Uma
decisão recente anulando um auto de infração do Fisco paulista reaviva a
discussão sobre a possibilidade de a Fazenda pública ter acesso a
informações de contribuintes sem passar pelo Judiciário. O caso envolveu
os serviços prestados por operadoras de cartões de crédito — assunto
que aguarda definição no Supremo Tribunal Federal. Na sentença, o juiz
afirma ser ilegal a lavratura de auto de infração com base apenas nas
informações prestadas pelas operadoras.
“O Fisco não pode tomar
qualquer ingresso do contribuinte como receita tributável”, disse o juiz
Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo,
em sentença de fevereiro que anulou um
Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) aplicado a uma
microempresa de comércio. Segundo ele, para a Fazenda autuar a empresa
Ana Carolina Almeida Silva ME, precisaria antes instaurar um processo
administrativo ou procedimento fiscal e confrontar informações obtidas
junto às operadoras de cartão de crédito e débito com outros dados,
“apresentando a regularidade dos ingressos, pagamentos e investimentos
que demonstrem padrão de receita superior ao declarado”.
A Fazenda
autuou a empresa após verificar conflito entre as informações
fornecidas por administradoras de cartões de crédito e as que foram
prestadas pela empresa em declarações. As operações fiscalizadas
compreendiam o período de maio de 2007 a dezembro de 2008. Após a
análise dos dados, o Fisco concluiu pela aplicação de multa e
reconhecimento de uma dívida de ICMS.
A empresa, representada pelo advogado Périsson de Andrade,
do escritório Périsson Andrade Advocacia Empresarial, alegou que não
forneceu esclarecimentos ao Fisco porque o prazo concedido de dez dias
para manifestação era muito curto, se levado em consideração o número e a
complexidade das informações. Segundo ele, o fornecimento dos dados
seria possível se a Fazenda tivesse aberto processo administrativo, já
que, neste caso, abre-se prazo de 30 dias para resposta.
No pedido
de anulação do auto na Justiça, Andrade alegou que as informações
obtidas pela Fazenda eram insuficientes e conseguidas de forma
ilegítima, e que a obtenção dos informes, sem autorização judicial
prévia, violou garantia constitucional de intimidade e de sigilo
bancário.
O juiz Randolfo de Campos concluiu que, embora o Fisco
tenha acessado os dados fornecidos pelas administradoras dos cartões,
como disciplina a Portaria CAT-87, deixou de instaurar processo
administrativo e cumprir o script previsto no artigo 144, caput, do
Código Tributário Nacional. Para o juiz, a autuação só seria legítima se
tivesse confrontado livros e registros das operadoras com os da
empresa.
A Lei 10.174/2001, que alterou a Lei 9.311/1996, passou a
facultar à Secretaria da Receita Federal que se utilizasse de
informações das operadoras de cartões para instaurar procedimento
administrativo e verificar a existência de crédito tributário relativo a
impostos e contribuições. Para o juiz, no entando, a validade do
dispositivo pode ser colocada em dúvida, “pois o CTN, norma geral de
Direito Tributário, no seu artigo 197, inciso II, exigia intimação
escrita, dando a entender que a prestação de informações teria de se dar
caso a caso”.
Para o advogado Périsson de Andrade, a decisão é
importante por chamar a atenção para o que vem se tornando uma prática
do Fisco paulista. “É relevante, tendo em vista que o volume de
autuações ainda é grande e as informações de cartão de crédito também
vêm sendo usadas para desenquadrar muitas empresas do Simples. A decisão
também mostra que o Fisco estadual continua agindo contrário ao que a
Justiça já considerou ilegal.”
Segundo ele, o volume de autuações
dessa natureza deve aumentar devido à publicação da Portaria CAT
154/2011 pela Secretaria de Fazenda do estado. A norma instituiu sistema
eletrônico de transmissão de informações das operadoras de cartão para o
Fisco, o que facilita o cruzamento de dados.
Cartão vermelho
O caso da microempresa foi um entre milhares que foram autuadas na
operação Cartão Vermelho, do Fisco paulista. Em 2007, a Fazenda, por
meio da Portaria CAT 87/2006, solicitou às administradoras de cartão de
crédito e débito o envio dos registros de operações. Com base nestas
informações, o Fisco detectou a ocorrência de diferenças no recolhimento
do ICMS de 93,6 mil empresas, somente em 2006.
Para o advogado
Périsson de Andrade, a operação é inconstitucional, pois infringe o
sigilo bancário sem ordem judicial prévia. Segundo ele, a Lei
Complementar 105/2001, na qual o Fisco se baseia, somente autoriza a
quebra do sigilo dentro de um processo administrativo prévio, que por
sua vez só pode ser aberto quando constatados indícios suficientes. “A
operação Cartão Vermelho notifica para depois instaurar o processo
administrativo, sem qualquer outra diligência ou fiscalização efetiva”,
diz.
Leia aqui a íntegra da decisão.