Para
alcançar a justiça tributária o contribuinte deve encarar com
naturalidade e serenidade uma possível fiscalização em seu negócio. Nas
últimas quatro décadas tive a oportunidade de presenciar situações onde
empresários fiscalizados detectaram irregularidades que não conheciam em
suas empresas e que uma vez corrigidas os ajudaram a superar sérios
problemas.
Todavia, ao ser fiscalizado o contribuinte deve
socorrer-se da ajuda profissional de advogados tributaristas. Não pode
optar por profissionais de outras áreas e menos ainda por milagreiros ou
traficantes de influência, especialmente os que tenham ocupado cargos
na administração. Corre-se o risco de se tornar cúmplice de crime ou
refém de futuros atos ilíctos. Afinal, estamos na era da informática,
onde a digitalização de documentos é rotina, bem diferente de tempos
antigos onde queimar livros ou rasgar fichas de papelão podia colocar o
sonegador livre de qualquer consequência.
Talvez em empresas bem
pequenas a assessoria de um contador resolva. Mas se existe um auto de
infração, é bom lembrar que o contador não dispõe de conhecimentos
jurídicos suficientes para enfrentar todas as suas consequências,
especialmente as de natureza criminal, societária, sucessória, etc.- Nas
faculdades de ciências contábeis existem aulas de direito tributário e
comercial, mas com carga horária insuficiente e programa resumido.
Também
é bom evitar profissionais sem qualquer formação jurídica que se
autodenominam consultores fiscais ou tributários apenas porque ocuparam
cargos na administração fazendária.
Os concursos para fiscais
costumam admitir qualquer bacharel. Há casos de bachareis em química,
comunicação, odontologia, música, física, história, pedagogia, etc., que
depois de alguns anos fazendo um cursinho preparatório foram aprovados
no concurso de fiscal e permaneceram no cargo tempo suficiente para se
aposentar e que agora, protegidos por proventos confortáveis,
associam-se a escritórios de advocacia ou auditoria para oferecer
serviços de consultoria tributária.
Pode ocorrer que o
contribuinte venha a optar por um desses consultores, na esperança de
que ele tenha feito bons contatos pessoais na época em que foi servidor
público e assim possa favorecê-lo. Já vi alguns que se equivocaram, pois
o aposentado não era estimado pelos seus colegas que ainda não se
aposentaram e assim complicaram ainda mais a vida do cliente.
Há,
pois, o risco de se tornar cúmplice de um crime e também o de se tornar
vítima de rancores de terceiros. Afinal, as repartições públicas são
frequentadas por gente como a gente, onde antipatias pessoais também
existem.
No cotidiano do atendimento a empresas fiscalizadas
encontramo-nos com situações curiosas, onde no mais das vezes o agente
fiscal ignora a lei e trata o contribuinte como se seu empregado fosse.
Para que se possa reagir adequadamente a tal contexto, é necessário que o
profissional seja independente, atualizado e habituado com tais
problemas.
Uma dessas situações relaciona-se com a obrigação que
tem o contribuinte de fornecer documentos e prestar informações. Já se
tornaram comuns, por exemplo, intimações onde o fiscal exige o
preenchimento de planilhas complexas ou formulários detalhados, feitos
pelo próprio fisco para suposta apuração de irregularidades e que podem
servir de apoio ao auto de infração.
Já acontece com alguma
frequência também a intimação de contribuintes para prestar declarações
junto à repartição fiscal sobre determinados fatos, onde elas são
colhidas e assinadas como se fossem depoimentos.
Ora, o
contribuinte só está obrigado a fornecer as informações previstas em lei
e devidamente regulamentadas. Não é auxiliar do fiscal ou servidor
público, não tendo pois obrigação de preencher coisa alguma que não
esteja prevista em lei. Deve o fiscal arrecadar os livros e documentos
fiscais e contábeis e ele sim elaborar as planilhas de que necessitar.
Tudo
isso é simples: trata-se de observar os artigos 194 a 200 do CTN (lei
5172), destacando-se a parte final do artigo 196, que ordena que o prazo
de encerramento das diligências fiscais deve ser estabelecido. Isso
nunca é fixado corretamente, representando um grande abuso, pois há
casos em que uma empresa permanece anos a fio sob fiscalização.
