O
Supremo Tribunal Federal deu provimento a dois recursos extraordinários
para reconhecer a imunidade de jurisdição e de execução da Organização
das Nações Unidas (ONU) e do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) com relação a demandas decorrentes de relações de
trabalho. A maioria dos ministros seguiu o voto da relatora, ministra
aposentada Ellen Gracie, que votou em 2009, quando do início do
julgamento, interrompido por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.
Nos
dois casos julgados conjuntamente, a ONU e a União questionavam
decisões do Tribunal Superior do Trabalho em ações envolvendo
trabalhadores brasileiros que, após o término da prestação de serviços
ao PNUD, pediam todos os direitos trabalhistas garantidos na legislação
brasileira, da anotação da carteira de trabalho ao pagamento de verbas
rescisórias.
As ações transitaram em julgado e, na fase de
execução, o TST negou provimento a recursos ordinários em ações
rescisórias julgadas improcedentes, com o fundamento de que a Justiça do
Trabalho seria competente para processar e julgar as demandas evolvendo
organismos internacionais decorrentes de qualquer relação de trabalho.
A
maioria dos ministros foi contra as decisões do TST que obrigaram o
PNUD ao pagamento de direitos trabalhistas em função do encerramento dos
contratos. O entendimento majoritário foi o de que as decisões violaram
o artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal, segundo o qual os
direitos e garantias constitucionais não excluem os tratados
internacionais assinados pelo país, e o artigo 114, que define a
competência da Justiça do Trabalho.
Um dos aspectos destacados
pelos ministros foi o de que o vínculo jurídico entre esses empregados e
o PNUD é diferente do das relações trabalhistas no Brasil. “A
remuneração é acima da média nacional e os contratados não pagam
contribuição previdenciária nem descontam Imposto de Renda, por
exemplo”, observou o ministro Joaquim Barbosa.
Para o ministro
Ricardo Lewandowski, quem contrata com a ONU sabe, “de antemão”, que vai
ter de submeter um eventual dissídio a um organismo internacional, e
não à legislação brasileira. “Quando se celebra o contrato, o
trabalhador sai da esfera da jurisdição nacional e se coloca na
jurisdição própria estabelecida nos tratados”, assinalou. A solução de
conflitos, segundo o ministro Luiz Fux, está prevista nos próprios
tratados, e passa por sistemas extrajudiciais, como a arbitragem.
Divergência
Ao apresentar seu voto-vista, a ministra Cármen Lúcia abriu
divergência. Embora reconhecendo a imunidade da ONU, baseada em tratados
internacionais como a Convenção sobre Privilégios e Imunidades e a
Carta das Nações Unidas, ambos assinados pelo Brasil, a ministra se
mostrou preocupada com a criação de um “limbo jurídico” que não
garantiria ao cidadão brasileiro contratado por esses organismos
direitos sociais fundamentais — entre eles o de acesso à jurisdição.
Seu
voto foi no sentido de responsabilizar a União pelos direitos
trabalhistas decorrentes do acordo de cooperação técnica com o PNUD, que
previa expressamente que o Estado custearia, entre outros, serviços
locais de pessoal técnico e administrativo, de secretaria e intérpretes.
Isso, conforme assinalou, permitiria conciliar a imunidade da
jurisdição da ONU e o direito do cidadão brasileiro de receber direitos
trabalhistas já reconhecidos em todas as instâncias da Justiça do
Trabalho em ações transitadas em julgado. Sua divergência foi seguida
pelo ministro Marco Aurélio. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
RE 578.543 e RE 597.368