Uma orientação recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
determinou que os bancos, para não terem que arcar com prejuízos por
fraudes ou delitos praticados por terceiros em operações financeiras,
deverão comprovar que a culpa foi unicamente do cliente. Em caso
contrário, será obrigação da instituição ressarcir o consumidor. Na
prática, a Súmula nº 479 do tribunal torna ainda mais complicada a
defesa dos bancos nessas situações. No ano passado, segundo a Federação
Brasileira de Bancos (Febraban), as instituições pagaram cerca de R$ 1,2
bilhão a clientes que tiveram problemas em suas contas bancárias, como
transferências e saques indevidos por meio eletrônico.
Apesar de não ser o ponto de vista da maior parte de advogados que
atua na defesa de consumidores ou mesmo no setor bancário, o diretor de
assuntos jurídicos da Febraban, Antônio Carlos de Toledo Negrão,
acredita que o teor da súmula deve incentivar a ocorrência de fraudes e
gerar um aumento no número de ações judiciais contra bancos. "A súmula
desestimulará as pessoas a tomar cuidados, como realizar transações em
áreas seguras e se preocupar com antivírus", diz, referindo-se a fraudes
eletrônicas. Ele também afirma que é muito difícil para os bancos
fazerem provas negativas, ou seja, demonstrarem no processo judicial que
não cometeram nenhum erro. "Se alguém faz compras com o cartão do
titular e ele nega as compras, como o banco provará que não teve culpa
nessa situação?"
Hoje, segundo Negrão, a maior parte das fraudes continua a ocorrer em
razão dos falsos e-mails de bancos, por meio dos quais terceiros obtêm
dados suficientes para realizar operações em nome de clientes. Além
desse tipo de "fraude", o especialista em direito digital e presidente
do Conselho de Tecnologia da Informação da Federação do Comércio do
Estado de São Paulo (Fecomércio), Renato Opice Blum, diz que há uma
infinidade de casos de compra de boletos no mercado. "Uma pessoa paga a
uma outra um valor menor do que o boleto para que ela o quite por meio
de fraude na internet", explica.
De acordo com o advogado João Antônio Motta, do escritório que leva o
seu nome, com o entendimento do STJ não se discutirá mais se o cliente
foi ou não cuidadoso com sua senha e cartão e se teria facilitado uma
situação de fraude. "Os bancos terão quer pagar, sem quase nenhuma
discussão", diz. Ainda assim, o advogado, que defende clientes em
processos contra instituições, afirma não acreditar em um aumento de
ações. Motta também diz ser contrário ao teor da súmula, pois para ele
quem contribuiu para o dano (seja o cliente ou o banco) deve responder
por ele.
A advogada Flávia Le Févre, do escritório Lescher Le Févre e membro
do Conselho Consultivo da Proteste, diz que a súmula do STJ apenas
deixou mais claro o que o Código de Defesa do Consumidor já estabelece.
Para ela, a orientação não deve contribuir para um aumento de ações
judiciais, pois só entra na Justiça quem não foi atendido pelo banco.
"Talvez a súmula diminua a resistência dos bancos em devolver os valores
questionados, pois as instituições vão agora perder mais rápido na
Justiça", afirma.
Apesar de a Febraban e advogados que trabalham com essas instituições
dizerem que os clientes são sempre ressarcidos se constatada falha no
sistema bancário, Flávia afirma que isso nem sempre ocorre e que
dependerá muito do valor envolvido. Ela conta o caso de uma cliente que
em dez dias, durante uma viagem de férias, teve R$ 130 mil sacados em
uma conta de CDB no ano de 2009. Apesar de morar em São Paulo, o
dinheiro foi usado para pagar várias contas em Curitiba, como IPVA e
faturas de energia elétrica.
Segundo Flávia, foram realizadas 114 operações no período. O
dinheiro, conforme a advogada, era resultado de uma poupança de 25 anos e
nunca havia sido sacado. Como a instituição atribuiu ao marido da
cliente os saques "indevidos", ela entrou na Justiça. Ganhou em primeira
instância o direito à devolução com correção, assim como 25 salários
mínimos a título de dano moral. O caso está agora no Tribunal de Justiça
de São Paulo.
Apesar das fraudes e da responsabilidade dos bancos em comprovar a
culpa do cliente, o advogado especializado em direito digital, Alexandre
Atheniense, do escritório Aristoteles Atheninese, afirma que para as
instituições ainda é um bom negócio trabalhar com o sistema eletrônico,
que representa uma grande economia. Segundo ele, o custo de uma operação
eletrônica é muito menor do que o de uma operação física ou presencial.
"Os bancos já contingenciam valores para pagar essas indenizações
judiciais", diz.