A
Suprema Corte do estado de Vermont, nos Estados Unidos, anulou a
condenação de um homem acusado de molestar sexualmente uma criança, por
causa de um problema da "era da informação": durante os dias do
julgamento, um jurado fez pesquisas na internet sobre a cultura do povo
banto, ao qual pertence o imigrante somaliano Ali Abdi, que foi
condenado, e compartilhou as informações com os demais membros do júri.
Por unanimidade, os cinco ministros da corte decidiram que o réu merece
novo julgamento, porque jurados não podem ser influenciados por qualquer
informação obtida fora do plenário, antes ou durante o julgamento.
O
uso da internet pelos jurados, durante os dias de julgamento, "está
fazendo um estrago no tribunal do júri", dizem os juízes americanos,
porque os jurados têm acesso à informações sobre o caso ou sobre fatos
relacionados a eles de outras fontes, que não as convencionais de uma
sala de julgamento. "Não podemos ignorar a realidade da era da
informação, mas é necessário tomar medidas acauteladoras, além das
advertências verbais que os tribunais fazem aos jurados", para impedir
que informações externas influenciem o veredicto dos jurados", dizem os
ministros da Suprema Corte de Vermont. Eles sugerem que a Justiça do
estado adote as instruções específicas efetivadas pelo Colorado
(abaixo).
No caso de Vermont, a Corte determinou que a cultura do
réu exerceu um papel significativo em sua condenação. Abdi foi preso e
condenado por supostamente molestar sexualmente uma menina de nove anos,
depois que os idosos da comunidade somaliana de Burlington, todos
descendentes do povo banto, o entregaram à polícia.
O líder da
comunidade, o mais velho, explicou no tribunal a cultura e a fé
muçulmana de seu povo. Ele disse que a acusação de uma criança é
insuficiente como prova. Por isso, os mais velhos se reúnem com o
acusado e lhe perguntam por três vezes se cometeu o crime. Se negar
todas as vezes, ele terá de fazer um juramento sobre o Corão, o livro
sagrado dos muçulmanos, junto com sua mulher e outros adultos da
família. Um juramento falso resultaria em desgraça sobre todos eles.
Abdi respondeu "não", por duas vezes. Na terceira, disse "sim" — segundo
a defesa, para evitar problemas para a família. A médica que examinou a
menina, testemunhou que não encontrou qualquer prova de abuso sexual.
Mas explicou que, em casos de vítimas muito jovens, o abuso sexual pode
não apresentar sintomas físicos.
Um jurado revelou,
posteriormente, que um colega de júri apresentou a todos o resultado de
suas pesquisas sobre a cultura do povo banto. Todos os 12 jurados foram,
então, interrogados por um juiz. A maioria negou ter sido influenciada
pela apresentação do colega. Mas um jurado disse que a apresentação lhe
pareceu destinada a dar respaldo ao posicionamento daquele colega sobre o
caso. Um tribunal de recursos rejeitou o pedido do advogado do réu para
anular o julgamento. Reconheceu a irregularidade, mas decidiu que os
elementos trazidos de fora do tribunal do júri por um dos jurados, nesse
caso, não eram suficientemente fortes para influenciar todos os
jurados.
Os ministros da Suprema Corte discordaram: "Se a
imparcialidade de apenas um único jurado sofre influência de informações
externas, o réu é privado de seu direito a um júri imparcial." Para
eles, também é o bastante demonstrar que a informação externa tem a
capacidade de influenciar o resultado do julgamento, não que isso
realmente ocorreu.
O ponto mais importante, segundo a Suprema
Corte, é que as informações obtidas fora do plenário do tribunal do júri
violam o direito constitucional do réu de um julgamento justo. "Somente
são aceitas as provas apresentadas no plenário do tribunal do júri,
onde a proteção judicial dos direitos do réu é garantida, através do
advogado de defesa, dos interrogatórios e das acareações", escreveram.
