco na pessoa humana, no titular de direito de autor (droit d’ auteur) e
no titular dos direitos conexos (droits voisins). Não é registrário,
permitindo ao criador fazê-lo se tiver interesse (“facultas agendi”).
Nosso
país segue os ditames das Convenções Internacionais que cuida da
matéria e obedece as regras de não redutibilidade (“regra dos três
passos”) das faculdades autorais, em sua plenitude, em prol da
permanente criação intelectual e não dando margem a figuras
teratológicas que só podem prosperar quando se desprezar o direito
humano, os direitos dos criadores, únicos responsáveis pela evolução da
cultura mundial.
Roberto
Corrêa de Mello é advogado, Graduado pela Faculdade de Direito da USP,
turma 1977; foi Conselheiro do Conselho Nacional de Direito Autoral
(CNDA); integra o Comitê Técnico de Literatura, Dramaturgia e
Audiovisual (CTDLV), e o Comitê Técnico de Artes Gráficas e Plásticas
(CIAGP), ambos da CISAC. É presidente da ABRAMUS (Associação Brasileira
de Música e Artes); é diretor da ABDA (Associação Brasileira de Direitos
Autorais); é Sócio da Mello Advogados Associados S. C., constituída em
1952.