CDC não pode ser aplicado para restringir direito do consumidor
As regras do Código de Defesa do Consumidor
se aplicam em consórcios somente às relações jurídicas entre o
consorciado e a administradora, pois o CDC serve para proteger o
consumidor e não pode ser usado para restringir o seu direito. O
entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Diante
da frágil situação econômica de um consórcio de automóveis, o Banco
Central interveio e ordenou o leilão do grupo a outra administradora de
consórcios. Porém, os prejuízos do consórcio seriam divididos entre os
consorciados, inclusive os que já haviam quitado os contratos. Foi nesse
contexto que um cliente ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de
obrigação pedindo a exclusão de seu nome de cadastros de inadimplência –
por não ter pago o débito gerado pela empresa.
Embora o cliente
já houvesse quitado o contrato, um débito de pouco mais de R$ 4 mil foi
gerado. Por não ter sido pago, motivou a inscrição do nome do cliente
em cadastros de inadimplentes. A sentença foi favorável, e o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG) negou provimento à apelação da
administradora que adquiriu o antigo consórcio, entendendo que
obrigações não podem ser impostas depois de o cliente ter pago
integralmente o valor do consórcio.
Irresignado, o consórcio
recorreu ao STJ, explicando que a modificação das condições do contrato
foi necessária para equiparar todos os consumidores que aderiram, sem
privilegiar os que quitaram as parcelas antes (de acordo com o artigo
6º, parágrafo V, do CDC).
Tanto o ministro Massami Uyeda,
relator, quanto o ministro Sidnei Beneti, que inaugurou divergência,
consideraram impossível analisar o caso sob a ótica da violação do CDC.
Para o relator, a matéria não foi prequestionada, e para o ministro
Sidnei Beneti, o recurso especial “nem mesmo conseguiu indicar algum
dispositivo de lei federal violado”.
Porém, enquanto o relator
aplicou ao caso os princípios da função social dos contratos e da boa-fé
objetiva, o ministro Beneti considerou esses princípios inaplicáveis.
Prequestionamento
Depois
da divergência, a ministra Nancy Andrighi pediu vista. Para ela, o
prequestionamento também ocorre nas hipóteses em que o tribunal estadual
decide expressamente que determinada norma não se aplica, como foi no
caso em questão.
Quanto ao mérito, a ministra explicou que, para
falar da aplicabilidade do CDC, é preciso separar as relações jurídicas
entre os consorciados e a administradora das relações entre cada
consorciado e o grupo de consórcio. Para ela, antes de proferir decisão
sobre a matéria, é necessário definir a qual dos dois grupos o caso diz
respeito.
Segundo a ministra, o CDC é aplicável aos negócios
jurídicos realizados entre empresas administradoras de consórcios e seus
consumidores, pois o papel exercido por elas na gestão dos contratos
lhes confere a condição de fornecedoras. Entre as funções da
administradora estão “a captação, seleção e aproximação dos integrantes
do grupo, a gestão do fundo pecuniário e a concessão das cartas de
crédito”.
Por outro lado, existe a figura do consumidor, seja a
pessoa física ou jurídica que adquire a cota do consórcio, seja um grupo
consorciado – clientes de uma mesma administradora. Segundo a Lei
11.796/08 – que dispõe sobre o sistema de consórcio –, o contrato de
participação em grupo de consórcio é “de adesão”, e cabe à
administradora fixar as suas condições. Por isso a vulnerabilidade do
consumidor e a necessidade da aplicação do CDC.
Porém, na
relação entre os consorciados e o grupo de consórcio não se aplica o
CDC, “afinal, o grupo de consórcio representa nada mais do que a
somatória dos interesses e direitos da coletividade dos consorciados”.
Nesse caso, outros dispositivos legais devem ser aplicados, já que a lei
consumerista não se aplica.
Direito alheio
No
caso em questão, a administradora pede a aplicação do artigo 6º,
parágrafo V, do CDC – que disciplina um direito do consumidor – para
restringir o direito do consorciado à sua desvinculação do contrato com a
quitação do preço inicialmente acordado.
O argumento é de que a
administradora estaria atuando não na defesa de interesse próprio, “mas
também em prol dos interesses dos demais consumidores que aderiram
àquele mesmo grupo de consórcio”, pois seria injusto liberar a dívida
dos que já haviam quitado o contrato, deixando todo o débito para os
poucos consorciados que ainda não o haviam quitado.
“Há dois
problemas, contudo, nessa conduta”, asseverou a ministra. Primeiro,
ninguém pode pleitear direito alheio, a não ser quando autorizado por
lei. Logo, a defesa de interesses jurídicos alheios pela empresa é
irregular, uma vez que não há lei que a autorize. Na verdade, muitos dos
consorciados supostamente defendidos pela empresa estão com processo
contra ela.
“A única conclusão possível”, disse a ministra Nancy
Andrighi, “é a de que a administradora atua em defesa de direito
próprio, ainda que haja, para os demais consorciados, interesse na
solução do litígio”.
Aplicação do CDC
Em
segundo lugar, ainda que a empresa pudesse atuar em nome dos
consorciados, ela assumiria a mesma posição jurídica deles. Logo, como o
CDC não é aplicável nas relações jurídicas entre consorciados, a
empresa não poderia invocar esse dispositivo na hipótese em que atua
substituindo os consorciados.
No caso, porém, a administradora
exerce direito próprio, e o CDC não pode ser aplicado em face da sua
condição de fornecedora de serviço. “Não é possível invocar essa norma
para a restrição do direito do consumidor à regular quitação de um
contrato, após o pagamento integral das respectivas prestações, cobradas
conforme haviam sido inicialmente contratadas”.
Quanto à
aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos
contratos, a ministra Nancy Andrighi concordou com o posicionamento do
ministro Sidnei Beneti, no sentido de que não podem ser observados pois
não houve impugnação da matéria quanto a esse assunto.
Com a retificação de votos dos ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti, a decisão da Terceira Turma foi unânime.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104177
14/12/2011 |