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Royalties: compensação financeira que leva a grandes brigas judiciais
A palavra royalties tem origem inglesa e deriva de royal, que quer dizer “aquilo pertencente ou relativo ao soberano, monarca ou rei”. Para alguns historiadores, na Grécia antiga, os royalties
eram utilizados como recompensas pagas por terceiros ao soberano ou à
pessoa que ocupava o posto maior na sociedade, como gratificação pelo
uso de suas terras ou extração de recursos naturais.
Atualmente, royalties
são compensações financeiras pagas ao proprietário pela extração de
recursos naturais ou pelo uso de processos de produção, marcas e
patentes. Também é válido para obra original, pelos direitos de
exploração, uso, distribuição ou comercialização de produto ou
tecnologia. Os royalties podem ser pagos a pessoa física, a uma empresa ou ao estado, e costuma corresponder a percentual prefixado.
Em
alguns casos, essa compensação financeira gera grandes brigas
judiciais. Veja o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem decidindo
sobre o tema.
Petróleo e gás natural
Por
gerar compensação financeira concedida por lei aos estados, Distrito
Federal e a municípios cujos territórios estejam inseridos na cadeia de
proteção de petróleo ou gás natural, a extração desses recursos naturais
tem gerado polêmicas judiciais.
Foi isso que aconteceu no
julgamento do REsp 1.115.194. A Primeira Turma decidiu que o município
de Camaragibe (PE) não tem direito a receber royalties por possuir instalações de coleta de gás natural, denominados citygates,
em seu território. Os ministros consideraram que tais equipamentos não
se enquadram no conceito de pontos de embarque e desembarque de gás
natural dado pela Lei 7.990/89.
O município ajuizou ação com o objetivo de ver reconhecida a condição de beneficiário do pagamento de royalties. O relator do processo, ministro Teori Zavascki, considerou que “o direito a recebimento de royalties
por parte de ‘municípios onde se localizarem instalações marítimas ou
terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural’
(como estabelece o dispositivo da Lei 2.004/53) está vinculado à
atividade de exploração do petróleo ou do gás natural, razão pela qual
as ‘instalações’ a que se refere a lei são as inseridas na cadeia
extrativa”.
O ministro observou ainda que, conforme reconhecido pelo tribunal de segunda instância, Camaragibe possui citygate
instalado sobre trecho do gasoduto “Nordestão”, que corta o território
do município e se destina à distribuição do gás já processado. Por essa
razão, o citygate “não se confunde com instalação de embarque
ou desembarque diretamente envolvida na exploração de gás natural, não
gerando direito a royalties”, entendeu o relator.
Participação nas operações
Já
na SLS 1.201, o STJ manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região (TRF5) que negou ao municipio de Itambé (PE) direito à percepção
de royalties. Para o relator, ministro Cesar Asfor Rocha, já aposentado, não é possível vincular os postulados royalties,
deferidos em medida urgente e temporária, a despesas diárias e certas
do município, o que afasta a sustentada possibilidade de grave lesão à
economia pública.
Em primeira instância, o juiz havia
determinado à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a inclusão do município
no rol de beneficiários do pagamento de compensação financeira.
A
ANP, no entanto, apelou, e o TRF5 deu provimento à apelação, entendendo
que o município não havia provado a sua participação nas operações de
produção da matéria-prima, apenas nas operações destinadas ao consumo,
sendo impossível, sem essas provas, o recebimento de royalties.
O município pediu a suspensão dessa decisão ao STJ. O ministro ressaltou que as importâncias devidas a título de royalties
são incertas, flutuando diante de vários fatores de risco previstos em
lei e da quantidade de municípios com igual direito. “Assim, não se
assemelham a uma receita orçamentária, devidamente aprovada pelo Poder
Legislativo, e não podem ser tratadas como tal pela administração do
município, havendo incerteza até mesmo sobre qual será o resultado final
da demanda”, asseverou.
Desbloqueio
Ao
julgar a SLS 1.111, o Tribunal da Cidadania rejeitou o pedido do
município de Aracati (CE) para desbloquear valores referentes ao
pagamento de royalties depositados em juízo por solicitação da ANP.
O
município alegou grave lesão às finanças públicas com a diminuição de
recursos, que já integravam o patrimônio havia mais de uma década.
Segundo o município, o pagamento de royalties representava pelo
menos 25% de toda a disponibilidade de caixa, e o bloqueio em conta
judicial inviabilizaria a administração da cidade não só pela
paralisação de obras e serviços, mas pelos reflexos em todos os setores
da administração.
O STJ, porém, considerou que a suspensão de
liminar é medida excepcional que não serve para examinar legalidade ou
constitucionalidade de decisões judiciais. Além disso, as alegações
exclusivamente jurídicas a respeito de descumprimento do Código de
Processo Civil pela decisão impugnada que determinou o depósito em juízo
não comportam exame no pedido de suspensão, devendo ser discutidas em
recurso próprio.
Interesse da União
No
julgamento do REsp 1.119.643, a Segunda Turma definiu que a União não
era parte legítima para figurar como ré na causa relacionada ao
pagamento de royalties, uma vez que apenas repassa os recursos
aos municípios, o que não configura interesse jurídico. “ Admite-se a
participação da União na lide como assistente litisconsorcial quando
presente o seu interesse econômico”, afirmou a relatora do recurso,
ministra Eliana Calmon.
No mesmo julgamento, a Turma reconheceu a
competência da ANP para regular as atividades econômicas integrantes da
indústria do petróleo (artigo 8º da Lei 9.478/97) e estabelecer
critérios para o pagamento de royalties.
