Supremo determina a liberdade de Cesare BattistiO
italiano Cesare Battisti, ex-integrante de grupos de extrema esquerda
nos anos de 1970, ficará no Brasil. O Supremo Tribunal Federal decidiu,
nesta quarta-feira (8/6), que é legal o ato do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, que negou a extradição de Battisti pedida pelo governo
da Itália. Por seis votos a três, os ministros decidiram que o governo
italiano sequer poderia ter contestado o ato de Lula. O Supremo
também fixou que, depois que a Corte determina a extradição, a decisão
de entregar ou não o cidadão que o Estado estrangeiro pede ao Brasil é
discricionária. Ou seja, cabe apenas ao presidente da República decidir e
o Judiciário não pode rever a decisão. Os ministros também determinaram
a expedição imediata de alvará de soltura para que Cesare Battisti seja
colocado em liberdade. O julgamento foi longo — começou à 14h50 e
terminou às 21h — e tenso, entremeado de tiradas irônicas e provocações
feitas entre os ministros que estavam em campos opostos. O relator do
processo, ministro Gilmar Mendes, criticou
com veemência o entendimento da maioria de que os fundamentos da
decisão do ex-presidente Lula não poderiam ser avaliados: “É elementar
que no âmbito do Estado de Direito não há soberanos. Qualquer ato do
presidente da República poderá ser apreciado pela Corte”. Para o
ministro Gilmar Mendes, tirar do Supremo a competência de analisar a
decisão do Executivo em extradições transforma o tribunal em “um grupo
litero-poético-recreativo”, que se reúne em vão. “Qual o papel do
Supremo Tribunal Federal nessa questão?”, questionou. “O Supremo entrega
para o presidente um título e ele rasga, se quiser. Melhor seria
suprimir a competência do Supremo para a extradição. Que se confie a um
órgão qualquer do Ministério da Justiça”, disse Gilmar Mendes. O
relator do processo votou para desconstituir o ato do ex-presidente
Lula. De acordo com ele, o ato apenas repetiu os argumentos usados pelo
ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, na concessão de refúgio a Battisti.
O ministro afirmou que o STF não poderia, agora, corroborar esse ato
porque considerou os fundamentos de Genro insuficientes, em novembro de
2009, quando anulou o refúgio e decidiu pela extradição de Battisti.
Votaram com o relator o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, e a
ministra Ellen Gracie. Os três ficaram vencidos. O ministro Luiz
Fux, primeiro a votar depois de Mendes, afirmou que a competência do
Supremo se encerrou quando o tribunal decidiu conceder a extradição. Sua
efetivação é da conveniência do presidente da República na condução das
relações internacionais do país. A ministra Cármen Lúcia e os ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Marco Aurélio
votaram com Fux. “Cabe destacar que o que está em jogo não é nem o
futuro, nem o passado de um homem. O que está em jogo aqui é a
soberania nacional, uma soberania enxovalhada”, disse Luiz Fux. “Não
consigo receber com candura afirmações como ‘não me parece que o Brasil
seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas’.”,
afirmou o ministro, se referindo a expressões usadas por autoridades
italianas em relação ao Brasil. Ainda de acordo com Fux, “a
República Italiana litigou com a República do Brasil. Isso não é
competência do Supremo. Seria de competência da Corte de Haia. O
STF entregou ao presidente da República o direito de o presidente
entregar ou não o extraditando segundo suas próprias razões”. Ou seja,
não há espaço para o Supremo se manifestar sobre a decisão do chefe do
Poder Executivo nestes casos. Soberania nacional
No início do julgamento o ministro Marco Aurélio disse que o tribunal
teria de julgar, antes de qualquer coisa, a questão preliminar: a
República da Itália poderia contestar, no Supremo, um ato do chefe do
Poder Executivo brasileiro na condução da política internacional. Também
por seis votos a três, os ministros disseram que não e rejeitaram a
Reclamação ajuizada pela Itália. O ministro Marco Aurélio afirmou
