*** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio
DECISÃO FLS. 1016/1021:
1. Fls. 956/967, 969/972 e 990/996: julgo a questão prejudicial de
inconstitucionalidade dos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição do
Brasil, na redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, que dispõem:
Art. 100 (...)(...)§ 9º
No momento da expedição dos precatórios, independentemente de
regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor
correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em
dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda
Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos,
ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de
contestação administrativa ou judicial. § 10 Antes da expedição dos
precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para
resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de
abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições
estabelecidas no 9º, para os fins nele previstos.
Esses dispositivos,
introduzidos na Constituição do Brasil por meio de emenda, pelo
denominado poder constituinte derivado, violam a garantia da coisa
julgada, que é cláusula pétrea.
O inciso XXXVI do artigo
5º da Constituição do Brasil, que integra o título dos direitos e
garantias fundamentais, estabelece que "a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". O artigo 60, 4º,
inciso IV, da Constituição do Brasil dispõe que "Não será objeto de
deliberação proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e
garantias individuais".
O poder de emenda à
Constituição, exercido pelo Congresso Nacional, que no exercício dessa
competência atua como poder constituinte derivado, não é ilimitado, e
sim está sujeito às limitações formais, materiais e temporais,
explicitadas no artigo 60 da Constituição do Brasil, bem como às
chamadas limitações implícitas, que não vêm ao caso.
O 9º do artigo 100 da
Constituição do Brasil viola a garantia constitucional da coisa julgada
(limitação material explícita, prevista no artigo 60, 4º, inciso IV, da
Constituição), ao autorizar que, no momento da expedição dos
precatórios, deles seja abatido, a título de compensação, valor
correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida
ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública
devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados
aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação
administrativa ou judicial.
Se a Fazenda Pública,
citada para os fins do artigo 730 do Código de Processo Civil, não
suscita, por meio de embargos à execução, a existência de créditos seus
passíveis de compensação e supervenientes à sentença do processo de
conhecimento, como o autoriza o inciso VI do artigo 741 do Código de
Processo Civil , há formação da coisa julgada material, ressalvado erro
material (erro de cálculo, que não transita em julgado), coisa julgada
esta que protege também o valor constante da própria petição inicial da
execução que não foi embargada ou o valor fixado na sentença que julgou
os embargos à execução apresentados pela Fazenda Pública, fundados em
outro motivo que não a compensação.
Depois do trânsito em
julgado, quer pelo decurso do prazo para oposição dos embargos à
execução, quer pelo trânsito em julgado da sentença que julgar os
embargos à execução opostos pela Fazenda Pública, fundados em motivos
outros que não a compensação, não se pode admitir a modificação do valor
da execução por força de pedido de compensação apresentado quando da
expedição do precatório, sob pena de violação da coisa julgada.Além da
coisa julgada, o 9º do artigo 100 da Constituição do Brasil, na redação
que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 62/2009, viola também outra
garantia constitucional: a da razoável duração do processo.O inciso
LXXVIII do artigo 5º da Constituição do Brasil estabelece que "a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
O que tem se verificado
no caso da compensação do 9º do artigo 100 da Constituição do Brasil?
Depois do trânsito em julgado a Fazenda Pública pede a compensação com
base nesse dispositivo constitucional. Esse pedido instaura nova fase de
julgamento da causa e gera incidente processual complexo, que exige
ampla instrução probatória e decisão judicial com base em cognição plena
e exauriente para resolver a compensação.A Fazenda Pública aponta
vários débitos para compensação.
A parte contrária tem a
oportunidade de apresentar impugnação sobre o pedido de compensação.
Instaurada a controvérsia sobre os créditos que a Fazenda Pública
apresenta para compensação, há necessidade de resolução, pelo próprio
juízo da execução que expedirá o precatório, de questões complexas e que
até então pendiam há anos de resolução pelo Poder Judiciário, mas que
agora devem ser resolvidas imediatamente, todas aglutinadas em uma única
fase do processo, como a prescrição da pretensão de cobrança de
créditos relativos a execuções fiscais, a legitimidade passiva do
suposto devedor, a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários, o
montante passível de compensação, a abertura de nova fase para
apresentação de cálculos de atualização, a remessa dos autos ao contador
etc.
