Caso
as seguradoras da hidrelétrica de Jirau insistam em discutir o
pagamento de prejuízos causados à obra em março de 2011 (estimados entre
R$ 400 milhões e R$ 1,4 bilhão) na Inglaterra, terão de pagar uma multa
diária de R$ 400 mil, decidiu a 6ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo. Julgada na manhã desta quinta-feira
(19/4), a briga entre seguradoras e construtoras da hidrelétrica figurou
como uma disputa pela soberania entre as Justiças brasileira e inglesa.
A
Justiça inglesa havia decidido, a pedido das empresas de seguro, que as
construtoras da obra — Enesa, Camargo Corrêa e o consórcio Energia
Sustentável do Brasil — estariam proibidas de buscar a Justiça
brasileira, sob pena de prisão de seus diretores. Na decisão no TJ-SP,
porém, por dois votos a um, ficou decidido que as seguradoras, lideradas
pela SulAmérica, estão proibidas de movimentar o processo tanto na
Justiça britânica quanto na câmara arbitral britânica Arias, na qual
deram início ao processo de arbitragem.
A milionária queda de
braço gira em torno da validade de uma cláusula de arbitragem que consta
na apólice do seguro, mas que, segundo o voto do desembargador Paulo Alcides Amaral Salles, que foi acompanhado pelo do desembargador Vito José Guglielmi, não deve prevalecer.
A
defesa das seguradas se fundamenta na incompatibilidade lógica entre as
cláusulas 7 e 12 do contrato de seguro de riscos de engenharia.
Enquanto a primeira diz que “qualquer disputa nos termos desta apólice
ficará sujeita à exclusiva jurisdição dos tribunais do Brasil”, a
segunda diz que, “no caso do segurado e a seguradora não entrarem em
acordo sobre o montante a ser pago sob esta apólice (...), tal disputa
será encaminhada para um processo de arbitragem sob as regras de
arbitragem de Arias”.
Salles explica que a cláusula que define a
disputa em arbitragem “não goza da anuência expressa de uma das partes”,
e não segue o artigo 44 da Circular Susep 256/2004, que dispõe que a
cláusula deverá “estar redigida em negrito e conter a assinatura do
segurado, na própria cláusula ou em documento específico, concordando
expressamente com sua aplicação”.
O único voto dissonante foi do
desembargador Alexandre Lazzarini, que havia pedido vista do processo na
última semana. Vencido, Lazzarini afirmou que a cláusula de arbitragem
deveria ter validade. Contrário, porém, ao excesso da Justiça britânica,
que determinou a prisão de diretores das construtoras que buscassem o
Judiciário brasileiro, Lazzarini propôs que se fixasse uma multa diária
de R$ 1 milhão para cada uma das seguradoras (SulAmérica, Allianz,
Aliança, Mapfre, Itaú-Unibanco e Zurich Brasil) se algum dos diretores
das construtoras fosse preso por esse motivo. A proposta, porém, não foi
acatada.
No voto vencedor, do desembargador Salles, fica
explícito que a prevalência da cláusula relacionada ao Juízo Arbitral
não pode ser aceita como regra inflexível, prevalente sobre a vontade
das partes e ao próprio contrato. Ele explica também que não se pode
aceitar que a Justiça britânica impeça brasileiros de lutarem por seus
direitos “principalmente quando estamos a tratar de empresas
brasileiras, dirigidas por brasileiros, que contratam brasileiros e
realizam obra em território brasileiro”.
Segundo o advogado Ricardo de Carvalho Aprigliano,
a decisão proferida abre caminho para que as partes entrem em acordo
sobre a melhor forma de discutir a indenização a ser paga pelo seguro da
hidrelétrica. O julgamento, que o advogado diz ter sido corretíssimo,
cria dois efeitos imediatos: interromper toda e qualquer discussão na
Inglaterra — arbitral e judicial — e fazer com que a decisão que ameaça a
liberdade dos diretores das construtoras caia por desistência dos
seguradores. A decisão, porém, não define como será feita a discussão,
abrindo margem, inclusive, para que seja em arbitragem no Brasil.
O advogado da Energia Sustantável do Brasil, Ernesto Tzirulnik,
ao comentar a decisão desta quinta-feira, disse que “o Judiciário
brasileiro está finalmente construindo — e é o Judiciário paulista quem
faz isso — um regime de controle e constitucionalização das operações de
seguro, que são extremamente relevantes para o desenvolvimento do
país”.
Incêndio criminoso
O incidente que resultou no prejuízo discutido ocorreu entre os dias 15 e
16 de março deste ano, quando em um quadro surrealista trabalhadores
entraram em conflito seguido de incêndios e destruição no canteiro de
obras da hidrelétrica em Rondônia, que é parte do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC). Jirau está sendo construída com financiamento do
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que
injetou cerca de R$ 3,6 bilhões com verbas do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT).
Aproximadamente 50 ônibus foram incendiados e
metade dos alojamentos dos 20 mil funcionários que moravam no local foi
atingida pelo fogo. Houve saques em lojas, bancos e lanchonetes no
local. Relatório da Polícia de Rondônia conclui que os prejuízos foram
causados por um grupo de operários sem compromisso com a classe.