Medida
originalmente excepcional, o uso recorrente de arbitramento de lucro
para apurar tributos pelo Fisco é alvo de controvérsias no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais. Em vários casos, o Carf tem
analisado a necessidade do arbitramento e determinado o reexame dos
documentos apresentados pelas empresas. Esse entendimento foi usado, em
novembro de 2012, na análise de recurso
de uma exportadora de café do Espírito Santo contra a Fazenda Nacional.
Segundo o relator, o advogado Maurício Pereira Faro, o arbitramento de
lucro deve ser usado somente quando for demonstrada a impossibilidade de
se confiar na escrituração do contribuinte ou a sua imprestabilidade
para apurar o tributo devido.
Nesse processo, o Fisco cobrava o
Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido referentes aos quatro trimestres do ano de 2003, por causa
da existência de receitas não contabilizadas, inconsistência entre os
arquivos eletrônicos e os demais registros contábeis e falta de notas
fiscais relativas à compra e venda de café.
De acordo com a
fiscalização, o arbitramento de lucro foi necessário porque “a
escrituração mantida pelo contribuinte é imprestável para determinação
do Lucro Real, em virtude dos erros e falhas verificados pela
fiscalização”. Já a exportadora impugnou o auto de infração, sob o
argumento de que a omissão de poucas notas fiscais e de livro contábil
não essencial não configuram requisitos necessários para autorizar o
arbitramento do seu lucro. Alegou ainda ter apresentado documentos e
extratos bancários, atendendo a todas as solicitações da fiscalização.
A
companhia de café afirmou que somente uma pequena parcela da receita
bruta foi questionada pela fiscalização, o que não justifica o método do
arbitramento. Para ela, a apuração do tributo deveria ser feita a
partir de “método eleito pela empresa, afastando eventuais deduções, se
fosse o caso, nos termos do artigo 24, da Lei 9.249/95, c/c 42, da Lei
9.430/96". Em sua decisão sobre os apelos, a Fazenda afirmou que o
arbitramento era cabível, já que havia contas bancárias em nome de
terceiros e a escrituração não era confiável, o que impediria que se
determinasse a efetiva movimentação financeira da empresa.
Para o
conselheiro Maurício Faro, no entanto, “a afirmativa de que a simples
existência de movimentação financeira em conta de terceiro já afastaria a
possibilidade de real verificação da movimentação financeira tem
aplicação genérica, não se aplicando ao caso dos autos onde a conta foi
contabilizada e a receita foi oferecida à tributação”. Além disso,
segundo o relator, a não retificação dos livros fiscais apontados pela
fiscalização possibilitariam apenas a eventual sonegação de ICMS, o que
está fora da competência federal. Por ser medida extrema, Faro afirmou
que o arbitramento não se justificou nos autos e deu provimento ao
recurso da exportadora.
Matemática questionável
Boa parte das contestações sobre o arbitramento de lucro tem origem em falhas na conduta dos auditores. Para o especialista Olavo Leite, sócio
do escritório Fiad, Leite, Simões Corrêa Advogados, o
procedimento exige a chance de contraditório do contribuinte. “Isso não
acontece em todos os casos. Quando os documentos da empresa demonstram
ao Fisco que a irregularidade pode ser individualizada e quantificada, o
arbitramento é desnecessário, de acordo com a jurisprudência
majoritária do Carf”, aponta. Mas se o contribuinte apresenta os
extratos e livros contábeis após o prazo limite definido pela Fazenda, o
arbitramento não é invalidado, conforme a Súmula 59 do Conselho.
Segundo o tributarista Fernando Scaff,
o problema é que a imposição do valor de lucro é rotineiramente usada
como penalidade pelo Fisco. “São comparadas empresas sem equivalência.
Não é possível arbitrar o lucro de um restaurante pequeno a partir do
faturamento de uma rede maior”, exemplifica. Não há orientações
detalhadas de metodologias para arbitramento, porém é importante que o
fiscal esclareça e justifique os parâmetros escolhidos. “É complicado
estabelecer um padrão, pois a fixação desses valores se dá caso a caso.
Seria interessante um trabalho mais demorado, em que o fiscal fosse à
empresa várias vezes e conhecesse o tipo de atividade desenvolvida”,
sugere.
A advogada e professora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas Vanessa Canado concorda
com a dificuldade para estabelecer uma recomendação genérica. “A
previsão legal, na prática, não reduziria o grau de subjetividade. O que
falta é vinculação entre o trabalho dos auditores com a jurisprudência
fixada pelo Carf para as hipóteses de arbitramento”, observa.
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