O
contribuinte também não tem obrigação alguma de prestar declarações ao
fisco como se a repartição fosse o fórum ou a delegacia. Em determninada
repartição em São Paulo quem gostava de fazer isso era um tal grupo de inteligência, aliás denominação ridícula, como se existisse no fisco pessoas não inteligentes.
Ora,
para proteger o contribuinte contra tais abusos e fazer com que seus
direitos sejam respeitados, é necessário um advogado tributarista. Não
adianta vir com consultor, milagreiro ou similar, a menos que se
pretenda tornar cúmplice de crime.
O direito a não prestar
declarações é garantia constitucional. Trata-se da garantia de não ser
obrigada qualquer pessoa a prestar declarações ou informações que
representem auto-incriminação. Decidiu o Supremo Tribunal Federal em
várias oportunidades que:
“Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não ser obrigado a prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver interpretado contra ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a condenação” (STF, HC n. 84.517/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 19.10.2004).
O Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (TRF-4) , no HC 2003.04.01.024851-2 também decidiu que:
“A
garantia contra a auto-incriminação prevista no inciso LXIII do artigo
5º da CF/88 se estende a qualquer indagação por autoridade pública, de
cuja resposta possa advir a imputação da prática de crime pelo
declarante.”
No mesmo sentido é a doutrina corrente. ADA
PELLEGRINI GRINOVER, citada por CELSO BASTOS em “Comentários à
Constituição Brasileira de 1988” (Saraiva, S.Paulo, 2º volume, pág. 296)
ensina que:
“O réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem.”
O Prof . HUGO DE BRITO MACHADO, em trabalho publicado no Jornal Síntese, também afirma que:
“...o
contribuinte não tem o dever de prestar informações ao Fisco, que
possam servir como prova do cometimento de crime contra a ordem
tributária, ou qualquer outro. A não ser assim, ter-se-ia violado o
princípio da isonomia, posto que aos autores de quaisquer crimes, por
mais hediondos que sejam seus cometimentos, sempre é assegurado pela
Constituição o direito ao silêncio, vale dizer, o direito de não se
auto-incriminarem. O contribuinte não há de ser tratado diferentemente.”
CELSO
ANTONIO TRÊS, membro do Ministério Público Federal, em trabalho
publicado em 22/12/2005 no “site” denominado “juristas. com. br”
comentou a questão de fornecimento de livros e documentos fiscais ao
Fisco, concluindo que:
“Esses documentos estão imunes à
entrega compulsória, auto-incriminação, pelos próprios réus....Na
atividade empresarial, existem vários livros obrigatórios e outros
facultativos (livro caixa, livro razão, livro contas-correntes, livro da
produção, livro de entradas, saídas, livro de estoques, etc.) ...No
âmbito fiscal, vários livros são impositivos, vários deles previstos no
Convênio de 15/12/70 do Confaz. Apenas estes, os estritamente fiscais, estão obrigados à entrega compulsória. Os demais, incluindo os empresariais, não.”
MIGUEL REALE JUNIOR e HELOISA ESTELLITA (“Valor Econômico” de 15/01/2003) ensinam que:
“Embora
o Fisco tenha direito a examinar livros e documentos e a solicitar da
empresa as informações necessárias à regularidade da arrecadação
tributária, o correspondente dever do contribuinte de atender a estas
solicitações encontra-se limitado pelo direito constitucional a
não colaborar na produção de provas contra si mesmo, direito esse que
vale em face dos agentes fiscais.”
O direito à não
auto-incriminação deve ser entendido como uma das garantias individuais
que se fundamentam na presunção de inocência. Não cabe ao contribuinte
provar que não sonegou. Cabe exclusivamente ao Fisco a prova de
sonegação ou fraude, que não se presumem.
Portanto, qualquer
contribuinte que receba intimação fiscal deve antes de atendê-la
consultar seu advogado de confiança. Caso venha a ser autuado deve
procurar um advogado tributarista. Qualquer coisa diferente disso poderá
resultar em grandes riscos e prejuízos. Seria o mesmo que com uma
doença grave consultar-se com o farmacêutico da esquina. Se este for uma
pessoa séria, vai recomendar um bom médico e não praticar o crime de
exercício ilegal da medicina.