Depois de quase seis horas de julgamento, o Tribunal de Impostos e
Taxas (TIT) do Estado de São Paulo decidiu ontem aceitar os créditos do
ICMS de contribuintes que compram mercadorias de fornecedores
irregulares. Em sessão realizada com uma plateia lotada de advogados, os
juízes da Câmara Superior definiram que, para isso, o contribuinte
deverá comprovar sua boa-fé e que a compra da mercadoria ocorreu de
fato. "Se atender aos requisitos estabelecidos, a tendência é de o
crédito ser reconhecido", afirma o presidente do tribunal, José Paulo
Neves. O TIT é o órgão da Secretaria da Fazenda de São Paulo responsável
por julgar recursos de contribuintes contra autuações fiscais.
Reservada para análise do tema, a sessão de julgamento era esperada
por inúmeras empresas que tiveram créditos do imposto cancelados pelo
fato de seus fornecedores terem sido declarados inidôneos. Na maioria
dos casos, porém, a declaração foi feita após a aquisição das
mercadorias. Normalmente, o Fisco cobra o pagamento do imposto com
multas de até 150%, o que resulta em autuações milionárias.
Dez processos foram escolhidos pelo presidente do TIT para serem
analisados ontem. Dentre eles, havia recursos de grandes empresas, como
C&A e Magazine Luiza. As decisões criaram parâmetros para os
julgamentos sobre o mesmo tema na Corte administrativa, e poderá
orientar as futuras fiscalizações. O entendimento adotado poderá,
inclusive, ser transformado em uma súmula vinculante, segundo Neves.
De acordo com advogados, o posicionamento do TIT vai na linha do que
decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2010. Por meio de um
recurso repetitivo, os ministros definiram que o direito ao crédito deve
ser reconhecido quando comprovada a boa-fé do contribuinte. "As câmaras
[de julgamento] utilizarão os parâmetros do STJ, não necessariamente o
entendimento dele", afirma Luiz Fernando Mussolini Júnior, juiz do TIT.
De qualquer forma, tributaristas apontam que os recursos julgados
ontem formam um bom conjunto de precedentes para anular ou reduzir as
autuações fiscais. Até então, o entendimento não era uniforme. Havia
decisões no sentido de que o contribuinte tinha responsabilidade
objetiva sobre a infração, independentemente de ter ou não intenção em
contratar empresas irregulares. Nesses casos, provas não eram analisadas
e o crédito, cancelado.
"Há uma flexibilização do posicionamento do tribunal a favor do
contribuinte", afirma o advogado Eduardo Salusse, juiz do TIT. O
advogado Pedro Guilherme Lunardelli, do escritório que leva seu
sobrenome, concorda. "A preocupação agora é com a qualidade da prova. As
empresas devem arquivar e ter boa documentação para justificar a
manutenção do crédito", afirma Lunardelli, acrescentando que a maioria
de seus clientes tiveram créditos cancelados.
Os juízes reconheceram o direito a créditos do ICMS decorrentes de
operações com empresas declaradas inidôneas, desde que o adquirente das
mercadorias prove sua boa-fé, ou seja, que a operação ocorreu e o
fornecedor era regular na época da compra. Para isso, deverá apresentar o
comprovante de pagamento que demonstre a transação bancária entre o
comprador e o vendedor. "Duplicatas e cheques de terceiros não serão
considerados para reconhecimento do crédito", diz José Paulo Neves.
Além disso, é necessário demonstrar que houve consulta ao Sistema
Integrado de Informações Sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e
Serviços (Sintegra), por meio do qual é possível verificar se empresas
estão em situação regular. Segundo Neves, apenas em 20% dos processos
que tramitam no TIT há condições de a boa-fé ser comprovada. "Na maioria
dos casos, há fraude. A empresa é constituída para emitir nota fria",
diz o representante da Fazenda.
Dos dez casos analisados, os juízes determinaram a volta de nove
processos para reanálise das provas nas câmaras ordinárias de
julgamento. Para eles, não havia documentos suficientes para verificar
se havia ou não boa- fé de acordo com os parâmetros estabelecidos no
julgamento.
Por enquanto, a Barcode Informática foi a única empresa que conseguiu
se livrar da cobrança. Como suas provas já haviam sido analisadas com
profundidade na instância inferior, a maioria dos juízes decidiu anular o
auto de infração. "Nesse caso, ficou comprovada a regularidade das
operações", diz Neves.