Em outras palavras, no
final de um processo que já estava caminhando para a extinção da
execução ? uma vez que, liquidado o precatório, decreta-se a extinção da
execução, remetendo-se os autos definitivamente para o arquivo. Isto é,
em processo quase terminado e no qual estava constituída a coisa
julgada material, cuja imutabilidade e eficácia preclusiva atingem
também o próprio valor da execução a ser pago por meio de precatório,
instaura-se novo processo, com amplas instrução e cognição, para
resolução de questões complexas e que não integravam a causa originária
proposta pelo credor da Fazenda Pública.
Com um aspecto que deve
ser enfatizado e repetido: até a formação da coisa julgada em nenhum
momento tais questões haviam sido suscitadas como motivos extintivos da
obrigação de pagar o precatório, no momento próprio, por ocasião dos
embargos à execução.Devem ser resolvidas pelo juízo natural da causa,
que é o da execução fiscal, todas as questões que impedem a cobrança dos
créditos da Fazenda Pública, e cabe a esta pleitear àquele juízo ordem
judicial de penhora no rosto dos autos em que será expedido o
precatório, nos termos do artigo 674 do Código de Processo Civil .
Ao afirmar a
inconstitucionalidade da compensação ora pretendida, não estou
subtraindo da Fazenda Pública os meios de cobrança de seus créditos. Os
meios existem. Basta que ela peça ao juízo competente, que é o juízo da
execução fiscal ou de qualquer outra causa que gerou seu crédito, a
ordem de penhora no rosto dos autos em que será expedido o precatório,
cabendo a tal juízo competente (o juízo natural da causa), não havendo
óbice à cobrança, expedir a ordem de penhora, a qual será cumprida.É
importante registrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento concluído em 25.11.2010 dos pedidos de medida cautelar em
duas ações diretas de inconstitucionalidade, ajuizadas pelo Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e pela Confederação
Nacional da Indústria - CNI (ADIs 2356 e 2362 MC/DF, relator original
Ministro Néri da Silveira, redator para o acórdão Ministro Ayres Britto,
deferiu os pedidos para suspender, até julgamento final das ações
diretas, a eficácia do art. 2º da EC 30/00, que introduziu o art. 78 e
seus parágrafos no ADCT da CF/88, segundo o qual "ressalvados os
créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza
alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem
os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os
precatórios pendentes na data da promulgação desta Emenda e os que
decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão
liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros
legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de
dez anos, permitida a cessão dos créditos".
Nesse julgamento,
segundo o informativo SFT nº 610 (o acórdão ainda não foi publicado), o
Ministro Celso de Mello fundamentou expressamente seu voto na violação
da coisa julgada pela Emenda Constitucional 30/2000, afirmando "que a
norma questionada comprometeria a própria decisão que, subjacente à
expedição do precatório pendente, estaria amparada pela autoridade da
coisa julgada, o que vulneraria o postulado da separação de poderes, bem
como afetaria um valor essencial ao Estado Democrático de Direito, qual
seja, a segurança jurídica".O procedimento instituído pela Lei nº
12.431/2011 para a compensação prevista nos 9º e 10 do artigo 100 da
Constituição do Brasil, na redação da Emenda Constitucional nº 62/2009,
somente confirma a violação do princípio constitucional da razoável
duração do processo.
Além do prazo previsto
no 10 do artigo 100 da Constituição, para a União se manifestar, em 30
dias, sobre a existência de créditos passíveis de compensação com o
valor do precatório, antes da expedição deste, prazo esse reiterado pelo
3º do artigo 30 da Lei nº 12.431/2011, esta lei estabelece, na fase de
execução e depois do trânsito em julgado, procedimento complexo e
demorado.
Trata-se de um autêntico
processo de conhecimento, de cognição plenária e aprofundada, do ponto
de vista vertical, para o processamento do pedido de
compensação.Demonstro. Depois do prazo de 30 dias para a União
especificar seus créditos passíveis de compensação com o valor do
precatório, apresentado o pedido de compensação o beneficiário do
precatório disporá de prazo de 15 dias para impugnar tal pedido (artigo
31, cabeça, da Lei nº 12.431/2011).
Ainda que os 1º e 2º do
artigo 31 da Lei nº 12.431/2011 limitem a cognição, do ponto de vista
horizontal, ao estabelecer a matéria passível de ser veiculada na
impugnação do beneficiário do precatório, do ponto de vista vertical a
cognição desse pedido, pelo juiz, é aprofundada e exauriente.
