Promovida
uma ação contra Estado soberano estrangeiro, poder-se-ia questionar a
necessidade de ordenar a citação nas situações em que, de plano, pode o
juiz constatar a imunidade de jurisdição. Esse indeferimento liminar
seria indicado caso se considerasse inepta a petição inicial, o
que somente poderia ocorrer se fosse válido o entendimento de que a
ação contra Estado imune à jurisdição é juridicamente impossível (Código
de Processo Civil, artigo 295, parágrafo único, III).
Entretanto,
a imunidade de jurisdição não significa impossibilidade jurídica do
pedido. Não se pode considerar inepta a petição inicial, pois ela, mesmo
nos casos em que se configura a imunidade, deve provocar o chamamento a
juízo do Estado-réu. É verdade que o Estado estrangeiro pode, querendo,
declinar o foro, se, pelas circunstâncias concretas do litígio, fizer
jus à prerrogativa de imunidade. Todavia, diante da possibilidade de não
exercício do direito à imunidade (renúncia) ou mesmo de sua não
caracterização, é preciso sempre chamar o Estado réu a juízo, o que se
faz por meio da citação (CPC, art. 213: Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.).
Chamado
a juízo, ou seja, ameaçado pela jurisdição estrangeira, é que o Estado
soberano poderá exercer — ou não — o direito de a ela não se submeter,
caso, repita-se, as circunstâncias fáticas consubstanciarem a hipótese
normativa do direito internacional público consuetudinário, que
estipula, de modo não absoluto, a imunidade de jurisdição. O juiz deve
sempre, portanto, determinar a citação do Estado estrangeiro.
Problema
relevante é saber como deve ser feita a citação do Estado estrangeiro.
Diante da existência de representação diplomática, alguns juízes e
tribunais tendem a determinar que a citação seja enviada à embaixada do
Estado réu ou mesmo ao seu consulado, sob o raciocínio de que a missão
diplomática permanente tem a representação ampla do Estado estrangeiro,
inclusive para receber citações. Parece razoável o argumento de que o
Estado estrangeiro deve ser citado por meio de sua missão diplomática,
mas a questão não é assim tão simples.
Antes de abordar o problema
da existência de poderes para receber citação no âmbito da
representação diplomática ou consular, é preciso ressaltar que as
missões diplomáticas e os serviços consulares não têm personalidade
jurídica, sendo impróprio promover ações contra esses órgãos. As muitas
ações que na jurisprudência brasileira arrolam consulados e embaixadas
como réus são, na verdade, ações contra os Estados estrangeiros
acreditados, sendo recomendável, nesses casos, que o juiz determine a
correta autuação.
Quando a ação, ainda que impropriamente, é
promovida contra a embaixada ou consulado, a citação é normalmente
ordenada para esses órgãos, quase sempre observando os juízes a remessa
por meio do Ministério das Relações Exteriores. Resta saber, entretanto,
se o Estado estrangeiro pode ser citado por meio de seus representantes
locais.
Não deve o juiz incorrer no equívoco de procurar a
resposta para essa questão no Código de Processo Civil que, como visto,
não disciplinou o procedimento das ações contra Estados estrangeiros. O
simples empréstimo da solução que o CPC oferece para as pessoas
jurídicas não soberanas pode não estar de acordo com o Direito
Internacional ou não atender às normas de cortesia internacional, ou
mesmo não promover a reciprocidade de tratamento. É preciso encontrar
solução que atenda à especialidade da situação em que o réu não é
simples pessoa jurídica, mas um Estado soberano.
Na ausência de
uma norma internacional escrita, buscamos, inicialmente, as soluções
encontradas pelas legislações de outros países. Ainda que essas práticas
unilaterais não impliquem necessariamente na existência de norma
consuetudinária internacional, dada a restrição de sua aplicação, podem
elas servir de indicação dessa norma ou, pelo menos, de critério
auxiliar para integração da lacuna do direito brasileiro. Analisamos as
leis sobre imunidades de jurisdição de quatro países, Estados Unidos,
Reino Unido, Austrália e Argentina. Todas essas leis, exceto a
argentina, que nada dispõe sobre esse aspecto, preveem que a citação
deve ser feita no território do Estado estrangeiro, isto é, não devem
ser remetidas às embaixadas ou consulados acreditados no Estado do foro.
