A
presidente da República, Dilma Rousseff, deve sancionar, até o dia 23
de novembro de 2011, o Projeto de Lei da Câmara 41/2010, sobre a Lei
Geral de Acesso à Informação, que regulamenta três importantes
dispositivos da Constituição Federal: i) o inciso XXXIII, do artigo 5º;
ii) o parágrafo 3º do artigo 37; e iii) o parágrafo 2º do artigo 216.
Esses
dispositivos constitucionais, conforme detalhado a seguir, buscam
assegurar o direito fundamental de acesso à informação e a lei que ora
os regulamenta destina-se, essencialmente, a transformá-lo em dever do
Estado, que deve prestá-lo mediante procedimentos objetivos e ágeis, de
forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.
O primeiro dispositivo — inciso XXXIII, do artigo 5º da Constituição — agora regulamentado em sua integralidade, assegura que “todos
têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no
prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Esse
dispositivo, em sua parte final, relativa a informações de caráter
sigiloso, já havia sido regulamentado pela Lei 11.111/2005, porém em
bases restritivas, se comparada à nova lei. A nova lei reduz
drasticamente a cultura do segredo, retirando o caráter reservado ou
sigiloso da quase totalidade das informações e registros públicos.
Os
poucos documentos ou registros públicos que podem ser considerados
sigilosos, por serem imprescindíveis à segurança da sociedade e do
Estado, serão classificados como ultrassecretos, secretos ou reservados,
e se manterão nessa condição pelo prazo máximo, respectivamente, de 25,
15 e 5 anos.
O segundo dispositivo — parágrafo 3º do artigo 37 da
Constituição — garante a participação dos usuários na administração
pública direta e indireta, especialmente em relação ao inciso II, que
trata do acesso a registros administrativos e informações sobre atos de
governo, observado o artigo 5º, incisos X (inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas) e XXXIII
(preservação de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado).
Os demais incisos (I e III) do artigo 3º, sobre,
respectivamente, reclamações relativas a serviços públicos, atendimento a
usuários e qualidade, e representação contra exercício negligente ou
abuso de cargo ou função na administração pública são objetos de outras
proposições em tramitação no Congresso, entre as quais o PL 7.528/2007,
sobre conflito de interesse, que aguarda votação na Câmara dos
Deputados.
O terceiro dispositivo regulamentado na lei geral de
acesso à informação — parágrafo 2º do artigo 216 — é o que atribui à
administração pública a responsabilidade pela gestão da documentação
governamental e pelas providências para franquear sua consulta a quantos
dela necessitem.
Como bem resumiu o relator no Senado, senador
Walter Pinheiro (PT-BA), a exemplo das leis do direito de informação
internacional, a lei brasileira trata de cinco elementos centrais, que
lhe dá consistência: 1) a garantia ao direito à informação, inclusive
com a delimitação de seu escopo; 2) regras sobre a divulgação de rotina
ou proativa de informações; 3) procedimentos de formulação e
processamento de pedidos de informação; 4) o regime de exceções ao
direito de acesso e regras que tratam do direito de recurso a qualquer
recusa de liberação de informações; e 5) sistema de sanções e proteções,
assim como medidas destinadas a facilitar a completa implementação da
lei.
A Lei Geral de Acesso à Informação foi estruturada em seis
capítulos: a) Das disposições gerais (arts. 1º a 5º); b) Do acesso a
informações e da sua divulgação (arts. 6º a 9º); c) Do procedimento de
acesso à informação (arts. 10 a 20); d) Das restrições de acesso à
informação (arts. 21 a21); e) Das responsabilidades (arts 32 a 34), e f)
Disposições Finais e Transitórias (art. 35 a 47).
No primeiro
capítulo — das disposições gerais — a lei trata de sua abrangência, fixa
diretrizes e princípios a serem observados, além de definir conceitos
básicos, conforme segue.
Sobre a abrangência, a lei se aplica a
todos os órgãos da administração direta (Poderes Executivo, Legislativo,
incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e Ministério Público) nos
três níveis de governo (União, Estados e Municípios); a administração
indireta (autarquias, fundações, empresas publicas, sociedade de
economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente
pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e, no que couber, às
entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para a realização
de serviços públicos, recursos públicos diretamente do orçamento ou
mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria,
convênio, acordo ajustes ou outros instrumentos congêneres.
