ESPECIAL
As organizações não governamentais, segundo a jurisprudência do STJ
As notícias envolvendo suspeitas de
irregularidades na execução de convênios pelas organizações não
governamentais (ONGs), tanto na área federal como nas esferas estadual e
municipal, colocam em primeiro plano o debate sobre as relações dessas
entidades com o Estado e a função que elas devem desempenhar na
sociedade.
O tradicional papel de assistência à população e
defesa de interesses sociais está em xeque, quando a idoneidade das
organizações civis passa a ser questionada por suspeitas de má
utilização das verbas públicas que lhes são confiadas.
A
situação reclama novas regras, que tragam mais clareza sobre o terceiro
setor e permitam aperfeiçoar o controle de sua atuação. Enquanto novas
diretrizes legais não são aprovadas, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) julga os casos que lhe são apresentados de acordo com a legislação
vigente e a Constituição.
Um olhar sobre a jurisprudência da
Corte mostra como vêm sendo tratados casos de corrupção, isenção de
impostos, responsabilidade civil e penal envolvendo essas instituições.
Fundações e associações
De
acordo com o atual Código Civil, a fundação é uma pessoa jurídica de
direito privado. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por
escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres,
especificando o fim a que se destina de forma permanente. “A fundação
somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou
de assistência” (CC, artigo 62). O patrimônio, portanto, é a exigência
primordial para a criação do estatuto de uma fundação. As fundações
podem ser constituídas por indivíduos, empresas ou pelo poder público.
As
associações, por sua vez, também são pessoas públicas de direito
privado. O Código Civil (artigo 53) define a entidade como a união de
pessoas que se organizam para fins não econômicos. Todavia, não há
vedação legal ao desempenho de atividades econômicas pela associação,
desde que caracterizado como meio para atendimento de seus fins.
A
Constituição garante o direito à livre associação, salvo algumas
exceções. A finalidade da associação, diferentemente do que ocorre com a
fundação, pode ser alterada. A existência de patrimônio também não é
exigida quando da criação de uma associação.
O Ministério
Público é o órgão que acompanha as atividades das fundações e
associações. No entanto, o controle das fundações é mais rígido,
existindo, inclusive, a obrigação anual de remessa de relatórios
contábeis e operacionais.
Na sequência, algumas decisões do STJ envolvendo essas entidades.
Má-fé contra idosos
A
Fundação Assistencial e Seguridade Social dos Empregados da Companhia
Energética do Rio Grande do Norte (Fasern) recebeu multa por agir de
má-fé ao contestar, em ação rescisória, direitos reconhecidos aos idosos
desde 1994. A decisão é da Segunda Seção, em julgado de outubro deste
ano.
Os ministros entenderam que a fundação tentou induzi-los a
erro, obstar o andamento processual e adiar injustificadamente a
realização dos direitos de complementação de aposentadoria dos idosos.
“Tentar postergar, injustificadamente, a realização do direito de
pessoas nessas condições é, para além de reprovável do ponto de vista
jurídico, especialmente reprovável do ponto de vista moral”, afirmou a
ministra Nancy Andrighi, relatora do processo.
A Fasern foi
condenada em multa de 1% sobre o valor da causa, além de perder o
depósito de 5% exigido para dar início à ação rescisória. Os honorários
da rescisória foram fixados em R$ 50 mil. O benefício questionado pela
fundação corresponde a, pelo menos, R$ 923 mil em valores de 2006 – mas
há divergência das partes sobre esse montante.
A relatora
apontou que a Fasern tentou questionar fatos reconhecidos como
incontroversos na ação original, para induzir os ministros da Segunda
Seção a erro. “O manejo de ação rescisória sem a demonstração da
pacificação da jurisprudência do Tribunal Superior em sentido contrário
ao do julgamento e, mais, na hipótese em que a jurisprudência caminhou
no mesmo sentido do acórdão recorrido, com distorção de situações de
fato, é medida de má-fé”, fixou a ministra.
Escândalo
Em
fevereiro deste ano, o ministro Hamilton Carvalhido (já aposentado)
negou seguimento a recurso da Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência
(Fateciens, antiga Fatec), do Rio Grande do Sul, que pretendia reverter a
indisponibilidade de seus bens, decretada em razão de provável
envolvimento no escândalo do Departamento de Trânsito (Detran) gaúcho.
