A Emenda Constitucional nº 62, de 2009 deu nova redação ao artigo 100
da Constituição Federal. Foram incluídos os parágrafos 9º e 10º, que
possibilitaram a compensação de débitos tributários com precatórios.
De acordo com o parágrafo 9º, "no momento da expedição dos
precatórios", a Fazenda Pública será intimada a prestar informações
sobre eventuais débitos tributários do credor do precatório. Havendo
débitos, estes serão compensados com o valor do precatório. Dessa forma,
o precatório será expedido somente com o saldo remanescente, se
existente, é claro.
À luz do texto constitucional vigente, a compensação tornou-se
obrigatória, ou seja, ela independe da manifestação de vontade do
contribuinte e pode ocorrer mesmo contra a vontade deste.
Por esse e outros motivos, já tramita perante o Supremo Tribunal
Federal uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.357/DF), por
meio da qual o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e
outros legitimados pugnam pela declaração de insconstitucionalidade da
EC nº 62. O relator da ação, ministro Ayres Britto, em sessão realizada
no dia 6 de outubro, apresentou voto julgando a ação parcialmente
procedente. Para o ministro, os parágrafos 9º e 10º são
inconstitucionais. Dentre os argumentos apresentados, Ayres Britto
consignou que a jurisprudência do STF é "firme no sentido de vedar o
uso, pelo Estado, de meios coercitivos indiretos de cobrança de tributo"
(Súmulas 70, 323 e 547), tendo em vista que "a Fazenda Pública dispõe
de outros meios igualmente eficazes para a cobrança de seus créditos
tributários e não tributários". O julgamento da ADI 4.357/DF foi
interrompido em razão do pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Essas mudanças sobre precatório só acabam por postergar o pagamento da dívida
A despeito da potencial inconstitucionalidade da EC nº 62, foi
editada a Lei nº 12.431, de 2011, que, dentre outros motivos, veio para
regulamentar os parágrafos 9º e 10º, do artigo 100, da Constituição
Federal de 1988.
Analisando a legislação, é possível verificar que além de não poder
optar por não efetuar a compensação, o contribuinte também não pode
selecionar os débitos tributários que serão liquidados. O que pode ser
feito é excluir da compensação os débitos cuja exigibilidade esteja
suspensa (ressalvado o parcelamento) e aqueles cuja execução fiscal
esteja suspensa em razão de embargos do devedor recebidos com efeito
suspensivo, ou em virtude de outra espécie de contestação judicial que
confira efeito suspensivo à execução (CF - artigo 100, parágrafo 9º, Lei
nº 12.431, artigo 30, parágrafos 1º e 2º).
O problema é que, não raras vezes, constam dos sistemas da Receita
Federal débitos tributários que o contribuinte sequer tem conhecimento.
E, havendo razões para querer contestar tais débitos, a única
alternativa para o contribuinte é promover ação autônoma (Lei nº
12.431/2009, artigo 31, parágrafo 2º).
Diante desse contexto, pode surgir o problema de a compensação ser
feita com débitos tributários que depois venham a ser anulados pelo
Poder Judiciário. Nessa situação, pergunta-se: qual é a saída para o
contribuinte? Promover ação de repetição de indébito e tentar requisitar
novamente o precatório? Isso não poderia se tornar um ciclo vicioso?
Outro ponto que vale destacar é a previsão do artigo 43, Lei nº
12.431 que diz: "O precatório federal de titularidade do devedor,
inclusive aquele expedido anteriormente à Emenda Constitucional nº 62,
de 9 de dezembro de 2009, poderá ser utilizado, nos termos do art. 7º da
Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009, para amortizar a dívida
consolidada".
Para regulamentar referido dispositivo, as autoridades fazendárias
expediram a Portaria PGFN/RFB n° 9, de 19/10/2011. Essa portaria trata
do procedimento a ser adotado pelo titular do precatório para amortizar o
saldo do parcelamento. Todavia, o parágrafo 1°, do artigo 1°, da
Portaria, reza que "considera-se titular do precatório o credor
originário". Em outros termos, o cessionário de precatório não poderia
promover à amortização do saldo do parcelamento.
A nosso ver, no entanto, essa restrição não prospera, porque é ilegal e inconstitucional.
É ilegal porque na Lei nº 12.431 não há nenhuma disposição que
sinalize que o titular do precatório é, para fins da compensação,
somente o credor originário. Em suma, a portaria criou restrição não
prevista na lei federal, o que não é possível, considerando a
prevalência da primeira sobre a segunda.
A inconstitucionalidade, por sua vez, é constatada a partir da
análise do parágrafo 13, do artigo 100, da Constituição Federal, que
confere ao cessionário a mesma condição do credor originário, ressalvado
o disposto nos parágrafos 2º e 3º do citado artigo. E esses dois
parágrafos não tratam da compensação, mas sim dos privilégios dos
créditos de natureza alimentar e dos de pequeno valor.
Se a Constituição não ressalvou a aplicação dos parágrafos 9º e 10 ao
cessionário - o que poderia ter sido feito no parágrafo 13 - essa
restrição não poderia ser feita por uma portaria, ou mesmo por uma lei
federal, ante a supremacia das disposições constitucionais.
O tema ora analisado é muito recente e polêmico, sendo certo que
muitas discussões bateram às portas do Poder Judiciário. O fato é que
todas essas confusas mudanças na Constituição e na legislação a respeito
do regime do precatório só acabam por postergar ainda mais o pagamento
da dívida do Estado.
Eduardo Diamantino e Cláudio Lopes Cardoso Jr. são tributaristas do Diamantino Advogados Associados
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