Apresentada a impugnação do beneficiário do precatório ao pedido de
compensação, a União disporá de novo prazo de 30 dias, agora para se
manifestar sobre a impugnação (artigo 32 da Lei nº 12.431/2011).
Respondida a impugnação
pela União, o juiz deverá resolvê-la, em 10 dias, limitando-se a
"identificar eventuais débitos que não poderão ser compensados, o
montante que deverá ser submetido ao abatimento e o valor líquido do
precatório", a teor do artigo 33 da Lei nº 12.431/2011.Resolvida a
impugnação e identificados os débitos passíveis de compensação, caberá
agravo de instrumento, que produzirá efeito suspensivo automático, por
força de lei (efeito suspensivo ex lege), por força dos artigos 34, 1º, e
35, cabeça, da Lei nº 12.431/2011.
Sendo contado em dobro o
prazo para a União interpor agravo de instrumento da decisão que
resolver o pedido de compensação, a partir da intimação dela para
apresentar débitos compensáveis com o precatório até a Secretaria
aguardar o trânsito em julgado da decisão que resolver a impugnação e a
compensação, somam-se 105 (cento e cinco) dias de prazos.Sem contar o
efeito suspensivo automático do agravo de instrumento e a
impossibilidade de requisição do pagamento, por meio de precatório, até o
trânsito em julgado daquele recurso.Até transitar em julgado a decisão
final que resolver o pedido de compensação, o que poderá ocorrer tanto
no Tribunal Regional Federal da Terceira Região como no Superior
Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal, caso a questão seja
levada às instâncias extraordinárias, a expedição do precatório ficará
sobrestada sabe-se lá por quanto tempo.
Mas ainda que ainda não
ocorra a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que
resolver a impugnação, depois do trânsito em julgado dessa decisão a
União será intimada, com novo prazo de 30 dias, desta vez para
registrar, em seu banco de dados, o deferimento da compensação, bem como
para fornecer os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação
referentes aos débitos compensados (artigo 36, cabeça, da Lei nº
12.431/2011).Devolvidos os autos pela União, nova vista dos autos será
dada do beneficiário do precatório. A Lei nº 12.431/2011 não estabelece o
prazo dessa vista. Aplicada a regra geral que estabelece que, no
silêncio da lei e do juiz, o prazo é de 5 dias (artigo 185 do Código de
Processo Civil), terão decorrido 140 (cento e quarenta) dias de prazos
desde a abertura de vista dos autos à União para apresentar o pedido de
compensação, tempo esse superior ao procedimento mais amplo, de cognição
plenária e exauriente, previsto no Código de Processo Civil, que é o
procedimento ordinário. Mas a demora no procedimento de compensação não
se esgota no ato de registro dela no banco de dados da União. Depois do
registro da compensação pela União, nos termos do artigo 36, cabeça e 1º
a 4º, da Lei nº 12.431/2011, será necessária a remessa dos autos à
contadoria da Justiça Federal.É que o crédito da União será atualizado
"nos termos da legislação que rege a cobrança dos créditos da Fazenda
Pública Federal" até a data do trânsito em julgado da decisão judicial
que determinou a compensação, por força do 8º do artigo 36 da Lei nº
12.431/2011.Mas a remessa dos autos à contadoria não é tão simples como
parece. Para que se possa realizar o encontro de contas na compensação, é
evidente que será necessária a atualização do crédito do beneficiário
do precatório, nos termos do título executivo judicial, também até a
data do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a
compensação.
Somente com a
atualização do crédito da União e do crédito do beneficiário do
precatório para a mesma data, a do trânsito em julgado da decisão
judicial que determinou a compensação, está poderá ser realizada.É
possível prever, com razoável probabilidade de acerto, os inúmeros
incidentes processuais que surgirão na atualização dos valores pela
contadoria da Justi juros moratórios incidirão contra a União até a data
do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a
compensação, as novas e sucessivas remessas dos autos à contadoria da
Justiça Federal para refazer contas, etc.Sendo muito otimista, e
desprezando não somente os prazos que a Secretaria tem para lavrar
termos e certidões de decurso de prazo, remeter publicações ao Diário da
Justiça eletrônico e abrir conclusão, mas também o prazo de 10 dias de
que dispõe o juiz para proferir decisão (artigo 189, inciso II, do
Código de Processo Civil) a cada oportunidade que os autos lhe são
conclusos para tanto, dificilmente o pedido de compensação será
resolvido em menos de 2 (dois) anos.Este prazo deixa de lado a situação
em que é interposto agravo de instrumento em face de decisão do juiz que
resolver o pedido de compensação, recurso este que, como visto, é
dotado de efeito suspensivo automático (ex lege).