De
acordo com as investigações – que levaram à abertura de processos
contra várias autoridades estaduais, entre elas a ex-governadora Yeda
Crusius –, cerca de R$ 44 milhões em recursos públicos teriam sido
desviados em fraudes nos contratos entre o Detran e duas fundações
ligadas à Universidade Federal de Santa Maria. O Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF4), sediado em Porto Alegre, determinou a
indisponibilidade dos bens móveis e imóveis da Fateciens, inclusive de
suas contas bancárias.
“As fundações foram utilizadas como
veículo para a prática das supostas irregularidades, e, embora não haja
prova de que tenham auferido vantagens financeiras, ficou evidenciado
que foram utilizadas como meio para repassar vantagens indevidas a
empresas privadas e pessoas físicas”, afirmou a decisão do tribunal
regional.
O relator do recurso, ministro Hamilton Carvalhido,
negou seguimento ao apelo porque a decisão do TRF4 não discutiu os
dispositivos supostamente violados. Além disso, o ministro considerou
que nem todos os fundamentos da decisão do TRF4 foram questionados, o
que seria indispensável para o julgamento do recurso.
Morte de menor
A
Primeira Turma do STJ manteve a condenação, em caráter definitivo, da
antiga Febem-SP por morte de interno. A Fundação Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa) – antiga Fundação do
Bem-Estar do Menor (Febem) de São Paulo – havia sido condenada a pagar
indenização por danos morais à mãe de um interno que morreu vítima de
queimaduras graves quando cumpria medida socioeducativa na instituição. A
decisão do STJ rejeitou os argumentos expostos em agravo regimental
apresentado pela fundação. A instituição pretendia reverter a obrigação
de indenizar.
Em setembro de 2003, a fundação e a Fazenda foram
condenadas, em primeira instância, a pagar danos morais, fixados em 100
salários mínimos. Ambas recorreram, tendo o Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJSP) excluído a Fazenda do processo, por ilegitimidade passiva,
isto é, não ser parte para figurar na ação.
Por maioria, no
entanto, o TJSP acolheu os argumentos apresentados em um recurso da mãe
da vítima e aumentou a condenação para R$ 150 mil em indenização por
danos morais. O TJSP fundamentou a decisão na teoria da responsabilidade
objetiva, na vertente do risco integral.
Insatisfeita, a
fundação pretendia o exame do caso pelo STJ. No entanto, a subida do
recurso especial ao Tribunal foi negada, por falta de cópia do acórdão. A
fundação interpôs agravo regimental, alegando que a cópia foi colocada
no processo, mas poderia ter sido extraviada.
A Primeira Turma,
porém, salientou que a formação do agravo de instrumento previsto no
artigo 544 do Código de Processo Civil atende a regras de formalismo
processual, as quais não podem ser flexibilizadas pelo relator do
recurso, sob pena de violação do devido processo legal.
Cobrança indevida
Uma
associação pode cobrar mensalidades de quem não é associado? Para o
ministro Luis Felipe Salomão, não. O magistrado atribuiu efeito
suspensivo ao recurso especial interposto por um morador da cidade de
São Paulo contra a Sociedade Amigos do Jardim das Vertentes (Sajav),
para que a execução promovida contra ele não tenha prosseguimento.
O
morador alegou que foi injustamente condenado ao pagamento de
mensalidades à associação, à qual nunca se associou ou manifestou
interesse de se associar. Afirmou que em ação civil pública, proposta
pelo Ministério Público contra a Sajav, foi concedida liminar para
suspender a cobrança dos valores dos não associados e, em desobediência à
decisão, a associação promoveu a execução provisória.
Ainda
segundo o morador, em 20 de setembro de 2011, o Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu pela ilegalidade das cobranças realizadas por associação
de moradores contra os não associados, tendo sido reconhecida a
repercussão geral da matéria constitucional.
Para o ministro
Salomão, a decisão proferida pelo STF, afirmando a ilegalidade da
cobrança e o reconhecimento da repercussão geral da matéria, demonstram a
verossimilhança do direito alegado. Já o perigo da demora encontra-se
caracterizado pelo fundado temor de que o morador venha a sofrer dano
grave e de difícil reparação, com a execução de valores que, ao fim,
venham a ser tidos como indevidos.
Apae
A
Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) goza de
credibilidade perante a população. Entretanto, há mais de uma centena de
processos envolvendo a entidade em tramitação no STJ. Um deles, julgado
em 2009, debateu a competência da Justiça Estadual para julgar o
inquérito policial em que se apuram maus tratos em internos da
associação em São João Del Rei (MG). A Terceira Seção do STJ determinou
que a competência é do juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de São João
Del Rei (MG).