Inundação
No
julgamento do REsp 425.426, o STJ examinou o critério de distribuição
do VAF (Valor Adicional Fiscal) previsto na Constituição. A dúvida era
quanto à divisão ser proporcional à participação no ICMS entre os
municípios contíguos alagados pela construção de hidrelétrica ou o
exclusivo para o município sede da usina. O caso dizia respeito a seis
municípios de Minas Gerais
O relator, então ministro do STJ Luiz
Fux, atualmente no Supremo Tribunal Federal, afirmou que a
jurisprudência no âmbito das turmas de direito público determina a
imputação da receita de maneira exclusiva para o município sede da
usina, garantindo-se aos municípios limítrofes que formam o complexo de
águas os denominados royalties. Isso porque “é inconfundível a usina geradora de energia elétrica com o reservatório de água”.
Patente x royalties
Introduzida no Brasil na década de 1990 a partir do Rio Grande do Sul, a soja transgênica Round-up Ready,
ou “soja RR”, é capaz de gerar mudas resistentes a herbicidas
formulados à base de glifosato, o que rende ganho de produção. A empresa
multinacional Monsanto, visando obter proteção da patente no processo
de criação das sementes, estabeleceu um sistema de cobrança baseado em royalties,
taxas tecnológicas e indenizações pela sua utilização. Para tanto, os
adquirentes da soja RR retêm, e repassam diretamente à multinacional, 2%
do preço da soja transgênica adquirida. A cobrança é feita desde a
safra de 2003/2004.
Essa compensação financeira vem sendo pano
de fundo para grandes brigas na Justiça. Uma delas foi o julgamento do
REsp 1.243.386. A Terceira Turma decidiu que terá alcance nacional o
resultado da ação coletiva que sindicatos rurais do Rio Grande do Sul
movem contra a cobrança de royalties pela utilização da semente transgência de soja da multinacional Monsanto. Os valores envolvidos chegariam a R$ 15 bilhões.
A
analisar o caso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que é
importante que a eficácia das decisões se produza de maneira ampla,
atingindo produtores de soja em todo o território nacional. “Não é
possível conceber tutela jurídica que isente apenas os produtores do Rio
Grande do Sul do pagamento de royalties pela utilização de soja transgênica”, ponderou a relatora.
Segundo
ela, a eventual isenção destinada apenas a um grupo de produtores
causaria desequilíbrio substancial no mercado atacadista de soja.
No
caso dos autos, a ministra ressaltou que se trata de um modelo de
cobrança imposto a um grupo determinável de cultivadores de soja: “A
invalidade de tal cobrança, como tese jurídica, aproveita a todos
indistintamente, não consubstanciando um direito divisível.”
Em
outro ponto analisado, a ministra classificou de “evidente” a relevância
social do processo. Ela observou que, se a cobrança de royalties
feita por uma empresa a um universo de agricultores que trabalham no
cultivo da soja transgênica for considerada realmente indevida, como
contesta a ação principal, o significativo impacto no preço final do
produto, para consumo, já seria motivo suficiente para justificar a
tutela coletiva desses direitos.
Contribuição sobre royalties
Os
créditos de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide)
foram criados para estimular o desenvolvimento tecnológico nacional, por
meio do Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o
Apoio à Inovação. Trata-se de contribuição a ser paga por empresas que
adquirem tecnologia do exterior. Também são tributadas as remessas
feitas ao estrangeiro para pagamento de serviços técnicos ou a título de
royalties.
Levando essa definição em consideração, ao
julgar o REsp 1.186.160, a Segunda Turma concluiu que os créditos
relativos à Cide, criados pela Medida Provisória 2.159-70, de 2001, só
passam a existir quando o valor do tributo é efetivamente pago, podendo
então serem utilizados para dedução em operações posteriores.
O
recurso era da empresa Dia Brasil Sociedade Ltda. contra a Fazenda
Nacional e envolvia a forma de aproveitamento dos créditos instituídos
em 2001. A partir daquele ano e até 2013, por medida provisória, foi
permitido às empresas tributadas pela Cide adquirir créditos a serem
usados “exclusivamente para fins de dedução da contribuição incidente em
operações posteriores” relativas a royalties em contrato de exploração de patente e uso de marcas.
Na
ação, a empresa sustentava que o crédito tributário deveria ser
calculado com base no valor da contribuição devida, e não da
contribuição efetivamente paga, pois a própria incidência da Cide faria
surgir o crédito. A Fazenda, por sua vez, afirmou em resposta que só há
crédito quando há pagamento, pois não se trata de tributo regido pelo
princípio da não cumulatividade.
O relator, ministro Mauro
Campbell Marques, deu razão à Fazenda. Segundo ele, o legislador
pretendeu amenizar os efeitos da tributação, reduzindo o ônus da carga
tributária temporariamente, por meio da técnica do creditamento. Não se
almejou com isso criar incentivo pela criação de créditos desvinculados
do efetivo pagamento do tributo, mas apenas amenizar o ônus por período
determinado.
“Pensar de modo diverso feriria a própria lógica da
instituição do referido crédito, por permitir um efeito contrário ao
pretendido pelo legislador, pois o estado, além de deixar de receber o
montante integral da Cide, passaria, ainda, a financiar a atividade
desenvolvida pelo contribuinte, em detrimento do mercado nacional”,
acrescentou.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa A notícia ao lado refere-se aos seguintes processos:
REsp 1115194, SLS 1201, SLS 1111, REsp 1243386,REsp 1186160, REsp 425426, REsp 1119643
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08/10/2012 |