A
guerra fiscal provocada por incentivos tributários e pela renúncia de
arrecadação aprovados pela maioria dos estados brasileiros para trazer
investimentos de empresas para seu território não faz bem ao país. É uma
forma predatória de disputa justificada pela falsa ideia de que a
atração de empresas com benesses tributárias promove o desenvolvimento
regional.
Essa é a opinião unânime de políticos e técnicos que participaram, nesta quinta-feira (15/9), do seminário Federação e Guerra Fiscal,
promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV), com o apoio do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). Mas é unânime também a opinião que a busca da paz
fiscal não é simples e demanda um trabalho gradual e suprapartidário.
O
governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), revelou essa
preocupação. Para ele, é preciso enfrentar essa questão sem ameaça à
segurança jurídica e com respeito aos contratos. “Como explicar para uma
empresa que está investindo no Brasil que, do dia para a noite, ela
terá que provisionar no seu balanço cinco anos de tributos não
recolhidos?”, questionou.
Eduardo Campos afirmou que é necessário
atacar a guerra fiscal, mas é preciso também compreender a realidade.
“Não a realidade dos autos de um processo, mas a realidade
sócio-econômica do Brasil”, afirmou.
O governador pernambucano
informou que, de acordo com as contas da Receita Federal, o Brasil fará
uma renúncia tributária de R$ 116 bilhões este ano, com incentivos
fiscais em diversas áreas, como biodiesel e informática, e até mesmo com
o financiamento do horário eleitoral gratuito. “E o que nós temos para o
desenvolvimento regional não chega a R$ 6 bilhões”, afirmou.
Para
o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), um dos motivos da
guerra fiscal é o fato de o Brasil ser uma Federação frágil: “O
Congresso aprova uma lei de redução de carga tributária. O estado faz as
contas e vê que deixará de arrecadar R$ 600 milhões. Logo, o Congresso
aprova outra lei, sobre plano de cargos e salários nos estados, que
implica em uma despesa adicional de R$ 700 milhões. De um lado, diminui a
receita. De outro, aumenta gastos. Essa é a fragilidade da Federação
brasileira”.
Alckmin criticou com vigor a mistura entre
desenvolvimento regional e guerra fiscal. O governador disse que a
guerra fiscal é uma afronta, em primeiro lugar, à lei. “A lógica da
democracia é o respeito à lei. Sem respeito à lei, não há segurança
jurídica para os investimentos”, afirmou.
Para o governador
paulista, as renúncias fiscais que provocam a guerra entre os estados
beneficiam quem não precisa de incentivo. “Não se faz renúncia fiscal
para o pequeno empreendedor, mas para multinacionais biliardárias”. E
quem paga a conta, no fim das contas, é o próprio contribuinte, frisou
Alckmin.
Drible no Supremo
Em 1º de junho, o Supremo Tribunal Federal proferiu um duro golpe na
guerra fiscal entre os estados brasileiros. Por decisão unânime do
Plenário, definiu que os estados não podem conceder benefícios fiscais
sem acordo entre todas as secretarias de Fazenda. A corte analisou 14
ações diretas de inconstitucionalidade contra leis de sete estados que
davam reduções e isenções fiscais a empresas e setores econômicos sem
acordo prévio no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), como
determina a Constituição Federal.
Mas, como frisou o advogado Ary
Oswaldo Mattos Filho, professor de Direito da FGV, a decisão foi
ignorada. Diversos estados já aprovaram novas leis e criaram programas,
sem o aval do Confaz, para driblar a decisão. “Precisamos mudar esse
cenário, com discussões políticas e técnicas, partindo da premissa
básica de que não haverá mais burla à lei”, afirmou.
O professor
disse que empresas não são pequenos caracóis que podem sair migrando de
um estado para outro e que cabe aos políticos, mais do que aos técnicos,
achar uma saída consensual para colocar fim a esse cenário de incerteza
jurídica provocado pela guerra fiscal.
Bernard Appy, diretor da
BM&F Bovespa, lembrou de um empresário que lhe disse: “Minha empresa
tem rodinhas. Vou para o estado que me der mais incentivo”. E ressaltou
que os efeitos dessa política são danosos e não contribuem para o
desenvolvimento regional. “O ICMS virou base de incentivo e não mais de
imposto. Isso precisa ser revisto”, disse.
O diretor da Bovespa
também advoga a tese de que, apesar das ilegalidades intrínsecas aos
incentivos, não é possível acabar com eles do dia para a noite: “Os
incentivos são ilegais, mas é preciso acabar com eles gradativamente”.
No projeto de reforma tributária que tramita no Congresso, o período
previsto para o fim da guerra fiscal é de oito anos, que Appy considera
razoável. E frisou que não pode haver a convalidação dos benefícios da
reforma tributária.
Para Everardo Maciel, ex-secretário da Receita
Federal, a guerra fiscal piorou quando a União concentrou seu trabalho
em relação às finanças públicas na Lei de Responsabilidade Fiscal, na
renegociação da dívida dos estados e se afastou do ICMS. A falta de
coordenação do governo federal sobre as regras do imposto permitiu a
concessão de diversos benefícios ilegais que perduram ao longo do tempo.
“É possível fazer competição fiscal lícita”, afirmou.
O deputado
federal Pauderney Avelino (DEM-AM) também criticou a guerra fiscal, mas,
como Eduardo Campos, disse que é preciso observar a realidade do país.
“A guerra fiscal decorre até do desespero dos governantes de desenvolver
suas regiões”, afirmou.
O parlamentar observou que mesmo sendo
contra a guerra fiscal, tem de se observar que houve uma melhor
distribuição do Produto Interno Bruto (PIB) do país entre os estados
graças aos incentivos tributários. Segundo o deputado, nos últimos 40
anos, o PIB do Sudeste caiu de 62,1% para 57,6% do PIB nacional,
enquanto do da região Norte subiu de 2% para 5%.
Da discussão,
ficou a certeza de que a guerra fiscal tem de acabar, mas que não terá
fim sem que técnicos, juristas e políticos se sentem à mesa e discutam
um fim gradual para os incentivos existentes hoje. Nem sem que seja
redesenhada a participação dos estados nas receitas da União e nas
decisões do Congresso Nacional que afetem as finanças públicas
estaduais.