De acordo com o Ministério Público, consta do
relatório policial que os internos da Casa Lar, mantida pela Apae,
teriam sofrido agressões físicas praticadas por duas funcionárias da
instituição.
O conflito de competência julgado no STJ foi
encaminhado pelo juízo da Vara Criminal, que declinou de sua competência
ao fundamento de que o delito em questão (intitulado no inquérito
policial como maus tratos) é infração penal de menor potencial ofensivo.
Ao decidir, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
destacou que, para configurar o delito de maus tratos, é necessária a
demonstração de que os castigos infligidos tenham por fim a educação, o
ensino, o tratamento ou a custódia do sujeito passivo, circunstâncias
que não se evidenciam no caso.
O ministro ressaltou, ainda, que a
conduta verificada nos autos encontra a melhor adequação típica na Lei
9.455/97, que define os crimes de tortura. Para ele, isso não exclui a
possibilidade de outra definição para o fato verificado, depois de uma
análise mais profunda das provas.
Desvio de verbas
O
ministro Og Fernandes, da Sexta Turma do STJ, negou liminar em habeas
corpus que pretendia a suspensão da ação penal que apura supostas
irregularidades no Centro Integrado de Apoio Profissional (Ciap),
associação civil do Paraná suspeita de servir como fachada para o desvio
de verbas públicas. O escândalo envolvendo o Ciap estourou em 2010,
após investigações realizadas pela Polícia Federal, Controladoria-Geral
da União, Ministério Público Federal e Receita Federal.
Com o indeferimento da liminar, a ação penal pôde continuar tramitando normalmente. O
Ciap era uma organização não governamental qualificada como Organização
da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), o que lhe permitia
receber verbas do governo mediante termos de parceria para a execução de
atividades de caráter social.
De acordo com informações
divulgadas pelos investigadores na época da operação policial, a
entidade teria recebido cerca de R$ 1 bilhão nos cinco anos anteriores, e
o dinheiro desviado poderia chegar a R$ 300 milhões. Ainda segundo a
polícia, os valores suspeitos eram transferidos para empresas
pertencentes a parentes e outras pessoas ligadas aos dirigentes da
entidade. A decisão é de julho deste ano.
As ONGs e a filantropia
O
conceito terceiro setor engloba os entes que estão situados entre o
setor estatal (primeiro setor) e o empresarial (segundo setor). As
entidades do terceiro setor são privadas e não almejam entre seus
objetivos sociais o lucro.
Uma ONG, organização do terceiro
setor, é um agrupamento de pessoas estruturado sob a forma de
instituição da sociedade civil que se declara sem fins lucrativos, tendo
como missão lutar por causas coletivas ou dar suporte a elas. É uma
importante evolução da sociedade em nome da cidadania, mas também pode
abrigar grupos de lobby interessados em lançar mãos de verbas públicas para fins nem sempre lícitos.
As
entidades filantrópicas são sociedades sem fins lucrativos (associações
ou fundações), criadas com o propósito de produzir o bem – por exemplo,
assistir à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à
velhice etc.
Para ser reconhecida como filantrópica pelos órgãos
públicos, a entidade precisa comprovar ter desenvolvido, pelo período
de três anos, no mínimo, atividades em prol da população carente, sem
distribuir lucros e sem remunerar seus dirigentes.
De posse de
documentos como a Declaração de Utilidade Pública (federal, estadual ou
municipal) e a de Entidade Beneficente de Assistência Social, adquirida
no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), as entidades
filantrópicas podem gozar de certos incentivos fiscais oferecidos pela
Constituição, como também pelas legislações tributária e previdenciária.
Muitas fundações, templos de qualquer culto, partidos
políticos, entidades sindicais, associações culturais, de proteção à
saúde e instituições de ensino são entidades filantrópicas.
Resumidamente,
uma ONG – organização, entidade ou instituição da sociedade civil – é
sempre, em termos jurídicos, uma associação ou uma fundação. A escolha
fica a critério de quem a cria. Porém, inexistindo bens para a dotação
de patrimônio inicial, não é possível instituir uma fundação.
É
por isso que pequenas e médias ONGs, grupos de apoio e pesquisa,
comunitários etc. são, em geral, constituídos como associações. Já
entidades financiadoras, grandes instituições educacionais, grupos
fomentadores de projetos e pesquisas são, em geral, organizados como
fundações.
Em seguida, alguns julgados de destaque envolvendo ONGs e entidades filantrópicas no STJ.