Sem considerar a
possibilidade de o trânsito em julgado, no agravo de instrumento, não
ocorrer no próprio Tribunal Regional Federal da Terceira Região, e sim
no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal.O credor
da Fazenda Pública, depois do trânsito em julgado (em processo de
execução no qual bastaria a mera expedição de precatório e a decretação
da extinção da execução), levará anos para, se for o caso, ver resolvido
definitivamente o processo de execução e o pedido de compensação.
O que é pior é a
circunstância de a compensação ser matéria de defesa, passível de ser
suscitada por qualquer credor, inclusive pela Fazenda Pública, na fase
de conhecimento, na contestação. Ou, se superveniente o crédito da
Fazenda Pública, poderia a compensação ser suscitada por meio de
embargos à execução, conforme já assinalado anteriormente (artigo 741,
inciso VI, do Código de Processo Civil).
Em outras palavras, se
antes havia duas oportunidades, em procedimentos de cognição plenária e
exauriente, para a Fazenda Pública suscitar a compensação, agora são
três as oportunidades para fazê-lo.É clara a violação do princípio da
razoável duração do processo. A última das oportunidades para suscitar a
questão da compensação ocorre depois do trânsito em julgado e de não
ter esta questão sido ventilada nas épocas próprias para fazê-lo
(contestação e embargos à execução).
Há violação da eficácia
preclusiva da coisa julgada, prevista no artigo 474 do Código de
Processo Civil, segundo o qual "Passada em julgado a sentença de mérito,
repurta-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas,
que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do
pedido".Sobre violar a eficácia preclusiva da coisa julgada, há também
violação do princípio constitucional da igualdade. Se todos os credores
podem suscitar a questão da compensação somente na contestação ou em
impugnação ao cumprimento da sentença ? nesta impugnação desde que o
crédito passível de compensação seja superveniente à sentença do
processo de conhecimento, nos termos do artigo 475-L, inciso VI, do CPC
?, a Fazenda Pública tem um tratamento processual (mais um)
privilegiado.
De fato, a Fazenda
Pública poderá suscitar a questão da compensação depois do trânsito em
julgado da sentença, com violação da eficácia preclusiva da coisa
julgada, pouco importando se o crédito por ela invocado para compensação
já existia por ocasião da contestação ou da citação para dela os fins
do artigo 730 do CPC, ocasiões em que a questão da compensação poderia
ter integrado a contestação ou sido objeto de embargos à execução,
respectivamente.
Desse modo, enquanto a
Fazenda Pública se utiliza da extrema complexidade e morosidade do
procedimento de compensação, o Poder Judiciário permanecerá a carregar,
perante a sociedade, a pecha de moroso e ineficiente, sendo ainda
sobrecarregado com o processamento mais um processo de cognição plenária
ampla e exauriente, agora na fase de execução e depois do trânsito em
julgado.Finalmente, cabe acrescentar que o Excelentíssimo Senhor
Ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), em voto
proferido no Plenário em 6.10.2011, na condição de relator das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade - ADIs nºs 4357, 4372, 4400 e 4425,
declarou a inconstitucionalidade total da Emenda Constitucional nº
62/2009.
Após o voto do Ministro
relator, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Excelentíssimo
Senhor Ministro Luiz Fux. No que diz respeito especificamente à
inconstitucionalidade dos 9º e 10 do artigo 100 da Constituição do
Brasil, na redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, o voto do
Ministro Relator vai ao encontro da fundamentação por mim exposta acima,
no que diz respeito à violação, pelos citados 9º e 10 do artigo 100 da
CF, dos princípios da coisa julgada e da razoável duração do processo.
Cito os seguintes trechos do voto do Excelentíssimo Senhor Ministro
Carlos Ayres Britto:
22. Continuo neste exame
das arguições dos requerentes para analisar a alegação de
inconstitucionalidade dos 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal.
Confira-se a redação dos dispositivos impugnados:(...)