Quanto
às diretrizes e princípios, a lei estabelece: I — observância da
publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção; II — divulgação
de informações de interesse público, independentemente de solicitação;
III — utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da
informação; IV — fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência
na administração pública; e V — desenvolvimento do controle social da
administração pública.
Em relação aos conceitos básicos, para
efeito de prestação do direito fundamental de acesso à informação, a lei
define o que considera: i) informação; Ii) documento; iii) informação
sigilosa; iv) informação pessoal; v) tratamento de informação; vi)
disponibilidade; vii) autenticidade; iii) integridade; e ix)
primariedade.
No capítulo segundo — do acesso a informações e da
sua divulgação — a lei determina que os órgãos e entidade do poder
público são obrigados a assegurar a: a) gestão transparente das
informações, com amplo acesso e divulgação; b) proteção da informação,
com garantia de disponibilidade, autenticidade e integridade; e c)
proteção de informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua
disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de
acesso.
O acesso à informação compreende, entre outros, o direito
de obter: 1) orientação sobre os procedimentos para conseguir o acesso,
inclusive o local onde pode ser encontrada ou obtida a informação; 2)
informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumuladas
por órgãos ou entidades públicas, recolhidos ou não a arquivos públicos;
3) informações produzidas ou custeadas por terceiros em decorrência de
vínculos com a administração pública, mesmo que o vínculo tenha cessado;
4) informação primária, íntegra, autêntica e atualizada; 5) informações
sobre atividades de órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua
política organização e serviços; 6) informação pertencente à
administração do patrimônio público; e 7) informações relativas: a) à
implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e
ações dos órgãos públicos, inclusive metas e indicadores propostos; b)
ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas
realizadas por órgãos de controle interno e externo, incluindo
prestações de contas relativas a exercícios anteriores.
Informações
de interesse coletivo ou geral, produzidos ou custeados pela
administração pública, segundo a nova lei, devem ser divulgadas em local
de fácil acesso, independentemente de requerimento. Entre estas, estão,
necessariamente: i) registro das competências e estrutura
organizacional, endereços e telefones das respectivas unidades e
horários de atendimento ao público; ii) registros de quaisquer repasses
ou transferências de recursos financeiros; iii) registro de despesas;
iv) dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e
obras de órgãos e entidades; e vi) respostas a perguntas mais freqüentes
da sociedade.
Os órgãos e entidades deverão, além de fornecer
informações atualizadas e disponíveis para acesso, utilizar todos os
meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a
divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores —
internet, bem como disponibilizar as ferramentas de pesquisa de
conteúdo, possibilitando gravação, e acesso automático por sistemas
externos em formato aberto, incluindo a garantia de autenticidade.
O
acesso à informação pública, ainda segundo a lei, será assegurado
mediante: 1 — criação de serviços de informação ao cidadão em local com
condições apropriadas para (a) atender e orientar o público quanto ao
acesso à informação, (b) informar a tramitação de documentos nas suas
respectivas unidades e (c) protocolizar documento e requerimentos de
acesso a informação; e 2 — realização de audiências ou consultas
públicas, incentivo a participação popular ou outras formas de
divulgação.
No capítulo terceiro — dos procedimentos de acesso à
informação — é assegurado a qualquer interessado o direito de apresentar
pedido de acesso a informação de órgãos ou entidades públicas, por
qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do
requerente e a especificação da informação requerida. O poder público
deve viabilizar a alternativa de encaminhamento de pedido de acesso por
meio de seus sítios oficiais na internet.
O órgão ou entidade
pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação
disponível; não sendo possível o acesso imediato, deverá, no prazo
máximo de 20 dias: 1) comunicar a data, o local e o modo para se
realizar a consulta, efetuar a reprodução ou obter a certidão, 2)
comunicar que não possui a informação imediata; indicar, se for de seu
conhecimento, o órgão ou entidade que a detém ou, ainda, remeter o
requerimento a esse órgão ou entidade, cientificando o interesse da
remessa do pedido de informação.
