O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - responsável
por avaliar recursos de contribuintes contra autuações da Receita
Federal - vai julgar em setembro um caso bilionário envolvendo o Banco
Santander. A questão, acompanhada de perto por advogados e companhias
dos mais diversos setores, trata da legalidade do ágio de R$ 7 bilhões
pago, em 2006, pelo Santander na aquisição do banco Banespa.
Apesar de a legislação permitir o abatimento desse valor no cálculo
do Imposto de Renda e da CSLL, o banco foi autuado, em 2008, em R$ 4
bilhões pela Receita Federal. O órgão entendeu que o valor não seria
correto e que, por se tratar de investimento estrangeiro, não poderia
ser utilizado no Brasil. Além do montante envolvido, o tema desperta
interesse por ser um precedente para companhias que realizaram operação
semelhantes a partir de capital estrangeiro e que também foram multadas
pelo Fisco.
No dia 3 de agosto, procuradores da Fazenda e representantes das
maiores companhias do país apertaram-se na sala da 2ª Turma da 4ª Câmara
da 1ª Seção do conselho. Naquele dia, os conselheiros julgaram a
procedência do recurso do Santander. "Assisti da porta, que ficou aberta
diante da quantidade de público. Estava lotado", diz o advogado Fábio
Calcini, do Brasil Salomão & Mathes Advogados.
No Estado de São Paulo, segundo a Receita Federal no Estado, 43
fiscalizações relacionadas ao tema foram realizadas entre 2001 e março
deste ano. Os procedimentos geraram R$ 11 bilhões em multas. Segundo o
superintendente-adjunto da Receita na região, Fábio Ejchel, o aumento do
número de casos no período ocorreu porque também elevaram-se as
reestruturações. "O assunto é importante para o Fisco porque verificamos
que cada vez mais empresas vêm diminuindo seu lucro em razão do ágio",
diz.
O ágio é o valor pago a mais na aquisição de uma empresa pela renda
futura que poderá gerar. No caso do Santander, seriam os juros que o
banco tem a receber em razão de empréstimos realizados por clientes do
Banespa, por exemplo, ou ainda o lucro gerado pelo uso dos bens
intangíveis - como a marca Banespa. A Lei nº 9.532, de 1997, permite a
amortização do valor pago como ágio. Ou seja, o montante é registrado na
contabilidade da empresa como uma despesa, reduzindo, portanto, o
lucro, que é a base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL. Essa
operação possibilitou à instituição financeira reduzir em R$ 1,3 bilhão
os valores devidos de IR e CSLL.
O Santander, realizou sete operações, envolvendo cinco empresas, além
do Banespa. O banco espanhol queria aumentar o capital do Santander
Brasil e viu na venda do Banespa uma oportunidade. Como o Banespa era um
banco estatal suas ações seriam vendidas por meio de um leilão - do
qual poderiam participar empresas nacionais e estrangeiras. No fim de
2000, dias após a abertura do leilão, o Santander criou uma holding no
Brasil para ficar com as ações do Banespa. Os papéis foram adquiridos
com recursos do Santander Espanha, mas alocadas na holding. No mês
seguinte, o Banespa incorporou a holding para formar o Santander atual.
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a holding
criada pela instituição é apenas uma empresa veículo cuja finalidade foi
permitir a internalização de um ágio que, na verdade, pertenceria a uma
empresa espanhola e, portanto, não poderia ser usado no país. O
objetivo seria apenas fazer com que o banco pagasse menos impostos com a
operação. O Fisco argumenta também que não seria possível um ágio desse
valor ser fundamentado apenas em rentabilidade futura. "A questão é a
forma como o Santander fez o aproveitamento do ágio", diz o chefe da
procuradoria da Fazenda no Carf, Paulo Riscado.
Na sustentação oral no Carf, o advogado Roberto Quiroga, que
representa o Santander no processo, argumentou que a criação da holding
ocorreu para não se chamar a atenção dos concorrentes no leilão do
Banespa e facilitar a estruturação do Santander no Brasil. Alega ainda
que a rentabilidade futura do ágio foi comprovada por laudo da KPMG. O
banco e seu advogado foram procurados, mas disseram que só se
manifestarão após o julgamento.
Apesar das especificidades do caso, empresas que fizeram ou pretendem
fazer o uso de ágio de capital estrangeiro estão atentas ao julgamento.
Isso porque a legislação não é expressa sobre a participação de capital
de fora do país. Em outros casos que chegaram ao Carf, como o
julgamento do ágio da Dasa e da Vivo, as operações foram realizadas de
forma diferente. Assim, a decisão do Carf sobre esse caso dará mais
segurança jurídica para esse tipo de operação no país.
O uso do ágio passou a ser permitido nos anos 90. O objetivo era
estimular a privatização das estatais. "Naquela época, praticamente
todas as empresas do sistema Telebras passaram por reestruturações",
lembra o advogado Paulo Vaz, do Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli
Advogados. "O que não se esperava é que a partir de 2000, o Fisco
passasse a exigir, com tanto rigor, a fundamentação econômica do ágio
gerado nesses negócios", diz.