Sigilo quebrado
Em
janeiro deste ano, a Sexta Turma do STJ manteve a quebra de sigilo de
ONG acusada de envolvimento no desvio de verbas da Previdência. O STJ
entendeu que a quebra do sigilo bancário e fiscal de pessoa jurídica é
legal quando existem indícios suficientes de envolvimento da instituição
em esquema de desvio de verbas públicas.
Com a decisão, ficou
mantido o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que
determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal da organização não
governamental Núcleo de Cidadania e Ação social – Nucas, com sede no Rio
de Janeiro.
De acordo com a investigação requisitada pelo
Ministério Público Federal à Polícia Federal, os institutos e as
organizações sem fins lucrativos supostamente envolvidos no esquema,
entre eles a Nucas, teriam sido contratados para prestar serviços, como
terceirizados, em áreas estratégicas do governo fluminense, como saúde e
segurança.
Dispensadas da obrigação de fazer licitação, com o
possível objetivo de desviar recursos públicos, essas entidades
subcontratavam empresas administradas pelos seus próprios diretores,
seus familiares ou pessoas que figuravam apenas nominalmente em seus
contratos sociais (“laranjas”), encobrindo assim os verdadeiros
beneficiários dos recursos que eram repassados pelo governo estadual.
Segundo
as informações processuais, somente o Nucas teria movimentado mais de
R$ 32 milhões no período de setembro de 2005 a fevereiro de 2006,
indicando a possibilidade de transferência financeira atípica para
empresas e pessoas físicas.
O Nucas recorreu ao STJ alegando ser
a Justiça Federal incompetente para processar o pedido de quebra de
sigilos fiscal e bancário em um caso de apuração de desvio de verbas
estaduais. A defesa também argumentou que não ficou suficientemente
demonstrada a necessidade jurídica para a quebra dos sigilos do Nucas.
No
entanto, a relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis Moura,
não acolheu os argumentos da entidade: “Em virtude dos dados até então
coligidos aos autos, entendo que não há como afastar a competência da
Justiça Federal, pois o inquérito e a ação penal cautelar foram
iniciados com o objetivo de apurar a prática de crimes praticados em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União Federal.”
“Importante
destacar – continuou a relatora – que, mesmo não se constatando a
utilização de recursos federais, a investigação foi deflagrada para a
apuração de crimes de sonegação fiscal e de falsidade no preenchimento
de cadastros da Receita Federal e da Previdência Social. Assim, tem-se
fixada a competência da Justiça Federal, a qual atrai o julgamento dos
delitos conexos de competência federal e estadual, conforme determina a
Súmula 122 do STJ.”
Relações perigosas
O
STJ vai apurar o o envolvimento do governador do Distrito Federal,
Agnelo Queiroz, em desvios de verbas federais. A Corte Especial já
autorizou o acesso da imprensa a partes do inquérito que investiga a
suposta participação do governador no desvio de dinheiro do Programa
Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, do qual era titular. As partes
do inquérito que contêm dados fiscais, bancários e telefônicos
permanecem em sigilo e o caso continua em segredo de justiça.
O
convênio investigado foi celebrado em 2005 com a Federação Brasiliense
de Kung-Fu (Febrak), quando Agnelo Queiroz era o ministro do Esporte. O
dirigente da entidade é o policial militar João Dias Ferreira. Segundo
os autos, o convênio não foi cumprido e o desvio de recursos públicos
foi de R$ 3,16 milhões.
O relatório final do inquérito policial
contra João Dias Ferreira concluiu que teria ocorrido a participação de
Agnelo Queiroz no esquema, quando era ministro, e que ele teria recebido
R$ 256 mil reais em espécie. Como ele foi eleito governador do Distrito
Federal, o caso foi remetido ao STJ, que tem competência para processar
e julgar governadores de estado nas infrações penais comuns. O
inquérito encontra-se em análise no MPF.
Manoel Mattos
Um
caso interessante envolvendo ONGs foi decidido pelo STJ em 2010: as
organizações não governamentais Justiça Global e Dignitatis – Assessoria
Jurídica Popular foram admitidas no papel de amicus curiae no
incidente de deslocamento de competência que pede a federalização do
caso Manoel Mattos. A decisão é da ministra Laurita Vaz, relatora do
processo.
A função do amicus curiae é chamar a atenção
da Corte para fatos ou circunstâncias sobre o caso. Seu papel é ampliar a
discussão antes do julgamento (que, neste caso, será na Terceira
Seção). O incidente de deslocamento de competência entrou na pauta do
órgão no final de junho do ano passado, mas o julgamento foi adiado.
