Receita não pode ter acesso a dados de contribuintesEnquanto
o fisco aguarda uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal
sobre a possibilidade de transferência, sem o aval da Justiça, de
informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes, já circula
no tribunal administrativo do Ministério da Fazenda entendimento de que o
assunto está encerrado. No ano passado, o STF decidiu, por maioria
apertada e sem sua composição completa, que o fisco só pode quebrar o
sigilo bancário se a Justiça o autorizar. Só que a decisão alcançou
apenas o caso concreto levado a julgamento, porque o recurso não estava
enquadrado como de repercussão geral. Um julgado recente, porém, dá a
entender que a corte pacificou a questão. Em decisão monocrática
publicada em março, a ministra Cármen Lúcia afirma categoricamente que
não cabe mais discussão sobre o assunto. "No julgamento do Recurso
Extraordinário 389.808 (…), com repercussão geral reconhecida, o Supremo
Tribunal Federal afastou a possibilidade de ter acesso a Receita
Federal a dados bancários dos contribuintes", disse ela ao julgar o
Recurso Extraordinário 387.604. Na opinião da advogada Karen Jureidini Dias,
integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério
da Fazenda, que julga contestações de contribuintes contra autuações da
Receita, o caso seria de reconhecimento da repercussão geral do tema
discutido pelo Supremo, e não apenas do recurso. "A ministra nem
conheceu do novo Recurso Extraordinário porque a decisão anterior havia
sido definitiva", diz. O assunto foi debatido por especialistas na V Jornada de Debates sobre Questões Polêmicas de Direito Tributário, organizada pela FISCOSoft em São Paulo, nestas quinta e sexta-feiras (16 e 17 de junho). A
interpretação seria um banho de água fria nas esperanças do fisco, que
contava com a rediscussão do tema com a formação completa da corte.
Quando o Supremo declarou a impossibilidade da transferência de
informações entre bancos e a Receita, a decisão se deu por cinco votos a
quatro. Na ocasião, o ministro Joaquim Barbosa, que em votação anterior
já havia se posicionado a favor da dispensa do Judiciário para a
quebra, não estava presente. E o ministro Luiz Fux ainda não havia sido
nomeado. Por isso, a Receita esperava que uma das seis ações
diretas de inconstitucionalidade e um Recurso Extraordinário, com
repercussão geral reconhecida, levasse a questão de novo ao Plenário,
para que a corte tomasse uma decisão com efeitos erga omnes ou
impeditiva de nova subida de recursos. Ao que tudo indica, foi
justamente o reconhecimento da repercussão geral do Recurso
Extraordinário 601.314, ainda não julgado pelo STF, que pode ter
resolvido a matéria. Como o tribunal reconheceu a repercussão em outubro
de 2009, a decisão sobre o mesmo tema em outro RE no ano passado teria
sido o arremate. A indefinição tem levado os conselheiros do Carf a
sobrestar todos os recursos envolvendo a questão, segundo a
vice-presidente do órgão, Suzy Gomes Hoffmann. Para o advogado e ex-secretário de fiscalização da Receita, Marcos Vinícius Neder,
ainda restam dúvidas entre auditores e conselheiros sobre o que fazer,
até mesmo quando é o contribuinte quem leva os próprios extratos à
fiscalização. "Mas se o fisco tiver que pedir à Justiça para obter as
informações, as fiscalizações praticamente serão inviabilizadas",
avalia. Leia a decisão da ministra Cármen Lúcia que acendeu os debates: RE 387.604
DECISÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
PELA RECEITA FEDERAL: IMPOSSIBILIDADE. RECURSO AO QUAL SE NEGA
SEGUIMENTO. Relatório
1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “EMBARGOS
INFRINGENTES. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.
COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTIMIDADE E SIGILO DE DADOS VERSUS
ORDEM TRIBUTÁRIA HÍGIDA. ART. 5º, X E XII. PROPORCIONALIDADE. 1.
