Se
no Supremo Tribunal Federal as audiências públicas servem para ouvir
opiniões diversas sobre temas de interesse social, no Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), têm o papel de despertar o
interesse social em temas de grande repercussão. Foi a conclusão tirada
por quem acompanhou a primeira audiência pública feita pelo Cade,
organizada na última quinta-feira (9/5) para discutir regras comerciais
internacionais do mercado de garrafas Pet.
O caso concreto envolve
regras de exportação e importação do material que origina a garrafa Pet
como é vendida no supermercado, o pré-Pet, pelo Uruguai e pelo
Paraguai, membros do Mercosul. Os países concedem isenção fiscal para
importadores de pré-Pet vendido pela China e para as exportadoras que
vendem o material, já transformado em garrafa, para o Brasil.
A
Associação Brasileira da Indústria de PET (Abipet) acusa os países de
considerar um procedimento industrial simples como transformação das
propriedades do material apenas para aplicar uma regra de origem:
produtos em que a indústria local promove transformações recebem isenção
tributária. O que a entidade brasileira reclama é que o único processo
pelo qual o pré-Pet passa no Uruguai e no Paraguai é uma injeção de ar
que o deixa com o formato de garrafa. Não é, segundo a Abipet, um
processo de transformação industrial.
Diante do problema, a Abipet, representada pelo advogado Eduardo Molan Gaban,
do escritório Machado Associados, foi ao Cade. Reclamou que a política
dos dois países consiste na concessão de vantagem desleal, aplicando uma
regra de origem de maneira distorcida. A entidade afirma que a prática
“dizimou” a indústria do ramo na Região Sul e os efeitos continuam sendo
sentidos Sudeste acima.
Advocacia da concorrência
A complexidade do tema, a profundidade das questões envolvidas e o
potencial social da discussão levaram o relator do caso, conselheiro
Alessandro Serafin Octaviani Luis, a convocar a audiência pública. A
intenção era ouvir todos os lados envolvidos na questão, bem como os
interessados, para que demonstrem os aspectos técnicos e sociais
relevantes do problema, para que o Cade se posicione.
O resultado
da discussão foi avaliado por todos como positiva. Eduardo Molan Gaban
acredita que todos saíram de lá convencidos de que o problema
concorrencial existe. “Houve pessoas que foram lá sem estar preparadas,
como o Instituto Proteste, mas, de forma geral, quem falou estava
preparado e contribuiu bastante para o caso. Foi unânime que o problema
concorrencial existe, e ficou claro que algo deve ser feito”, comentou.
Ele
explica que, nesse caso, como se trata de um problema comercial que
envolve políticas de outros países, o Cade não tem poder de
interferência. Age no seu papel de “advogado da concorrência”. Ou seja,
ouve os diferentes posicionamentos a respeito de determinadas questões
para se posicionar no mérito.
No caso das garrafas, ainda não
houve pronunciamento oficial, mas justamente por conta desse papel
militante é que o Cade precisa expandir a discussão, segundo o
presidente do Cade, Vinícius Marques de Carvalho. “Em
casos como esse, é importante que o Cade dê publicidade aos seus
posicionamentos e que escute as demandas de todos os envolvidos. É o
contrário do que acontece no Supremo: o objetivo de uma audiência
pública no Cade é tornar essas discussões públicas”, resume.
Celeridade processual
Outra utilidade que a audiência da semana passada teve no Cade foi de
“queimar etapas” no processo administrativo. Vinícius de Carvalho afirma
que, como as partes envolvidas na discussão podem ouvir os argumentos
umas das outras durante a audiência, “o processo com certeza ganha mais
celeridade”.
Ademir Pereira, do escritório
Advocacia José del Chiaro, concorda com a análise do conselheiro. “Como
órgão institucional, o Cade pode e deve se posicionar. E por isso é
importante que, além de participar, promova certos debates”,
acrescenta. O advogado vê com bons olhos o uso de audiências públicas,
justamente por dar mais transparência às questões concorrenciais, ainda
pouco acompanhadas no Brasil.
No caso brasileiro, ele conta, só é
divulgado o teor do acordo depois de assinado. “Um modelo interessante é
o da Europa, em que a empresa e o órgão antitruste elaboram uma minuta
de acordo e o submetem a consulta pública, para que todos os
interessados opinem. É um modelo de transparência interessante que
poderia ser aplicado aqui.”