Uma nova decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) inibe o uso de
precatórios para pagamento de dívidas tributárias em ações judiciais.
Em um julgamento recente, a 2ª Turma entendeu que os precatórios
nomeados para penhora em execuções fiscais, e depois levados a leilão,
devem ser considerados pelo preço de mercado, definido em avaliação, e
não pelo valor de face. Na prática, o resultado elimina as vantagens de
comprar esses papéis com deságio para depois usá-los como garantia e
pagamento nas execuções fiscais.
Precatórios são dívidas públicas reconhecidas em decisões judiciais
definitivas. Como os órgãos públicos costumam demorar anos para
pagá-los, surgiu um mercado paralelo desses títulos. Comprados por
preços muito inferiores ao valores de face, eles passaram a ser usados
como garantia em processos de cobrança judicial e, depois, leiloados ou
convertidos em pagamento de dívidas. Mas esse processo nunca foi isento
de questionamentos, pois o Fisco tenta evitar o recebimento de
precatórios como forma de quitar dívidas de contribuintes.
A 2ª Turma do STJ analisou um recurso do Rio Grande do Sul contra a
indústria de alimentos Della Nona. O Estado cobra da empresa R$ 320 mil
de ICMS, calculado em 1999 e agora estimado em pelo menos o dobro. No
processo de execução, a Della Nona ofereceu precatórios comprados com
deságio como garantia. A intenção era de que eles fossem recebidos pelo
valor de face. Mas o Estado argumentou que, como os títulos seriam
levados a leilão, não seria possível vendê-los por essa quantia.
Portanto, seria necessário avaliar o preço de mercado.
"A estratégia dos contribuintes é usar um precatório com valor de
face de R$ 100, comprado por R$ 20, para abater uma dívida de R$ 100",
diz o coordenador da Procuradoria Fiscal do Estado do Rio Grande do Sul,
Cristiano Xavier Bayne. "Defendemos que ele só pode ser usado para
quitar uma dívida de R$ 20." Segundo a procuradoria, a necessidade de
avaliação está prevista no artigo 13 da Lei de Execução Fiscal (nº
6.830, de 1980). Outro argumento é que, no caso, o precatório não seria
uma dívida do Estado, mas de uma autarquia estadual com personalidade
jurídica distinta, o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do
Sul (Ipergs). O Estado sustenta ainda que a compensação direta do
precatório com a dívida tributária não pode ser feita porque não há lei
estadual permitindo essa transação - daí a necessidade de levar o título
a leilão.
Já a empresa defende que o Estado é responsável pelas dívidas de suas
autarquias e, por isso, deve aceitar o título por seu valor original. O
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aceitou o argumento da empresa
e negou o pedido de avaliação. Segundo o TJ-RS, "a existência de
deságio é consequência do comportamento do próprio Estado que,
sistematicamente, não honra o pagamento dos precatórios nos prazos
respectivos."
A decisão foi revertida no STJ. O relator do caso nª 2ª Turma,
ministro Herman Benjamin, citou precedente da 1ª Turma, segundo o qual a
penhora do crédito se transforma em pagamento por meio de leilão,
"quando se torna indispensável a avaliação". No precedente mencionado, a
1ª Turma notou que não faria sentido leiloar o precatório pelo valor de
face, pois ninguém estaria disposto a comprá-lo para receber a mesma
quantia no futuro. No entanto, os ministros ressalvaram que, quando o
Estado toma o precatório diretamente como seu, por meio da chamada
sub-rogação, o que conta é o valor de face.
"A decisão vai desestimular a transação paralela de precatórios",
afirma Cristiano Bayne, da Procuradoria Fiscal gaúcha. "Na medida em que
o empresário comprar o precatório por R$ 20 e só puder abater o mesmo
valor de sua dívida, ele não terá mais interesse."
O advogado da Della Nona, Vinicius Lubianca, informou que já recorreu
da decisão. De acordo com ele, ao pedir o leilão dos títulos, o Estado
não cumpriu o prazo exigido pelo artigo 673 do Código de Processo Civil.
"Depois da penhora, o Estado teria dez dias para se manifestar pedindo o
leilão", diz. Segundo Lubianca, como não houve manifestação nesse
sentido, deve-se presumir que o Estado optou por ficar com o precatório.
O advogado argumenta ainda que a decisão viola princípios
constitucionais, como o da moralidade, além das regras que obrigam o
Estado a pagar integralmente esses títulos.
Advogados de contribuintes criticaram a decisão. "É mais uma
circunstância na qual o devedor se aproveita de sua própria torpeza para
depreciar os próprios papéis", diz o advogado Flávio Brando, presidente
da Comissão de Precatórios da seccional paulista da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB). Brando afirma que a questão pode voltar a ser
discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação
questionando a Emenda 62, que criou um regime especial para o pagamento
de precatórios. "Se o Supremo entender que a compensação do precatório é
automática, não será preciso fazer nenhuma avaliação."