A
7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que o fisco
pode quebrar sigilo fiscal sem a prévia autorização judicial quando há
processo administrativo-fiscal contra o contribuinte. Os
desembargadores mantiveram a
condenação de um empresário de Toledo, no Paraná, acusado de deixar de
contabilizar depósitos em suas contas bancárias, causando divergência
sobre os valores que apuraram a incidência do Imposto de Renda Pessoa
Jurídica. Os desembargadores não aceitaram o argumento da defesa de que
houve quebra de sigilo fiscal e obtenção ilícita de provas.
O
relator da Apelação na 7ª Turma, desembargador federal Élcio Pinheiro
de Castro, disse que não há, no sistema constitucional brasileiro,
direitos ou garantias individuais de caráter absoluto. As liberdades
públicas estabelecidas no artigo 5º da Constituição, frisou, devem ser
interpretadas à luz do princípio da razoabilidade, devendo ceder quando
está em jogo, principalmente, o interesse público.
"O sigilo
bancário e/ou fiscal — extensão do direito à vida privada estabelecida
no inciso X do referido dispositivo legal — também deve submeter-se a
esse regramento, sob pena de ocorrer indevida supremacia do interesse
particular frente ao coletivo’’, esclareceu.
Em apoio ao seu arrazoado, o desembargador federal citou, ipsis literis, as
disposições do artigo 6º. da Lei Complementar 105/01: ‘‘As autoridades e
os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e
registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas
de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo
administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, e tais exames
sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa
competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os
documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo,
observada a legislação tributária.’’
Assim, para o relator, no
caso analisado, inexiste ilicitude, pois a documentação bancária
constante dos autos foi obtida pela Receita Federal no curso do
procedimento administrativo-fiscal previamente instaurado, com apoio no
artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, regulamentado pelo Decreto
3.724/2001. "A aludida legislação permite ao fisco operar sem prévia
autorização judicial, inclusive retroativamente, tendo em vista seu
caráter instrumental", frisou o julgador.
Conforme denúncia
oferecida pelo Ministério Público Federal, o empresário paranaense e seu
irmão, que são sócios em uma empresa de reciclagem de materiais, deixaram de contabilizar depósitos em suas contas bancárias nos anos de 2004 e 2005. No
ano de 2004, o fisco federal constatou créditos bancários no montante
de R$ 2.830.041,34, enquanto a receita declarada para fins de Imposto de
Renda foi de R$ 328.793,26. Em 2005, os créditos bancários chegaram ao
montante de R$ 2.918.166,20. A empresa também deixou de informar as
contas bancárias nas quais foram apurados os depósitos emitidos,
pertencentes ao Bradesco, Banco do Brasil e Sicoob Oeste.
Segundo apurou a Receita Federal, houve omissão de
receitas da ordem de R$ 2.501.248,08 no ano de 2005. Com isso, a
empresa deixou de pagar tributos no valor de R$ 469.340,86 no ano de
2004 e de R$ 316.285,73 no ano de 2005.
Ambos foram
denunciados por suprimir, de forma consciente, o pagamento de tributos,
mediante omissão de fatos geradores, à autoridade fazendária. Conforme o
parquet federal, eles incorreram por duas vezes nas sanções
legais do artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137/90, cumulada com os artigos
29 e 71 do Código Penal.
O juiz federal substituto Aloysio
Cavalcanti Lima, da Vara Federal de Toledo (PR), absolveu o irmão do
empresário. Ficou provado que ele apenas emprestara o nome para a
sociedade, não tendo nenhuma responsabilidade sobre os fatos. O
empresário titular, entretanto, foi incurso no artigo 1º, inciso I, da
Lei 8.137/90 — crime de supressão ou redução de tributos por omissão de
informações às autoridades fazendárias.
O empresário foi condenado
a dois anos e 11 meses de reclusão, em regime inicial aberto, além de
15 dias-multa, no valor unitário de meio salário-mínimo vigente à data
do fato. Uma vez presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a
privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de
direitos, consubstanciadas em prestação de serviços à comunidade, e
pecuniária, arbitrada em 15 salários-mínimos. O juiz deixou de fixar o
valor mínimo do dano, pois o tributo sonegado já é objeto de cobrança
mediante Ação de Execução Fiscal.
Após a publicação da sentença,
o empresário interpôs Apelação junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª
Região. Em síntese, sustentou a nulidades das provas que o levaram a
incriminá-lo. Afinal, a quebra do seu sigilo fiscal não foi autorizada
pela Justiça e, por isso, feriu direito fundamental assegurado pela
Constituição.
Ao analisar o mérito, embora não tenha sido objeto
de apelo, o relator da apelação disse que a materialidade do delito
restou comprovada pelos vários documentos anexados ao processo. A
omissão dos depósitos bancários significou uma redução de tributos
(Imposto de Renda Pessoa Jurídica, PIS, Cofins e CSLL) no total de R$
469.340,86 em 2004 e de R$ 316.285,73 em 2005.
Para o
desembargador, a autoria também se revelou incontroversa. No ponto,
destacou que o denunciado, embora negando em juízo a prática da infração
penal, foi o responsável pelas declarações "a menor" de suas rendas nos anos-calendários de 2004 e de 2005. "No que pertine ao dolo, vislumbra-se a presença do animus de fraudar o fisco mediante a omissão contraposta à exigência legal de declarar os rendimentos realmente percebidos."
Pelo
conjunto dos fatos, votou por negar provimento à apelação e, de ofício,
reduziu as penas privativas de liberdade e de multa. O entendimento foi
seguido, à unanimidade, pelos demais integrantes da Turma reunidos na
sessão de julgamento: desembargador Márcio Antônio Rocha e juiz federal
Artur César Souza.
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