Enquanto defensores do sigilo eterno de documentos oficiais seguram a
tramitação, no Senado, do projeto que cria a Lei de Acesso à Informação,
o Judiciário virou refúgio de quem tenta obter dados governamentais
mantidos em segredo. Decisões recentes de tribunais obrigam políticos,
empresas públicas e órgãos governamentais a divulgar informações
requisitadas por organizações, empresas, partidos políticos e cidadãos
comuns.
Os dados solicitados envolvem assuntos tão diversos como licitações,
concessão de benefícios fiscais, estatísticas sobre educação, presença
de parlamentares em sessões legislativas e gastos com salários e
publicidade oficial. Há situações mais prosaicas, como um caso de
Cerquilho, no interior paulista, em que a prefeitura se recusou a
fornecer detalhes sobre a construção de um matadouro e o assunto foi
levado à Justiça.
O argumento de quem recorre ao Judiciário é o artigo 5º, inciso 33,
da Constituição Federal. O texto diz que "todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse coletivo ou geral". A
norma prevê, no entanto, a promulgação de uma lei para regulamentar
prazos e procedimentos para liberar esses dados.
Como a Lei de Acesso à Informação ainda não foi promulgada, o direito
de acessar dados oficiais ficou à mercê da boa vontade dos políticos.
Diante da dificuldade em obter informações, os autores desses pedidos
passaram a buscar o Judiciário. É o caso da Associação dos Amigos de
Januária (Asajan), uma organização de combate à corrupção nos municípios
do Norte de Minas, que vem usando, como estratégia, o ingresso de ações
judiciais para conhecer dados governamentais. As informações servem
para embasar medidas cobrando a regularidade de atos administrativos.
Algumas decisões judiciais entendem que os papéis produzidos e
guardados pelos governos são públicos e, como tal, devem ser divulgados
de forma ampla. Em Miravânia, no Norte de Minas, a juíza Maria Beatriz
Biasutti obrigou a prefeitura a exibir a relação de todos os servidores
municipais e ocupantes de cargos de comissão, descritos por nome,
função, salário, controle de ponto e grau de parentesco com os políticos
eleitos.
Mas nem sempre os magistrados se posicionam em prol da transparência.
"Com o vácuo legislativo, cada juiz decide como quer", afirma Fábio
Oliva, da Asajan. No caso de Cerquilho, uma decisão recente do Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou um pedido de informações sobre a
construção de um matadouro municipal. O autor do processo havia
justificado que os dados poderiam embasar uma ação popular pedindo o
ressarcimento, aos cofres municipais, de eventuais gastos irregulares.
Mas a 11ª Câmara de Direito Público declarou que o acesso a dados
públicos é "juridicamente limitado" e não vigora, no Brasil, o que os
desembargadores chamaram de "sistema do 'open file' (arquivo aberto)
administrativo".
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir
Cavalcante, critica a ideia de que o "sistema de arquivo aberto" não
vigora no país. "É um posicionamento equivocado", afirma. "A
Constituição Federal estabelece de forma muito clara o direito de
qualquer cidadão ter acesso às informações que o poder público detém.
Essas caixas pretas têm que acabar." A OAB discute a matéria no Supremo
Tribunal Federal (STF), em uma ação pedindo que sejam declaradas
inconstitucionais duas leis que permitem o sigilo eterno dos documentos
oficiais. A OAB quer derrubar o artigo 23, parágrafos 2º e 3º, da Lei nº
8.159, de 1991, e a íntegra da Lei nº 11.111, promulgada no fim de
2005.
Um dos primeiros precedentes sobre o assunto no Judiciário tratava de
uma questão ainda cercada de sigilo: a guerra fiscal. Na década de 90,
no Paraná, a oposição processou o então governador Jaime Lerner para
obter informações sobre benefícios fiscais concedidos à Renault, que
levaram a montadora a instalar-se no Estado. Partidos e parlamentares
alegaram que o acordo beneficiando a empresa teria que ser previamente
analisado pela Assembleia Legislativa, pois poderia prejudicar o Estado.
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu, então,
obrigar o governo a divulgar informações sobre os benefícios fiscais.
Mais recentemente, em setembro, a mesma turma do STJ obrigou a
Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) a exibir documentos
sobre um processo licitatório, requeridos por um estudante de sociologia
que suspeitava de irregularidades no procedimento. "A licitação é
regida pela publicidade dos atos", afirmou o relator do processo no STJ,
ministro Mauro Campbell Marques, ao decidir em favor do estudante.
Segundo o advogado Renato Dantés Macedo, que atuou na causa, o Tribunal
de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) havia negado pedidos de exibição de
documentos, nesse caso e em outros semelhantes, envolvendo licitações da
Copasa.
O Supremo Tribunal Federal ainda não analisou, em plenário, a
abrangência do direito de acesso a informações públicas. Mas já há
manifestações individuais de ministros, como uma liminar do ministro
Marco Aurélio que obrigou a Câmara dos Deputados a divulgar gastos dos
parlamentares com verbas indenizatórias, em ação movida pelo jornal
Folha de S. Paulo. "Já conseguimos diversas decisões favoráveis", diz a
advogada da Folha, Taís Gasparian. "Mas se o Brasil tivesse uma lei de
acesso a informações, não precisaríamos entrar com ações judiciais."
Maíra Magro | De Brasília
04/07/2011
http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/450001/tribunais-garantem-acesso-a-documentos-do-poder-publico
04/07/2011 |