O Federal Sovereign Immunity Act
dos Estados Unidos, promulgado em 1976 e emendado em 1988 e 1997,
admite que a citação pode ser feita nos termos de acordo especial
firmado entre o Estado do foro e o Estado-réu. Nessa hipótese, não se
exige tratado internacional, mas apenas acertos pelos quais o Estado
demandado se daria por citado conforme procedimentos previamente
acertados. Não havendo tais acertos, a lei americana estipula que a
citação deve ser feita nos termos de convenção internacional aplicável.
Falhando os dois primeiros métodos, pode a corte remeter a citação para o
Ministro das Relações Exteriores do Estado demandado, “por qualquer
forma de correio que preveja um aviso de recebimento”. Somente quando
nenhum desses prévios meios pôde ser realizado, é que a lei americana
autoriza a citação por meio dos canais diplomáticos, ainda assim
determinando que seja endereçada ao Ministério das Relações Exteriores
do Estado-réu.
A lei britânica — o State Immunity Act of 1978
—, mais sucinta, limita-se a determinar que a citação seja transmitida,
por canais diplomáticos, para o Ministério das Relações Exteriores do
Estado demandado:
A Austrália, assim como os Estados Unidos e o
Reino Unido, também determinou que a citação do Estado estrangeiro fosse
remetida ao seu Ministério das Relações Exteriores:
Nenhum dos
Estados pesquisados previu em sua legislação que a citação pudesse ser
remetida às missões diplomáticas e consulares do Estado demandado.
Tampouco o fez a Convenção Europeia sobre Imunidade do Estado (European Convention on State Immunity), que, igualmente, previu a transmissão da citação para o Ministério das Relações Exteriores do Estado-réu:
A
prática internacional recomenda que a citação seja dirigida ao
Ministério das Relações Exteriores do Estado demandado, embora uma das
funções de uma missão diplomática consista em representar o Estado
acreditante perante o Estado acreditado, conforme expressamente
estabelece o artigo 3o, parágrafo 1o, a,
da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. A Convenção
Internacional sobre Imunidade Jurisdicional dos Estados e de seus Bens,
preparada pela ONU mas ainda não vigente, confirma essa prática ao
estabelecer que, na ausência de convenção internacional, a citação deve
ser transmitida por meio de canais diplomáticos para o Ministério das
Relações Exteriores do Estado demandado.
Entendemos que a citação
do Estado estrangeiro não precisa, necessariamente, ser feita por carta
rogatória, pois o sentido desse instrumento é solicitar a realização de
um ato processual que deve ter lugar no território do Estado estrangeiro
soberano e que, portanto, somente pode ser realizado pelo Poder
Judiciário local. A ordem de citação de uma pessoa que se encontra no
exterior, não podendo ser executada diretamente no território
estrangeiro, não atingiria seu destino sem a cooperação rogada às
autoridades competentes do Estado estrangeiro. Mas a citação do Estado
estrangeiro é diferente, pois sua efetivação não carece de ato
processual em território estrangeiro para que alcance o réu, bastando
para esse fim sua comunicação por vias diplomáticas ao Ministério das
Relações Exteriores do Estado demandado. Os canais diplomáticos são o
meio de comunicação entre Estados, não havendo porque substituí-los
pelos meios judiciais estrangeiros, a menos que uma convenção
internacional disponha em contrário. Assim, a ordem judicial de citação
do Estado-réu estará efetivada quando, pelos canais diplomáticos,
atingir o seu Ministério das Relações Exteriores, sendo desnecessário
que se rogue essa citação às autoridades judiciárias desse Estado.