23. Como se vê, as
normas jurídicas atacadas chancelam uma compensação obrigatória do
crédito a ser inscrito em precatório com débitos perante a Fazenda
Pública. Compensação que se opera "antes da expedição dos precatórios" e
mediante informação da Fazenda devedora, no prazo de 30 (trinta) dias.
Dando-se que o objetivo da norma é, nas palavras do próprio
Advogado-Geral da União, precisamente este: "impedir que os
administrados (especialmente os que devem valores vultosos à Fazenda)
recebam seus créditos sem que suas dívidas perante o Estado sejam
satisfeitas". E se é assim, o que se tem - penso - é um acréscimo de
prerrogativa processual do Estado, como se já fosse pouco a prerrogativa
do regime em si do precatório. Mas uma "super" ou sobre-prerrogativa
que, ao menos quanto aos créditos privados já reconhecidos em decisão
judicial com trânsito em julgado, vai implicar violação da res judicata.
Mais até, vai consagrar um tipo de superioridade processual da parte
pública sem a menor observância da garantia do devido processo legal e
seus principais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa.
24. Em palavras outras, a
via-crucis do precatório passou a conhecer uma nova estação, a
configurar arrevezada espécie de terceiro turno processual-judiciário,
ou, quando menos, processual-administrativo. Com a agravante da não
participação da contraparte privada. É como dizer: depois de todo um
demorado processo judicial em que o administrado vê reconhecido seu
direito de crédito contra a Fazenda Pública (muitas vezes de natureza
alimentícia), esta poderá frustrar a satisfação do crédito afinal
reconhecido. E não se argumente que ao administrado é facultada a
impugnação judicial ou administrativa dos débitos informados pela
Fazenda Pública. É que o cumprimento das decisões judiciais não pode
ficar na dependência de manifestação alguma da Administração Pública,
nem as demandas devem se eternizar (e se multiplicar), porque "a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação"
(inciso LXXVIII do art. 5º da CF).
25. Em síntese, esse
tipo unilateral e automático de compensação de valores, agora constante
dos 9º e 10 da Magna Carta (redação dada pela Emenda Constitucional nº
62/2009), embaraça a efetividade da jurisdição e desrespeita a coisa
julgada.
E nessa linha é que se
pronunciou o Supremo Tribunal Federal quanto a mecanismo semelhante,
inserido no art. 19 da Lei nº 11.033/2004. Artigo que foi unanimemente
declarado inconstitucional pelo Plenário desta nossa Corte na ADI 3.453.
Colho do voto da Ministra Cármen Lúcia, relatora, o seguinte
trecho:(...)
26. Com efeito, esse
tipo de conformação normativa, mesmo que veiculada por emenda à
Constituição, também importa contratura no princípio da separação dos
Poderes. No caso, em desfavor do Poder Judiciário. Como ainda se
contrapõe àquele traço ou àquela nota que, integrativa da
proporcionalidade, demanda a observância obrigatória da
exigibilidade/necessidade para a restrição de direito. Isso porque a
Fazenda Pública dispõe de outros meios igualmente eficazes para a
cobrança de seus créditos tributários e não-tributários. Basta pensar
que o crédito, constituído e inscrito em dívida ativa pelo próprio Poder
Público, pode imediatamente ser executado, inclusive com a obtenção de
penhora de eventual precatório existente em favor do administrado. Sem
falar na inclusão do devedor nos cadastros de inadimplentes. A
propósito, este Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firme no
sentido de vedar o uso, pelo Estado, de meios coercitivos indiretos de
cobrança de tributo. Confiram-se, nesse sentido, as Súmulas n. 70, 323 e
547.9 Assim também vocalizou o Ministro Joaquim Barbosa na citada ADI
3.453, verbis:(...)
27. Não é tudo, porque também me parece resultar preterido o princípio constitucional da isonomia.
Explico.
Exige-se do Poder
Público, para o recebimento de valores em execução fiscal, a prova de
que o Estado nada deve à contraparte privada? Claro que não! Ao cobrar o
crédito de que é titular, a Fazenda Pública não é obrigada a
compensá-lo com eventual débito dela (Fazenda Pública) em face do credor
contribuinte.
Por conseguinte,
revela-se, por mais um título, antiisonômica a sistemática dos 9º e 10
do art. 100 da Constituição da República, incluídos pela Emenda
Constitucional nº 62/2009.
