Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1.572, de 2011,
que, baseado em moderna minuta elaborada pelo ilustre professor Fábio
Ulhoa Coelho, objetiva instituir novo Código Comercial brasileiro e,
assim, sistematizar e simplificar as normas do direito comercial. Sem
fazer juízo quanto à necessidade de um novo Código, cabem, sob o ponto
de vista processual, algumas breves observações sobre a disciplina que
se pretende implantar. Embora haja disposições processuais outras ao
longo daquele diploma, este artigo limitar-se-á a analisar duas figuras
localizadas no capítulo intitulado Do processo empresarial.
Tal capítulo é composto por três artigos (655 a 657), dispondo o
primeiro deles que em processos em que "o pedido compreender a aplicação
de dispositivo deste Código" observar-se-ão as regras ali previstas
(art. 655). O caput e o parágrafo 1º do art. 656, por sua vez, estatuem
que a parte poderá requerer, em medida antecedente ou incidente ao
processo, que o adversário diretamente lhe entregue documentos
relevantes para a causa. Prosseguindo, ressalva-se que a ordem judicial
só poderá ser descumprida quando o emissor ou destinatário do documento
for advogado (parágrafo 3º) e, por fim, dispõe-se que quando determinada
a referida entrega as partes só poderão utilizar como prova documental,
no processo em curso ou que venha a se instalar, documentos que tenham
sido permutados na forma desse incidente (parágrafo 5º).
Com isso, o Código pretende instituir, em litígios empresariais,
figura similar à "discovery" ou à "disclosure", mecanismos de instrução
preliminar do direito anglo-saxônico e que, resumidamente, estabelecem o
dever de as partes produzirem prova em uma fase processual preambular
(por exemplo, entregando documentos relacionados às suas pretensões).
Esses mecanismos procuram imprimir ao processo contornos éticos e
colaborativos, afastando o que a doutrina bem nomeou de emboscadas e
surpresas processuais.
Mais cientes quanto às chances de êxito, as partes tendem a deixar de ir à Justiça
De um lado, verdade é que, permitindo-se - ou melhor, impondo-se - às
partes que produzam prova antes do início do processo, elas terão maior
conhecimento de fatos que, no mais das vezes, conhecem de modo parcial.
Isso em tese estimula um litigar mais consciente e evita que o processo
seja um duelo no escuro. Mais cientes quanto às suas chances de êxito,
as partes tendem a deixar de ir ao Judiciário desnecessariamente e a
buscar mecanismos de autocomposição (transação ou sujeição). Sob essa
ótica, bastante salutar a previsão do Código. Outros aspectos da
disciplina que o projeto quer implantar, contudo, merecem maior atenção.
Com efeito, as mesmas preocupações que foram levantadas nos sistemas
de "common law" podem ser invocadas aqui. A primeira dela diz com o
"discovery abuse", do qual é exemplo o pedido genérico de documentos e
informações com o intuito de tumultuar e atrapalhar a parte contrária
(fishing expedition). Preocupações legítimas existem também quanto aos
custos e ao tempo que uma fase instrutória preliminar, caso não bem
disciplinada, possa representar. O que dizer, então, de documentos que
contenham segredo empresarial? Da mesma forma, há dúvida quanto à
amplitude subjetiva desse dever, na medida em que o parágrafo 3º do art.
656 libera da entrega de documentos apenas o advogado. O que falar de
outros profissionais que, por imperativo legal, também devem guardar
sigilo sobre informações que detêm?
O art. 657, por sua vez, preceitua que, sendo complexa a causa, o
julgador poderá nomear um facilitador, que elaborará um relatório
arrolando as questões surgidas e as provas produzidas no decorrer do
processo, sendo-lhe proibido manifestar opinião sobre o desfecho que
este deve ter (parágrafos 3º e 4º). Os seus honorários serão fixados
pelo juiz e pagos pelas partes.
Um primeiro comentário é que, na premissa de que preocupação do
projeto com a criação dessa figura é a de instrumentalizar o Judiciário
na solução de litígios de complexidade técnica elevada, talvez fosse
melhor positivar figura similar à da "expert witness", técnica
probatória utilizada em arbitragens e que consiste na oitiva de
especialistas que auxiliem o julgador a melhor compreender uma
controvérsia técnica. O facilitador organizará o processo, mas não
ajudará na solução de questões intrincadas, que, dentre outros fatores, é
o que canaliza litígios empresariais para a arbitragem.
Sem dúvida que o facilitador otimizará a atividade do magistrado, mas
talvez fosse o caso de dar um passo adiante e estabelecer instituto
análogo ao da testemunha técnica. Outras dúvidas que surgem: a
remuneração do facilitador deve ser considerada como despesa processual
reembolsável pela parte vencida (CPC, art. 20)? O pagamento dos
honorários é um ônus ou um dever? A resposta a esta última pergunta é
fundamental para que se estabeleça a consequência para o não pagamento.
Enfim, são apenas algumas observações preliminares sobre essas duas
figuras que o Código pretende instituir. O balanço geral é sem dúvida
positivo. Se bem empregados, os institutos podem ser muito úteis e
contribuir para um processo mais célere e efetivo. Mas para que sejam
bem empregados é salutar que se discipline mais detalhadamente os
respectivos procedimentos e abrangência. Eis aqui uma recomendação aos
nossos congressistas.
Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereiral são,
respectivamente, advogado e professor titular da Faculdade de Direito da
USP; advogado e mestrando na Faculdade de Direito da USP
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