A
intenção das ONGs era exercer o papel de assistente no processo. A
ministra Laurita Vaz entendeu não ser pertinente esse tipo de atuação no
incidente, mas concordou que as entidades têm sido agentes provocadores
dos organismos responsáveis por garantir os direitos humanos. Daí sua
importância como amicus curiae.
A Procuradoria-Geral da
República quer deslocar da Justiça estadual para a federal a
competência para julgar os processos que tratam da atuação de
pistoleiros e de grupo de extermínio nos estados da Paraíba e Pernambuco
(seriam mais de 200 execuções). Entre os homicídios praticados pelo
grupo, consta o do advogado Manoel Bezerra Mattos, então vereador de
Itambé (PE), autor de denúncias sobre as ações criminosas. A morte
ocorreu em janeiro de 2009.
Será a segunda vez que o STJ
analisará pedido de deslocamento de competência, possibilidade criada
pela Emenda Constitucional 45 (reforma do Judiciário), para hipóteses de
grave violação de direitos humanos. O IDC 1 tratou do caso da
missionária Dorothy Stang, assassinada no Pará, em 2005. O pedido de
deslocamento foi negado pelo STJ.
Isenção fiscal
A
Primeira Turma decidiu, de forma unânime, que o Ministério Público tem
legitimidade para atuar em defesa do patrimônio público lesado por
renúncia fiscal inconstitucional. O recurso foi interposto pela
Associação Prudentina de Educação e Cultura (Apec), entidade
filantrópica, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3° Região
(TRF3), para decretar a extinção da ação por ausência de interesse e
legitimidade ativa do Ministério Público.
O Ministério Público
Federal impetrou ação civil pública para que fosse declarada a nulidade,
com efeitos retroativos, do registro e do certificado de entidade
filantrópica concedidos à Apec, e para que houvesse, também, a adaptação
do estatuto da entidade para fazer constar a finalidade lucrativa.
O
certificado conferiu à entidade isenção de impostos e contribuições
sociais que, segundo o MPF, foram utilizados com o intuito de
distribuição de lucros, inclusive com o financiamento e a promoção
pessoal e política de alguns de seus associados, o que gerou a
ocorrência de grave lesão aos cofres públicos.
O ministro
Hamilton Carvalhido, em seu voto, entendeu que estava claro o desvio de
finalidade por parte da Apec. O dinheiro decorrente da isenção
tributária deveria ter sido investido em prol da educação e não para
financiar a promoção pessoal e política de seus sócios, configurando,
assim, a agressão à moralidade administrativa. Segundo o ministro, a
emissão indevida do certificado pode afetar o interesse social como um
todo.
O relator ressaltou que o objeto da ação ultrapassa o
interesse patrimonial e econômico da administração pública, atingindo o
próprio interesse social que entidades filantrópicas visam promover. Já
em relação à suspensão da imunidade tributária, o ministro entendeu que
não houve esgotamento do objeto da ação, pois o que se pretendia era a
nulidade do ato administrativo, bem como o reconhecimento de ofensa à
moralidade administrativa.
Santas Casas
As
Santas Casas, tradicionais entidades filantrópicas espalhadas pelo
Brasil, são parte em diversos processos no STJ. Em 2009, o Tribunal
manteve decisão que havia condenado a Santa Casa de Misericórdia do Rio
de Janeiro a pagar indenização por danos morais e materiais por cremar o
corpo de um homem sem autorização dos familiares.
O Tribunal da
Cidadania rejeitou tentativa da defesa de reavaliar a condenação
imposta pelo Tribunal de Justiça do estado, no valor de 250 salários
mínimos para cônjuge e filho do falecido. O relator foi o ministro Luis
Felipe Salomão e a decisão da Quarta Turma foi unânime.
O corpo
havia sido sepultado em março de 1995, no cemitério do Realengo, na
cidade do Rio, em jazigo alugado por três anos. Em setembro de 1998, sob
alegação de descumprimento contratual, a Santa Casa, responsável pela
manutenção do cemitério, ordenou a exumação e cremação dos restos
mortais. Os familiares ingressaram na Justiça, com o argumento de não
ter havido autorização para o ato.
A Santa Casa do Rio também
foi responsabilizada civilmente num processo de indenização por erro
médico. O julgamento de 2002 foi da Quarta Turma e os ministros
entenderam que, apesar de ser hospital filantrópico, sem fins
lucrativos, a instituição responde solidariamente pelo fato de seu
médico não informar ao paciente sobre os riscos cirúrgicos, dos quais
resultou na perda total da visão.