que é “inconcebível um Estado estrangeiro impugnar um ato do presidente
da República nas suas relações internacionais”. Para Marco Aurélio, quem
defere ou recusa a extradição é o presidente da República, a quem
compete manter relações com estados estrangeiros. “Não vejo como um
governo estrangeiro para questionar esse ato”, disse. Em seguida,
os ministros decidiram, ao julgar o pedido de liberdade feito pela
defesa de Cesare Battisti, que o ato do presidente Lula respeitou os
limites do tratado de extradição assinado entre Brasil e Itália. Em
novembro de 2009, por cinco votos a quatro, os ministros do STF
decidiram que Battisti não sofrera perseguição política em seu
julgamento à revelia na Itália e que, por isso, o refúgio concedido pelo
então ministro da Justiça, Tarso Genro, era ilegal. O pedido de
sua extradição feito pela Itália foi autorizado. No mesmo julgamento,
também se decidiu que a decisão final de efetivar ou não a extradição é
do chefe do Poder Executivo. Ou seja, o presidente da República pode se
negar a extraditar, mas deve observar as previsões do tratado firmado
com o país que requereu a extradição. A discussão sobre a
legitimidade da Itália para contestar o ato do presidente foi tensa. O
ministro Marco Aurélio afirmou que permitir que um ato do presidente da
República seja questionado no Judiciário por um Estado estrangeiro
poderia criar uma crise institucional. De acordo com o ministro, ao
decidir, o Supremo estaria “substituindo-se ao presidente da República e
conduzindo o que cabe apenas ao chefe do Poder Executivo Nacional, que é
a condução da política internacional”. O ministro Joaquim Barbosa
fez uma analogia com caso do ex-presidente de Honduras, Manuel Zelaya,
que foi acolhido na embaixada brasileira depois de ser deposto do
governo, em 2009. “Poderia um país da região se insurgir contra a
decisão de acolher aquele chefe de Estado na embaixada? Poderia o STF
desconstituir aquela decisão? Claro que não! A situação é
parecidíssima”, afirmou. O clima esquentou quando, depois de os
ministros rejeitarem a Reclamação da Itália, o ministro Ricardo
Lewandowski interrompeu o relator do caso, Gilmar Mendes, para perguntar
o que estaria em julgamento. O ministro Marco Aurélio lembrou que a
prisão de Battisti foi determinada pelo Supremo e, por isso, o tribunal
deve se manifestar sobre sua liberdade. O ministro Gilmar Mendes,
então, já visivelmente irritado com as intervenções dos ministros,
reagiu: “Agora se corta com naturalidade a palavra do relator. Tenho
ouvido pacientemente falas às vezes não muito inteligentes”. Seguiu-se
uma discussão entre Marco Aurélio e Gilmar Mendes. O presidente da
Corte, Cezar Peluso, acalmou os ânimos e devolveu a palavra ao relator,
que continua votando no caso. Mendes afirmou que nunca na história
do país um presidente deixou de cumprir a extradição concedida pelo
Supremo. "Nem nos regimes militares", completou a ministra Ellen Gracie.
"Sempre se cumpriu a extradição", reforçou Gilmar Mendes. O
ministro Joaquim Barbosa, depois, voltou a interromper o relator e disse
que a questão estava decidida. Barbosa ressaltou que Battisti está
preso há quatro anos e que o tribunal deveria decidir o que fazer com
ele. "A discussão da extradição já perdeu o sentido", afirmou. Mendes
retomou a palavra: "Vossa Excelência terá de escutar ou se retirar". Mendes
votou por pouco mais de duas horas. Em seguida, depois de um curto
intervalo, o julgamento teve andamento. Os ministros, por maioria,
definiram que o Supremo não poderia rever o ato do presidente da
República, que diz respeito diretamente à sua política de relações
internacionais. Com a decisão, Battisti foi solto já nesta quinta-feira
(9/6) de madrugada. Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico,
publicada nesta quarta, o italiano disse que não considerava a
possibilidade de ser extraditado e que pretende viver no país, onde irá
retomar o ofício de escritor.
http://www.conjur.com.br/2011-jun-08/italiano-cesare-battisti-fica-brasil-decide-supremo
09/06/2011 |