O sigilo bancário, como dimensão dos direitos à privacidade (art. 5º,
X, CF) e ao sigilo de dados (art. 5º, XII, CF), é direito fundamental
sob reserva legal, podendo ser quebrado no caso previsto no art. 5º,
XII, 'in fine', ou quando colidir com outro direito albergado na Carta
Maior. Neste último caso, a solução do impasse, mediante a formulação de
um juízo de concordância prática, há de ser estabelecida através da
devida ponderação dos bens e valores, in concreto, de modo a que se
identifique uma 'relação específica de prevalência' entre eles. 2.
No caso em tela, é possível verificar-se a colisão entre os direitos à
intimidade e ao sigilo de dados, de um lado, e o interesse público à
arrecadação tributária eficiente (ordem tributária hígida), de outro, a
ser resolvido, como prega a doutrina e a jurisprudência, pelo princípio
da proporcionalidade. 3. Com base em posicionamentos do
STF, o ponto mais relevante que se pode extrair desse debate, é a
imprescindibilidade de que o órgão que realize o juízo de concordância
entre os princípios fundamentais - a fim de aplicá-los na devida
proporção, consoante as peculiaridades do caso concreto, dando-lhes
eficácia máxima sem suprimir o núcleo essencial de cada um - revista-se
de imparcialidade, examinando o conflito como mediador neutro, estando
alheio aos interesses em jogo. Por outro lado, ainda que se aceite a
possibilidade de requisição extrajudicial de informações e documentos
sigilosos, o direito à privacidade, deve prevalecer enquanto não houver,
em jogo, um outro interesse público, de índole constitucional, que não a
mera arrecadação tributária, o que, segundo se dessume dos autos, não
há. 4. À vista de todo o exposto, o Princípio da Reserva
de Jurisdição tem plena aplicabilidade no caso sob exame, razão pela
qual deve ser negado provimento aos embargos infringentes” (fl. 275). 2. A Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado o art. 5º, inc. X e XII, da Constituição da República. Argumenta que “investigar
a movimentação bancária de alguém, mediante procedimento fiscal
legitimamente instaurado, não atenta contra as garantias
constitucionais, mas configura o estrito cumprimento da legislação
tributária. Assim, (...) mesmo se considerarmos o sigilo bancário como
um consectário do direito à intimidade, não podemos esquecer que a
garantia é relativa, podendo, perfeitamente, ceder, se houver o
interesse público envolvido, tal como o da administração tributária” (fl. 284). Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste à Recorrente. 4.
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 389.808, Relator o Ministro
Marco Aurélio, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal
Federal afastou a possibilidade de ter acesso a Receita Federal a dados
bancários de contribuintes: “O Plenário, por maioria, proveu
recurso extraordinário para afastar a possibilidade de a Receita Federal
ter acesso direto a dados bancários da empresa recorrente. Na espécie,
questionavam-se disposições legais que autorizariam a requisição e a
utilização de informações bancárias pela referida entidade, diretamente
às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo
administrativo fiscal (LC 105/2001, regulamentada pelo Decreto
3.724/2001). Inicialmente, salientou-se que a República Federativa do
Brasil teria como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º,
III) e que a vida gregária pressuporia a segurança e a estabilidade, mas
não a surpresa. Enfatizou-se, também, figurar no rol das garantias
constitucionais a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art.
5º, XII), bem como o acesso ao Poder Judiciário visando a afastar lesão
ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV). Aduziu-se, em seguida,
que a regra seria assegurar a privacidade das correspondências, das
comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, sendo possível a
mitigação por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou de
instrução processual penal. Observou-se que o motivo seria o de
resguardar o cidadão de atos extravagantes que pudessem, de alguma
forma, alcançá-lo na dignidade, de modo que o afastamento do sigilo
apenas seria permitido mediante ato de órgão eqüidistante (Estado-juiz).
Assinalou-se que idêntica premissa poderia ser assentada relativamente
às comissões parlamentares de inquérito, consoante já afirmado pela
jurisprudência do STF” (Informativo n. 613). O acórdão recorrido não divergiu dessa orientação. 5. Nada há, pois, a prover quanto às alegações da Recorrente. 6. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 23 de fevereiro de 2011.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora
http://www.conjur.com.br/2011-jun-17/stf-definiu-receita-nao-acesso-aos-dados-contribuintes
17/06/2011 |