Uma decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
confirmou que a suspensão dos atos praticados contra uma empresa em
recuperação judicial deve valer a partir da data de deferimento do
pedido pelo juiz, e não do dia em que foi ajuizado o processo.
Apesar de os artigos 6º e 52 da Lei de Recuperação Judicial - nº
11.101, de 2005 - estabelecerem a suspensão das execuções e cobranças a
partir da aceitação do pedido pelo juiz, o artigo 49 da mesma lei dá
margem a outra interpretação. Nesse último dispositivo, a norma diz que
estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na
data do pedido, ainda que não vencidos.
No caso analisado, a defesa da Fazenda Araguaia, que pertence ao
empresário Wagner Canhedo, ex-controlador da Vasp, tentava novamente
reverter a perda da Fazenda Piratininga para os trabalhadores da
companhia aérea. Segundo a decisão, o pedido de recuperação judicial do
grupo Araguaia, ao qual a Fazenda Piratininga pertencia, foi formulado
em 13 de agosto de 2008. Ou seja, 14 dias antes da decisão do juízo
trabalhista sobre a adjudicação (posse definitiva) da Fazenda
Piratininga aos trabalhadores, em razão de uma ação civil pública
proposta em 2005 pelo Ministério Público do Trabalho. Ao assinar um
acordo, Wagner Canhedo reconheceu a responsabilidade solidária de seu
grupo econômico pelos débitos trabalhistas da Vasp.
Os ministros, porém, foram unânimes ao entender que somente há a
suspensão de todas as execuções após o deferimento do pedido pelo juiz
da recuperação judicial. Assim, mantiveram a posse da fazenda aos
trabalhadores - vendida em 2010 por R$ 310 milhões. O dinheiro ainda
será revertido pela Justiça Trabalhista para pagar os funcionários.
Para o relator do caso, ministro Raul Araújo, todos os atos
realizados entre o pedido de recuperação e o deferimento são, a
princípio, válidos e não são atingidos pelo simples protocolo de pedido
de recuperação. "Nesse período são praticados diversos atos processuais
nas execuções e, até mesmo, vários atos pelo próprio devedor, que
continua na gerência de seus negócios, inclusive o pagamento de
fornecedores".
No entendimento do ministro, a finalidade do artigo 49 da Lei de
Recuperação Judicial, que deu origem ao conflito, não tem a finalidade
de tratar do prazo de suspensão das execuções. Mas de determinar quais
créditos se submetem ao regime da recuperação e quais dela estão
excluídos.
Segundo o advogado do Sindicato dos Aeroviários do Estado de São
Paulo, Carlos Duque Estrada, a decisão representa um marco nas
recuperações judiciais no Brasil. Isso porque reforça que as execuções
só estariam suspensas com o deferimento do juiz. Até então, segundo
Estrada, aplicava-se, por analogia, a antiga Lei de Falências, que
também estabelecia a data do deferimento para a suspensão das cobranças.
Ele diz já ter começado a citar a decisão como precedente do STJ em
outros casos que atua.
A decisão, na opinião do advogado Fernando De Luizi, da Advocacia De
Luizi, porém, pode oferecer risco às empresas em recuperação judicial.
Ele diz que em alguns locais o juiz pode demorar meses para deferir o
pedido de recuperação e a companhia ficaria desprotegida nesse período.
"Em São Paulo, no entanto, onde há varas especializadas, esse prazo não
tem passado de cinco dias", diz. Para De Luizi, uma constrição de um bem
nessa fase pode prejudicar não só a empresa em recuperação, mas todos
os credores. "Esse credor acabou se beneficiando em detrimento dos
outros."
O advogado Luiz Fernando Paiva Valente, sócio do escritório Pinheiro
Neto Advogados, recomenda que as empresas entrem com um pedido de
antecipação de tutela para tentar uma blindagem de antemão, como
aconteceu com o Frigorífico Independência.
O fato de ter ocorrido uma adjudicação no caso concreto, considerada
como um ato jurídico perfeito, ou seja, cuja decisão não poderia ser
mais reformada, foi levado em consideração pelos ministros, na opinião
do advogado Júlio Mandel, do Mandel Advocacia. Em outras situações, como
a penhora de bens, por exemplo, que não é um ato definitivo, Mandel
entende que a medida poderia ser revista para que o imóvel entrasse na
recuperação. Procurado pelo Valor, o advogado da Fazenda Araguaia, Cláudio Alberto Feitosa Penna Fernandez não foi localizado.