Acolhendo uma
questão de ordem apresentada pelo ministro Marco Aurélio, o julgamento
foi feito em duas partes: na tarde da última quarta-feira, 13 de março,
foi examinado o texto da emenda que alterou o art. 100 da CF,
que estabelece as regras gerais sobre o pagamento dos precatórios; na
tarde de ontem, 14, a Corte julgou o chamado regime especial de
pagamento, o parcelamento em 15 anos previsto pela emenda no art. 97 do
ADCT.
O relator da
matéria, mininstro Ayres Britto, hoje aposentado, proferiu seu voto em
2011; na semana passada o julgamento foi retomado pela apresentação do
voto-vista do min. Luiz Fux, que seguiu o voto do relator, opinando pela
procedência parcial das ações, no que foi seguido pela maioria. Votaram
pela improcedência total das ADIs os ministros Teori Zavascki, Gilmar
Mendes e Dias Toffoli.
Art. 100 da CF – Procedência parcial da ação
Do exame do art.
100 e seus parágrafos, subsistiu apenas o direito de preferência trazido
pelo §2°, que teve julgada inconstitucional apenas a expressão “na data
da expedição do precatório”, para ser alcançado pelo artigo quem
completar 60 anos em qualquer fase do processo. Assim, foram julgadas
inconstitucionais a possibilidade de compensação de créditos pela
Fazenda Pública no momento do pagamento do precatório e a adoção do
índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária dos
débitos.
Art. 97 do ADCT – Regime Especial de pagamento de precatórios – parcelamento e “leilões reversos” julgados inconstitucionais
Nos termos do voto
do relator, ministro Ayres Britto, os dois modelos especiais para
pagamento de precatórios afrontam a ideia central do Estado democrático
direito, violam as garantias do livre e eficaz acesso ao Poder
Judiciário, do devido processo legal e da duração razoável do processo,
além de afrontarem a autoridades das decisões judiciais, ao prolongar,
compulsoriamente, o cumprimento de sentenças judiciais com trânsito em
julgado.
Votaram com o
relator nesse tópico os ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia,
Celso de Mello e Joaquim Barbosa; os ministros Marco Aurélio e Ricardo
Lewandowski votaram pela procedência parcial mas em menor extensão,
defendendo uma aplicação da Emenda em alguns casos; votaram pela
improcedência total os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Dias
Toffoli.
Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da EC 62/09 e o modelo anterior
O redator do
acórdão, ministro Luiz Fux, anunciou que deverá trazer o caso novamente
ao plenário para a modulação dos efeitos, “atendendo a pedido de
procuradores estaduais e municipais preocupados com os efeitos da
decisão sobre parcelamentos em curso e pagamentos já realizados sob a
sistemática da emenda.”
De fato, a
aplicação da decisão não será simples e enseja reflexões. Julgado
inconstitucional o texto normativo, a norma anterior volta a produzir
efeitos. Ocorre que o art. 2° da EC 30/00 teve sua eficácia suspensa por
medida cautelar deferida em 2010 nos autos das ADIns 2.356 e 2.362.
Voltaria, então, o texto original da Constituição a produzir efeitos.
Mas foi exatamente em função da não estipulação de prazos para pagamento
e de percentuais de comprometimento de receitas pelas pessoas de
direito público que o constituinte derivado viu-se impelido a agir. Sem
essas vinculações, Estados e Municípios incluíam “o valor dos
precatórios no orçamento do ano seguinte”, sem no entanto cumpri-los,
diante da alegação de que não possuíam a totalidade dos recursos. Sob o
comando original da CF, as dívidas com precatórios acumulavam-se
exponencialmente ano a ano, sem solução. Estudo feito ano passado pelo
CNJ mostrou que durante a vigência do regime especial de pagamento o
Estado de SP, maior devedor de precatórios do país, conseguiu reduzir
sua dívida.
É esse o fundamento
do voto do ministro Teori Zavascki: “Não podemos fugir de uma verdade:
que o modelo anterior era mais perverso ainda. Os estados inadimplentes
estão inadimplentes há 15, 20 anos ou mais”, disse.
Para a ministra
Rosa Weber, contudo, “Não se trata de escolher entre um e outro regime
perverso”. “Ambos são perversos. Teremos que achar outras soluções”.
No mesmo sentido
pronunciou-se a ministra Cármen Lúcia: “Não é por reconhecer que o
sistema anterior era pior que eu poderia dar o meu aval”, afirmou. “Não
seria honesto comigo, nem com o cidadão”.
Para o ministro
Gilmar Mendes a EC 62 é uma fórmula de transição com o objetivo de
superar um estado de fato inequivocamente inconstitucional. “Mas não é
inconstitucional desde a Emenda 62, na verdade estamos a falar de
débitos que se acumularam ao longo do tempo”, sustentou. De acordo com o
ministro, eventual retorno à regra original da CF deixará ao Tribunal
apenas a opção de declarar intervenção nos estados para garantir a coisa
julgada e o direito adquirido. “A medida [regime especial proposto pela
EC 62] vem cumprindo essa função. Qual é o sentido de declarar sua
inconstitucionalidade e retornar ao texto original? Para dizer que o
caos é o melhor que a ordem?”, questionou.