A inserção do Brasil no cenário do comércio internacional é um
trabalho árduo, que vem sendo construído há algumas décadas,
especialmente a partir da abertura das importações no Brasil, no início
da década de 1990, e posteriores avanços em instrumentos a eles
aplicáveis, tais como a arbitragem, a partir de 1996.
O processo, que é contínuo, ainda não foi atingido dado o grande
atraso no qual o Brasil esteve inserido. Um desses instrumentos, já
empregados no comércio internacional, a Convenção de Viena sobre os
contratos de compra e venda internacional de mercadorias, já aprovada
por mais de 78 países, representativos de mais de 90% do comércio
mundial e de 75% do comércio internacional brasileiro, depende da
atuação do nosso Congresso para que tenha sua utilização aprovada.
"Nós redescobrimos a democracia na década de 80, mas não
redescobrimos o capitalismo", definiu o economista Roberto Campos
(1917-2001).
A preocupação brasileira é algumas décadas mais recente daquela que
se observava no âmbito internacional já a partir das décadas de 1960 a
1980. Nesse contexto, a Comissão das Nações Unidas para o Direito
Comercial Internacional (Uncitral) desenvolveu uma Convenção, assinada
abril de 1980, com o escopo de que "(...) a adoção de regras uniformes
aplicáveis aos contratos de compra e venda internacional de mercadorias e
compatíveis com os diferentes sistemas sociais, econômicos e jurídicos,
contribuirá para a eliminação dos obstáculos jurídicos às trocas
internacionais e favorecerá o desenvolvimento do comércio internacional
(...)".
Não há como dizer, todavia, que de algum modo a convenção já não
sobreviva no sistema jurídico brasileiro. O artigo 77 da Convenção de
Viena, que indica o dever da parte de mitigar seu próprio dano, é uma
das referências metodológicas de nosso Código Civil como decorrência da
cláusula geral de boa fé prevista no art. 422 do Código Civil.
Outro aspecto importante está na adoção da arbitragem como forma de
solução básica de litígios, envolvendo partes situadas em países
diferentes, e a necessidade de um julgamento técnico e que leve em conta
aspectos culturais distintos, nas regras de direito comuns, de modo a
conferir segurança jurídica para as transações internacionais.
A convenção já está entre nós, devendo os profissionais estar aptos a lidar com ela
Além disso, são cada vez mais comuns cláusulas compromissórias em
contratos, abarcando empresas brasileiras, que indicam a Convenção de
Viena como a "regra de direito" a ser utilizada para a solução de
litígio em vez da lei nacional de cada uma das partes, que figura em uma
relação de compra e venda internacional de mercadorias, de acordo com o
art. 1º (1), b da Convenção de Viena e art. 2º, parágrafo 1º da Lei de
Arbitragem. Este é o maior exemplo de que a Convenção de Viena já está
entre nós, devendo os profissionais de direito estar aptos a lidar com
as suas regras.
O trâmite burocrático para a internalização da Convenção de Viena no
direito brasileiro teve início apenas em 2009, quando o Conselho de
Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) autorizou o Ministério
das Relações Exteriores (MRE) a encaminhar ao Congresso Nacional
proposta de adesão do Brasil à Convenção de Viena.
Desde então, já em 2010, a Presidência da República enviou ao
Congresso Nacional o texto da Convenção de Viena para aprovação
(mensagem nº 636/2010 in DOU de 5 de novembro de 2010).
Por fim, em 2011, no mês de março, foi aprovado pela Câmara dos
Deputados o texto da Convenção de Viena para adesão do Brasil ao
referido documento. A questão agora será analisada pelo Senado Federal,
local onde se aguarda com grande expectativa pela ratificação da decisão
da Câmara dos Deputados.
E se há alguma dúvida, além das vantagens de inserção no âmbito do
comércio internacional, o futuro está garantido. A participação de
jovens brasileiros em competições internacionais, envolvendo arbitragem e
a Convenção de Viena, é cada vez maior e com cada vez melhores
resultados.
O destaque a essa referida convenção também pode ser verificado no trabalho destacado do site CISG Brasil (www.cisg-brasil.net), com apoio do Comitê Brasileiro de Arbitragem (Cbar) e da Câmara de Comércio Brasil Canadá (CCBC).
Assim, do ponto de vista acadêmico, a estrutura intelectual para
ligar com a nova realidade que se avizinha está garantida, bastando o
Congresso brasileiro acelerar o seu passo para que a atividade econômica
brasileira ganhe mais um alento e possa se desenvolver ainda mais.
Luis Fernando Guerrero é advogado, sócio de Dinamarco, Rossi, Beraldo e Bedaque Advocacia
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