O ente público poderá oferecer
meios para que o próprio requerente possa pesquisar a informação de que
necessita. As informações armazenadas em formato digital serão
fornecidas nesse formato, caso haja anuência do requerente. Caso a
informação solicitada esteja disponível em formato impresso, eletrônico
ou qualquer outro meio de acesso universal, o requerente será informado,
por escrito, do lugar e da forma pela qual poderá consultar, obter ou
reproduzir a informação, hipótese em que o órgão ou entidade ficará
dispensada da obrigação de seu fornecimento direto, salvo se o
requerente declarar dispor de meios para realizar por si mesmo tais
procedimentos.
No caso de indeferimento de acesso a informação ou
às razões da negação, poderá o interessado interpor recurso contra a
decisão à autoridade hierarquicamente superior no prazo de 10 dias a
contar de sua ciência, a qual deverá se manifestar no prazo de cinco
dias. Negado o acesso, após recurso, o requerente poderá acionar a
Controladoria-Geral da União (CGU), que terá prazo de cinco dias para
esclarecer o caso. Persistindo a negativa, cabe recurso à Comissão Mista
de Reavaliação de Informação, sob a coordenação da Casa Civil da
Presidência da República.
O serviço de busca e fornecimento de
informação é gratuito, exceto nas hipóteses de reprodução de documento
consultado, situação em que poderá ser cobrado exclusivamente o valor
necessário ao ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais
utilizados, e, somente daqueles que não sejam classificados como pobres,
nos termos da Lei 7.115/1983.
No capítulo quarto — das restrições
de acesso à informação, que exclui a informação necessária à tutela
judicial ou administrativa de direitos fundamentais, especialmente
informação ou documento sobre violação de direitos humanos — está a
classificação do grau e prazos de sigilo de informações consideradas
imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado.
São
passíveis de classificação como sigilosas as informações cuja divulgação
ou acesso irrestrito passam: a) por em risco a defesa e a soberania
nacional ou a integridade do território nacional; b) prejudicar ou por
em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do
país; c) por em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; d)
oferecer risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do
país; e) prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e
desenvolvimento científico ou tecnológico; f) por em risco a segurança
de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus
familiares; e g) comprometer atividade de inteligência, bem como de
investigação ou fiscalização em andamento relacionada com a prevenção ou
repressão de infrações.
As informações imprescindíveis à
segurança da sociedade ou do Estado poderão ser classificadas como
ultrassecreta, secreta e reservada, pelo prazo máximo, respectivamente,
de 25, 15 e 5 anos. As informações que puderem colocar em risco o
presidente, o vice-presidente e respectivos cônjuges e filhos serão
classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o final do
mandato.
A classificação do sigilo, cuja definição do prazo máximo
de restrição de acesso dever ser proporcional à gravidade do risco ou
dano à segurança da sociedade e do Estado, é de competência: 1) no grau
de ultrassecreto, da presidência da República, da vice-presidência, dos
ministros de Estado e autoridade com as mesmas prerrogativas, e do chefe
de Missões Diplomáticas e Consulados Permanentes no Exterior; 2) no
grau de secreto, das autoridades já citadas e dos titulares de
autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista;
e 3) no grau de reservados, do grupo de autoridades anteriores e das
que exerçam funções de direção, comando ou chefia, de hierarquia
equivalente ou superior ao nível de DAS.5, do Grupo-Direção de
Assessoramento Superior.
As informações pessoais relativas à
intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restringido,
independentemente de classificação de sigilo, pelo prazo máximo de 100
anos, exceto se autorizado sua divulgação ou acesso por consentimento
expresso da pessoa a que se referem as informações ou para não
prejudicar processo de apuração de irregularidade contra a pessoa sobre a
qual tratam as informações.
A classificação de informação como
ultrassecreta ou secreta, será revista dois anos após a vigência da Lei
Geral de Acesso à Informação e revisada a cada quatro anos, no máximo,
pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações, criada por esta lei. A
guarda e o controle sobre o acesso a informações sigilosas ficam a
cargo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República, que criará o Núcleo de Segurança e Credenciamento, com esta
finalidade.