Os
ministros citaram trechos da jurisprudência: "A exigência de que o
veredicto de um júri se baseie em provas apresentadas durante o
julgamento garante a integridade fundamental de tudo o que envolve o
conceito constitucional do tribunal do júri. Qualquer consideração pelo
júri de fatos obtidos fora do plenário fere os direitos constitucionais
do réu. Em um caso criminal, provas obtidas externamente privam o réu da
oportunidade de estar presente, quando tais provas são apresentadas, de
ser representado por uma advogado durante a apresentação da prova, que
pode interrogar testemunhas que apresentam provas, refutar a prova com
uma contraprova, colocar a prova em perspectiva para os jurados,
questionar a prova frente aos jurados ou requisitar ao juiz que dê
instruções aos jurados sobre como considerar a prova".
Instruções para o Júri do Colorado, de acordo com o site da Suprema Corte de Vermont
Como jurado, sua função é decidir esse caso somente com base nas provas
apresentadas durante o julgamento e nas instruções que o juiz vai lhe
dar. Você não é um investigador ou pesquisador, assim você não deve ler
ou usar qualquer outro material de qualquer tipo para obter informações
sobre o caso ou para ajudar você a decidir o caso. Essa proibição se
aplica, por exemplo, a dicionários, publicações médicas, científicas ou
técnicas; livros ou materiais religiosos; livros de Direito; e a
internet. Queremos enfatizar que você não deve buscar ou receber
qualquer informação sobre esse caso na Internet ou pela Internet, o que
inclui o Google, a Wikipédia, os blogues e quaisquer outros websites.
Se
você violar esta regra, por receber informações externas sobre o caso,
você pode me forçar a declarar o julgamento nulo, o que significa que o
julgamento tem de recomeçar com um júri diferente e o trabalho de todas
as partes, meu trabalho, seu trabalho nesse julgamento seria
desperdiçado.
Portanto, é muito importante que você não receba
informações externas sobre este caso, seja por intermédio de outras
pessoas, da imprensa, de livros ou outras publicações e da internet.
Você pode usar a internet, mas apenas para propósitos não relacionados
com este caso. Não faça pesquisa ou receba qualquer informação sobre as
partes, os advogados, as testemunhas, o juiz, as provas que lhe serão
apresentadas ou qualquer lugar ou locação mencionados durante o
julgamento. Não pesquise a lei. Não procure o significado de qualquer
palavra ou termos científicos ou técnicos usados durante o julgamento.
Se necessário, o juiz lhe fornecerá definições de palavras ou termos,
antes do júri iniciar suas deliberações.
Você também não tem
permissão para visitar qualquer lugar envolvido neste caso. Se,
normalmente, você passa por um desses lugares, você deve tentar um
caminho diferente, até que o juiz lhe diga que seu serviço de jurado
terminou. Se você não puder tomar um outro caminho, você não deve parar
ou tentar coletar informações sobre aquela localidade.
Até que o
juiz declare que seu serviço de jurado terminou, não se comunique com
ninguém, incluindo familiares e amigos, sobre as provas ou questões do
caso. Essa proibição se aplica a todas as formas de comunicação,
incluindo conversações pessoais, comunicações por escrito, por telefone
ou por telefone celular e comunicações eletrônicas, através de qualquer
dispositivo. Por exemplo, você não pode se comunicar sobre o caso por
e-mail, mensagens de texto, Twitter, blogues ou mídia social, como o
Facebook.
Quando o tribunal não estiver em sessão, você pode se
comunicar sobre assuntos não relacionados a este caso. Você pode avisar
os outros que está em um júri e que não pode falar sobre o julgamento,
até que ele termine, e pode lhes informar sobre a previsão do término do
julgamento, mas não lhes diga o que quer que seja sobre o caso. Se
alguém tentar se comunicar com você sobre qualquer coisa relativa ao
caso, você deve interromper a comunicação imediatamente e notificar o
funcionário do tribunal, que comunicará o fato ao juiz.