Pelas mesmas razões, é
inconstitucional a expressão "permitida por iniciativa do Poder
executivo a compensação com débitos líquidos e certos, inscritos ou não
em dívida ativa e constituídos contra o devedor originário pela Fazenda
Pública devedora até a data da expedição do precatório, ressalvados
aqueles cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos do 9º do art. 100
da Constituição Federal", contida no inciso II do 9º do art. 97 do ADCT.
Ante o exposto, declaro incidentemente a inconstitucionalidade dos 9º e
10 do artigo 100 da Constituição do Brasil, na redação da Emenda
Constitucional nº 62/2009, e indefiro o pedido de compensação.
2.
Pelos mesmos fundamentos expostos acima, no que diz respeito à violação
do princípio constitucional previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º da
Constituição do Brasil, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação", declaro também,
incidentemente, a inconstitucionalidade do artigo 32, do 1º do artigo 34
e do artigo 35 da Lei nº 12.431/2011, que dispõem, respectivamente:
Art. 32. Apresentada
a impugnação pelo beneficiário do precatório, o juiz intimará,
pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, o órgão responsável
pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na
ação de execução, para manifestação em 30 (trinta) dias.
Art. 34 (...) 1º O
agravo de instrumento terá efeito suspensivo e impedirá a requisição do
precatório ao Tribunal até o seu trânsito em julgado.(...)
Art. 35. Antes do
trânsito em julgado da decisão mencionada no art. 34 desta Lei, somente
será admissível a requisição ao Tribunal de precatório relativo à parte
incontroversa da compensação.
Com efeito, sob a ótica
do princípio constitucional da razoável duração do processo, de nada
adiantaria afastar a incidência e aplicabilidade dos 9º e 10 do artigo
100 da Constituição do Brasil, se, de qualquer modo, ter-se-ia obstada a
possibilidade de expedição do precatório, para aguardar, durante anos, o
trânsito em julgado do julgamento final em eventual agravo de
instrumento interposto contra esta decisão, como prevêem o 1º do artigo
34 e o artigo 35 da Lei nº 12.431/2011. Para a razoável duração do
processo, a Constituição exige que o legislador adote "os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação".
Trata-se de comando
dirigido ao legislador. A lei, ao conceder à União novo prazo de 30 dias
para se manifestar sobre a impugnação do pedido de compensação (além do
prazo de 30 dias de que a União já dispõe para apresentar o pedido de
compensação) e estabelecer efeito suspensivo obrigatório (ex lege) ao
agravo de instrumento (interposto na fase de execução contra a decisão
que indeferir a compensação), depois de transitada em julgado a sentença
e de liquidada esta, está a criar meios que não garantem a celeridade
da tramitação do processo. É público e notório que os Tribunais estão
abarrotados de autos de processos, especialmente de agravos de
instrumento. O recuso interposto contra a decisão que indefere a
compensação demorará anos para ser julgado.
3. O
nome da exequente no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ
corresponde ao constante da autuação. Junte a Secretaria aos autos o
comprovante de situação cadastral dela no CNPJ.
4.
Expeça a Secretaria o ofício precatório em benefício da exequente no
valor fixado nos autos dos embargos à execução nº
0011117-16.2011.4.03.6100 (fl. 931), fazendo constar a data da intimação
da União nos termos do 10º do artigo 100 da Constituição do Brasil
(14.08,2012 - fl. 934) e inclua a observação de que o valor do
precatório deverá ser depositado à ordem deste juízo, valor esse que
somente poderá ser levantado depois de transitada em julgado a decisão
final que indeferir a compensação, a fim de manter o equilíbrio entre as
partes e não causar à União dano irreparável ou de difícil reparação.
5. Ficam as partes intimadas desse ofício, com prazo sucessivo de 10 (dez) dias.
Publique-se.
Intime-se.------------------------------------------------------------------------------
da decisão de fls. 1.016/1.021, em relação à data da intimação da
União, nos termos do 10º do artigo 100 da Constituição do Brasil.Nessa
decisão, onde se lê "14.08.2012 - fl. 934", leia-se "17.08.2012 - fl.
934".
Publique-se esta e a decisão de fls. 1.016/1.021.
Disponibilização D.Eletrônico de despacho em 13/03/2013 ,pag 117/128