No capítulo quinto — das responsabilidades e das
condutas ilícitas — estão as penalidades dos agentes públicos ou
militar, que incluem desde advertência, multa, rescisão de vínculo
empregatício com o poder público, suspensão temporária de participação
em licitação e impedimento de contar com a administração pública por
prazo não inferior a dois anos e declaração de inidoneidade.
Constituem
condutas ilícitas, sujeita às penalidades mencionadas: a) recusar-se a
fornecer informação requerida nos termos desta lei; b) utilizar
indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar,
alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre
sob sua guarda ou tenha conhecimento em função do exercício de cargo ou
função; c) agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações de acesso à
informação; d) divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir
acesso indevido a informação sigilosa ou informação pessoal; e) ocultar
da revisão de autoridade superior competente informação sigilosa para
beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de terceiros; e f) destruir
ou subtrair, por qualquer meio, documento concernente a possíveis
violações de direitos humanos por parte de agentes do Estado.
No
capítulo sexto — das disposições gerais e transitórias — é estabelecido o
prazo de 180 dias para vigência desta lei e instituída a Comissão Mista
de Reavaliação de informações sobre tratamento e classificação de
informação, em contato permanente com a Casa Civil da Presidência da
República, inserida na competência da União, composta por ministro de
Estado e por representantes dos Poderes Legislativo e Judiciário, com
mandato de 2 anos.
O relator da lei no Senado, senador Walter
Pinheiro (PT-BA), em seu parecer, chamou a atenção para duas condições
indispensáveis para o sucesso da lei: a) que os detentores de
informações as considerem como bem públicos, já que o que o Estado
produz é da sociedade, e b) que haja uma grande campanha de publicização
do direito que a população tem à informação.
A Lei de Acesso à
Informação, conclui o relator, incentivará a formação de uma cultura de
transparência e de ampliação das informações sobre a utilização dos
recursos públicos, possibilitando o controle social da gestão publica e
assegurando as condições de efetivação do princípio da publicidade dos
atos administrativos.
De fato, sua adoção significará uma
importante mudança de paradigma no país no que se refere a dados,
arquivos e registros públicos, alterando profundamente a forma de
relacionamento entre administração e cidadão. O acesso dos cidadãos, dos
agentes econômicos e da sociedade organizada às informações produzidas
ou mantidas por órgãos do governo será regra e o sigilo, exceção.
Nesse
diapasão, a cultura de facilitar a consulta aos registros públicos vem
se consolidando nos três poderes da União, com a criação de portais com
dados e informações sobre praticamente todos os temas que a legislação
não considerado confidenciais, reservados, sigilosos ou secretos. Isso
graças, de um lado, aos investimentos em tecnológicas da informação e
comunicação, e, de outro, à aprovação de leis que criaram mecanismos de
controle do gasto público.
Desde a redemocratização, o Brasil tem
dados passos significativos nesse direção. No Governo Sarney foi criado o
Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), nos Governos de
FHC foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal e criada a CGU
(Controladoria-Geral da União), nos Governos Lula foi criado o Governo
Eletrônico, o portal da "Transparência" e aprovada a lei Capiberibe ou
Lei de Gestão do Dinheiro Público (Lei Complementar 131/2009), e, agora,
na gestão Dilma, a lei de acesso à informação.
Para conclusão e
consolidação do Governo Aberto e Transparente, os próximos passos serão a
aprovação da lei do lobby, PL 1.202/2007, que irá regulamentar a
representação direta e a defesa de interesses afetados por decisões do
poder público, a aprovação do PL 7.528/2007, sobre conflitos de
interesse, a aprovação do PL 3.443/2008, sobre lavagem de dinheiro, além
da elaboração e aprovação da lei geral de controle e qualidade dos
serviços públicos, como exige o inciso I, parágrafo 3º, do artigo 37 da
Constituição.
O acesso à informação, portanto, é fundamental na
República, porque além de favorecer a democracia, a prevenção e o
combate à corrupção, é fator determinante para assegurar a participação
social e o controle cidadão sobre atos governamentais, eliminando a
assimetria de conhecimento existente entre instituições e pessoas. Com a
nova lei, pelo menos do ponto de vista da oportunidade, todos serão
iguais, bastando que acessem os portais ou exerçam o direito de petição.