Em
casos excepcionais, há possibilidade de quebra de sigilo telefônico em
processos cíveis. Este entendimento foi aplicado pela 3ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça ao rejeitar Habeas Corpus contra decisão da
4ª Vara de Família da Comarca de Campo Grande, que decretou a quebra do
sigilo telefônico de um pai que se recusa a entregar o filho para a
mãe, caso de subtração de menor, crime previsto no artigo 237 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O
pedido de Habeas Corpus foi apresentado pela operadora de telefonia que
se recusou a apresentar os dados à Justiça, com o argumento de que a
quebra de sigilo telefônico, de acordo com a Constituição Federal e a
Lei 9.296/96, é vedada na esfera extrapenal. Para os ministros da 3ª
Turma, este argumento não é suficiente para a concessão do HC e nem para
que a decisão de primeira instância não seja cumprida.
"Não
toca ao paciente, embora inspirado por razões nobres, discutir a ordem
judicial alegando direito fundamental que não é seu, mas da parte
processual. Possibilitar que o destinatário da ordem judicial exponha
razões para não cumpri-la é inviabilizar a própria atividade
jurisdicional, com prejuízo para o Estado Democrático de Direito", diz o
acórdão do STJ.
Em
segunda instância, o pedido de HC também foi negado. O Tribunal de
Justiça de Mato Grosso entendeu que apesar de a Lei 9.296/96 vedar
interceptação telefônica na seara extrapenal, "tal princípio não é
absoluto". Segundo os desembargadores, no âmbito cível e em situação
extremamente excepcional, é admitida a quebra de sigilo telefônico
quando nenhuma outra diligência puder ser adotada.
Ao
analisar o caso, o ministro Sidnei Beneti ressaltou que é preciso
ponderar garantias constitucionais em conflito. A situação, escreveu,
"inspira mais cuidado do que, à primeira vista, pareceria ser o caso de
aplicação pura e simples do preceito Constitucional que estipula a
garantia do sigilo das comunicações. Há que se proceder à ponderação dos
interesses constitucionais em conflito, sem que se possa estabelecer, a priori, que a garantia do sigilo deva ter preponderância".
Sidnei
Beneti destacou trecho do parecer do MP que também trata da necessidade
de se ponderar valores expressamente previstos na Constituição Federal.
São eles: a proteção à intimidade, nos termos do artigo 5º, X, da
Constituição Federal, e a necessidade de se resguardar os direitos
fundamentais do menor. A solução passa sem dúvida, pela leitura do texto
do artigo 227 da Constituição Federal. De acordo com o MP, este
dispositivo visa à proteção dos Direitos Fundamentais da Criança e do
adolescente pelo Estado com absoluta prioridade.
Segundo
o parecer, não haveria outro motivo para o acréscimo da expressão
"absoluta prioridade" se não fosse para garantir à criança e ao
adolescente a proteção integral de seus direitos fundamentais de modo
absoluto, inclusive quando o resguardo desses direitos estiver em
aparente confronto com outros direitos assegurados pela Constituição
Federal.
O
relator do caso do STJ afirmou ainda que o ato impugnado no Habeas
Corpus retrata hipótese excepcional, em que se cogita até mesmo a
possibilidade de desaparecimento do menor, "tendo em vista que o
requerido sempre se furtou da Justiça, desdenhando ainda do Poder
Judiciário na medida em que compareceu a um programa de televisão e
disse que nada o faria devolver o filho". A pena prevista no ECA para os
casos de subtração de criança "ao poder de quem o tem sob sua guarda em
virtude de lei ou ordem judicial" é de dois a seis anos de reclusão, e
multa.
Leia aqui o relatório e voto do ministro na íntegra.
HC 203.405