Por Milene R. A. Spolador Ribeiros
O agente fiscal no exercício de sua função possui a prerrogativa de
analisar e requerer ao contribuinte os documentos e esclarecimentos que
entender necessários para a auditoria que está realizando, no intuito de
se verificar a ocorrência ou não de irregularidades fiscais e lavratura
de eventual auto de infração.
Porém, não se pode perder de vista que a obrigatoriedade de prestar
informações se limita à apresentação dos livros fiscais e documentos
previstos em normas legais, não estando o contribuinte obrigado a
fornecer outros documentos ou prestar informações que possam
prejudicá-lo.
Diz-se isso porque tem se verificado inúmeros pedidos de
esclarecimentos que são verdadeiras tentativas de fazer o contribuinte
produzir provas que certamente seriam usadas contra ele mesmo, em clara
tentativa de auto-incriminação, com a aplicação inclusive de penalidade
em caso de não atendimento a tais exigências.
Neste ponto não é demais afirmar que uma vez que o descumprimento de
uma obrigação tributária traz consigo a possibilidade de desencadear
consequências também na esfera penal, onde a liberdade é o bem tutelado,
é indispensável que seja garantido na relação jurídico-tributária todos
os direitos e garantias fundamentais assegurados aos acusados no âmbito
criminal, e dentre eles está o direito ao silêncio.
Não está o contribuinte obrigado a dar informações que possam prejudicá-lo
Além da Constituição Federal, também o Código de Processo Penal em
seu artigo 186 e o Código de Processo Civil em seu artigo 347 afirmam
ser o silêncio um direito da parte, e que tal atitude não pode ser
interpretada de forma prejudicial à mesma.
E tal direito é garantia fundamental a qualquer acusado e perante
qualquer um dos três poderes, conforme assegurado, inclusive, por
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (HC nº 79.812-8/SP - Pleno,
Diário da Justiça, Seção 1, 16 fev. 2001, p. 91), que entende que o
privilégio contra a autoincriminação, traduzido pelo direito ao
silêncio, é direito público subjetivo assegurado a todos, não podendo
qualquer órgão estatal punir o cidadão que decidir por exercer tal
direito.
Destarte, não pode a autoridade administrativa aplicar qualquer
sanção ao acusado por não ter o mesmo prestado as informações que lhe
foram requeridas e que tinham por finalidade incriminá-lo, uma vez que
tal ato decorre de um direito do contribuinte de não ser obrigado a
produzir provas contra ele mesmo.
E, em última análise, pode-se afirmar que os pedidos de
esclarecimento que extrapolam a legalidade, exigindo informações e
documentos que não aqueles exigidos por lei, são claras tentativas de se
inverter o ônus da prova, ou seja, exige-se que o contribuinte
apresente documentos e informações que têm o condão de incriminá-lo e
que certamente servirão de fundamento de futura autuação.
E esta inversão do ônus da prova no processo administrativo fiscal é
ilegítima e repudiada pela mais autorizada doutrina pátria, a exemplo de
Hugo de Brito Machado (in Mandado de Segurança em Matéria Tributária,
Editora Dialética, São Paulo, 2003 p. 272), uma vez que no processo
administrativo fiscal cabe ao Fisco, enquanto autor da demanda, a
apuração e exigência do crédito tributário, cabendo a ele portanto, o
ônus de provar a ocorrência do fato gerador.
E tal assertiva está respaldada inclusive no disposto no artigo 142
do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que cabe exclusivamente
à autoridade administrativa constituir o crédito tributário por meio da
verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação, determinando a
matéria tributável, com a correta identificação do sujeito passivo, do
montante do tributo devido e da penalidade a ser aplicada, ou seja, não
pode existir lançamento sem que o fisco demonstre de forma cabal a
existência do crédito tributário e ocorrência do ilícito, sendo seu o
ônus probanti.
Equivoca-se, portanto, aqueles que defendem a ideia de que cabe ao
contribuinte provar que não cometeu o ilícito que lhe é impingido,
derivando tal assertiva, conforme termo utilizado por Hugo de Brito
Machado, na acima citada obra, de uma "ideologia autoritária", que não
pode ter espaço em um Estado democrático de direito.
Neste ponto é válido trazer à baila o fato de a Constituição Federal,
no parágrafo 1º de seu art. 145, estabelecer que é facultado à
administração tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e a
atividade do contribuinte desde que respeitados os direitos individuais e
nos termos da lei, e aqui certamente se inclui o direito ao silêncio.
Salienta-se ainda que a prova obtida por meio de qualquer
procedimento fiscal ao arrepio da lei, sem respeitar os direitos
fundamentais do contribuinte, deve ser considerada prova ilícita, não
podendo produzir qualquer efeito tanto na esfera
administrativo-tributária quanto, eventualmente, na esfera penal.
Verifica-se, portanto, que o exercício do direito ao silêncio na
esfera tributária não é passível de penalidade, não podendo prevalecer
autuações decorrentes do não fornecimento de documentos e informações
que extrapolam o permitido pela legislação vigente, devendo sempre ser
respeitadas as garantias fundamentais do cidadão.
Milene Regina Amoriello Spolador Ribeiros é advogada
tributarista e empresarial do escritório Amaral & Associados; atual
vogal do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do
Paraná (CCRF-PR)
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07/12/2011 |