O entendimento unânime da
Quarta Turma manteve decisão do Judiciário do Rio de Janeiro que
condenou a Santa Casa a responder solidariamente pela falta de
informação de seu médico. Acometida de glaucoma, M.J.S.V. procurou um
neurologista, que recomendou uma neurocirurgia com outro médico. Após a
cirurgia, ela sofreu perda total da visão, o que a levou a acreditar que
teria sido vítima de erro médico.
O juiz de primeiro grau
considerou haver responsabilidade civil comum, pois, apesar de não ter
ocorrido erro algum no procedimento cirúrgico, o médico e o hospital não
teriam refutado a alegação da paciente de que não teria sido informada
dos riscos. O hospital apelou, mas a decisão foi mantida pelo TJRJ,
levando-o a recorrer ao STJ.
O relator do processo, o ministro
hoje aposentado Ruy Rosado, entendeu que o recurso não poderia ser
analisado pelo tribunal. Além disso, o fato de a Santa Casa ser entidade
filantrópica não a isenta da responsabilidade de atender ao dever de
informar e de responsabilizar-se pela falta cometida pelo seu médico,
que deixou de informar sobre as possíveis consequências da cirurgia.
Justiça gratuita
Em
2007, a Quarta Turma ratificou entendimento já pacificado no STJ,
segundo o qual pessoas jurídicas que não objetivam lucro, como as
filantrópicas, sindicatos ou de assistência social, podem requerer
assistência judiciária gratuita sem precisar comprovar hipossuficiência.
Cabe à parte contrária comprovar que a entidade não faz jus ao
benefício, também podendo o juiz exigir provas antes da concessão.
Seguindo a orientação, os ministros reformaram a decisão da segunda
instância mineira, que havia negado a assistência gratuita à Fundação
Educacional Lucas Machado (Feluma).
No STJ, a Corte Especial
definiu esse posicionamento em 2003 e, a partir daí, seus outros órgãos
julgadores seguiram a mesma interpretação. Ocorre que o precedente não
foi seguido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ao analisar
pedido de assistência judiciária gratuita da Feluma. A instituição
congrega o Hospital Universitário São José, o ambulatório Affonso
Silviano Brandão, o plano de saúde Ciências Médicas Saúde (Cimed) e a
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
A Quarta Turma do
STJ, baseada em voto do relator, ministro Fernando Gonçalves
(aposentado), alinhou a solução da causa à orientação da Corte Especial,
segundo a qual o procedimento para concessão de assistência gratuita a
pessoa jurídica que não objetiva lucro segue o mesmo padrão adotado para
as pessoas físicas (inversão do ônus da prova).
“Opera em favor
da entidade beneficente a presunção de miserabilidade, cabendo, pois à
parte adversa provar o contrário”, explicou o relator.
Outra
decisão de destaque sobre entidades filantrópicas foi tomada pela
Segunda Turma do STJ. Em 2005, os ministros daquele órgão colegiado
entenderam, negando recurso da Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio de
Janeiro e da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência,
que a isenção tributária de entidades filantrópicas não abrange ICMS de
energia e telefone.
A imunidade tributária assegurada na
Constituição às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos não
alcança o método de formação de preços de serviços que lhes sejam
prestados por terceiros, como no caso das concessionárias de serviços
públicos de fornecimento de energia elétrica e de telefonia.
Por
sua vez, o artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN) regulamenta o
dispositivo, listando os requisitos para que a entidade seja considerada
filantrópica e sem fins lucrativos. As entidades ingressaram com
mandado de segurança para garantir a imunidade sobre o ICMS arrecadado
pelo Estado do Rio de Janeiro, mas tiveram o pedido negado pela 16ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
O
relator do recurso no STJ, ministro João Otávio de Noronha, ressaltou
que, em mandado de segurança, é impossível verificar a qualidade
filantrópica das entidades para averiguar o direito invocado. Além
disso, a imunidade não alcança a formação de preços na prestação de
serviços que sejam prestados às entidades por terceiros. Esse
entendimento foi seguido de forma unânime pelos demais membros da
Segunda Turma.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
A notícia refere-se aos seguintes processos:
REsp 1210608, Ag 1224666, REsp 1097050, CC 102833, HC 110704, REsp 500182, RMS 25696, REsp 1101808, REsp 994397, RMS 19671, REsp 467878
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104136
12/12/2011 |