Pedido
de vista do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,
suspendeu nesta quinta-feira (18/8) a análise sobre a compatibilidade ou
não dos dispositivos legais que autorizam a execução extrajudicial de
dívidas hipotecárias, dispostos no Decreto-lei 70/66, com a Constituição
Federal. Por enquanto, há quatro votos pela incompatibilidade e dois
que consideram que os dispositivos estão de acordo com a CF.
Os
ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto e Marco Aurélio são os
que já votaram pela incompatibilidade. Já, Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski entendem que as dívidas hipotecárias podem sofrer execução
extrajudicial. Eles, inclusive, lembraram que o Supremo tem
jurisprudência pacífica sobre a matéria.
Do contra
Os quatro ministros que defendem a incompatibilidade da
execução extrajudicial de dívidas hipotecárias com a CF afirmam que ela
ofende o devido processo legal. Nesta quinta-feira, o primeiro a se
pronunciar nesse sentido foi o ministro Luiz Fux. "Esse decreto-lei
inverte completamente a lógica do acesso à Justiça", disse. "O devedor é
submetido a atos de expropriação sem ser ouvido e se ele eventualmente
quiser reclamar ele que ingressa em juízo", emendou. Para Luiz Fux, o
procedimento de expropriação de bens do devedor sem a intervenção de um
juiz afronta o princípio do devido processo legal.
A ministra
Cármen Lúcia ressaltou a jurisprudência assentada sobre a matéria, mas
lembrou que isso não significa que o entendimento não possa ser
modificado, como ela entende que deve ocorrer. "A análise do que se tem
no Decreto-lei 70/66 desobedece, a meu ver, os princípios básicos do
devido processo legal, uma vez que o devedor se vê tolhido nos seus bens
sem que haja a possibilidade imediata de acesso ao Poder Judiciário",
disse.
O ministro Ayres Britto concordou que, no caso, há
desrespeito ao devido processo legal. "O Decreto-lei 70/66 consagra um
tipo de execução privada de bens do devedor imobiliário que tem
aparência de expropriação, na medida em que consagra um tipo de
autotutela que não parece corresponder à teleologia da Constituição
quando (esta) fala do devido processo legal", afirmou.
Quando
votou sobre a matéria, no dia 25 de maio deste ano, o ministro Marco
Aurélio também frisou que a Constituição determina que a perda de um bem
deve respeitar o devido processo legal e, portanto, deve sempre ser
analisada pelo Poder Judiciário. "Ninguém pode fazer Justiça com as
próprias mãos."
A favor
O julgamento começou nesta quinta-feira com o voto do ministro
Dias Toffoli, que defendeu que o atual entendimento do Supremo sobre a
questão seja mantido. Ele citou decisões antigas sobre o tema que
ressaltam que as regras do decreto-lei não representam uma supressão do
processo de execução do efetivo controle judicial, mas tão-somente um
deslocamento do momento em que o Poder Judiciário é chamado a intervir.
No caso, o executado poderá buscar reparação judicial se entender que
teve seu direito individual de propriedade lesado.
Dias Toffoli
acrescentou que os demais tribunais do país passaram a adotar o mesmo
entendimento do Supremo diante do firme posicionamento jurisprudencial
da Corte sobre a matéria. "Mostra-se de rigor a reafirmação dessa
pacífica jurisprudência para que se reconheça agora, com a autoridade de
matéria cuja Repercussão Geral já foi reconhecida pelo plenário virtual
da Corte, a recepção, pela Constituição Federal de 1988, das normas do
Decreto-lei 70/66, que cuidam da execução extrajudicial", concluiu.
O
ministro Ricardo Lewandowski iniciou seu voto expressando preocupação
com o volume de processos judiciais existentes no país e ressaltando o
esforço do Conselho Nacional de Justiça para estimular a mediação, a
conciliação e a arbitragem. Ele falou ainda que o financiamento da casa
popular vem crescendo e, diante disso, é preciso pensar em mecanismos
ágeis para que esse mercado em expansão possa funcionar adequadamente.
"Entendo
que, desde o momento que o Decreto-lei 70/66 foi concebido, teve-se em
mente a desburocratização do sistema de financiamento da casa própria e
do imóvel para a pessoa física", disse. Ele também frisou o fato de o
Supremo ter uma jurisprudência sólida sobre a matéria tanto antes quanto
depois da promulgação da Constituição.
Citando argumentos do
professor Orlando Gomes, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou ainda
que o decreto-lei não impede ou proíbe o acesso à via judicial e que em
qualquer fase da execução extrajudicial é possível o acesso ao
Judiciário. "Portanto, se houver qualquer ofensa ao devido processo
legal no que tange a essa execução extrajudicial, a parte que se
considera prejudicada pode acorrer ao Judiciário", afirmou.
Pedido de vista
Ao pedir vista dos processos, o ministro Gilmar Mendes se disse
"extremamente preocupado" com o que classificou como "forma de pensar"
que traz sempre mais questões para o Judiciário. Para o ministro, o
modelo que se desenha "onera sobremaneira o Judiciário" e "o inviabiliza
de forma clara, trazendo inclusive custos adicionais para o modelo de
contrato e de financiamento".
"A mim parece que a ideologia hoje
presente é de realização de direitos, se necessário, com a intervenção
judicial", disse. Segundo o ministro, em países que respeitam o Estado
de Direito é muito comum a prática de execução nos moldes do Decreto-lei
70/66. "Tendo em vista os votos já avançados no sentido da não recepção
(do decreto-lei pela Constituição), vou pedir vista dos autos para
trazer um exame mais acurado do tema", concluiu.
Histórico da matéria
A matéria está sendo analisada no julgamento de dois Recursos
Extraordinário, sendo que um deles teve Repercussão Geral reconhecida.
Isso significa que a decisão tomada pelos ministros deverá ser aplicada a
todos os recursos idênticos em todo país.
Um dos recursos é de
relatoria do ministro Marco Aurélio e começou a ser julgado em maio
deste ano. Ele proferiu seu voto na ocasião e, após ser seguido pelo
ministro Luiz Fux, o julgamento foi adiado por um pedido de vista do
ministro Dias Toffoli.
Os processos passaram a ser julgados
conjuntamente porque, antes de proferir seu voto na matéria, o ministro
Dias Toffoli lembrou que havia pedido vista em um deles, sob relatoria
do ministro Marco Aurélio. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo tribunal Federal.
REs 556.520 e 627.106