Para os leitores não afeiçoados ao tema, o contrato do tipo "built to
suit", de origem americana, consiste em uma modalidade atípica de
contrato de locação, em que o imóvel a ser locado ainda não existe. O
"locatário" apresenta todas as características de sua necessidade, como
localização e detalhes estruturais. O "locador" adquire o imóvel,
constrói "sob medida" para o locatário, segundo projeto arquitetônico
minuciosamente definido por este, e lhe aluga a edificação, quando
concluída a obra, por determinado valor, calculado pelo montante de
aluguel acrescido do custo de aquisição do imóvel e da construção,
diluídos pelo tempo do contrato, normalmente celebrado por um período
longo, como de cinco a 20 anos.
O benefício é mútuo. O locatário prescinde de um alto investimento e
de imobilizar seus ativos, preservando seu capital de giro e o foco em
suas atividades-fim. Dilui ao longo do contrato, a partir do início da
locação, e não a partir da aquisição e construção, o desembolso que
então seria necessário. Em termos fiscais, o valor da "locação" pode ser
caracterizado como despesa operacional, o que permite reduzir o lucro
operacional do locatário e, portanto, a tributação correspondente. E,
ainda, ao fim do contrato, pode se mudar para outro imóvel, caso naquele
futuro momento lhe seja mais conveniente.
O "locador", normalmente empresa do ramo imobiliário ou de
construção, poderá financiar, junto a alguma instituição financeira,
quase que a totalidade do montante para aquisição e construção,
oferecendo como garantia a cessão de todos os recebíveis do contrato de
locação. E, ao final do contrato, apesar de se tratar de um imóvel com
características personalíssimas do primeiro locatário, fica com a
propriedade do imóvel, livre de quaisquer ônus.
A ausência de normatização leva a um cenário de insegurança jurídica
Nossa Lei de Locações - de nº 8245, de 1991 - traz algumas previsões
que não traduzem, apropriadamente, todas as relações existentes no
contrato "built to suit". Esse contrato não se caracteriza pela mera
locação, em que o proprietário disponibiliza seu imóvel para uso e gozo
do locatário. Temos alguns outros elementos diferenciadores, como: (i) a
aquisição do imóvel pelo "locador", conforme indicação do locatário e
especificamente para atender a necessidade deste; (ii) a construção de
edificação no imóvel, segundo projeto definido pelo locatário; e (iii)
expectativa do "locador" de contraprestação pecuniária por longo prazo,
para fazer frente aos, normalmente, vultosos investimentos realizados na
aquisição e construção.
Seria inadmissível, por exemplo, o direito previsto no artigo 4º de
referida lei, que concede, exclusivamente ao locatário, o direito de
rescindir o contrato a qualquer tempo, pagando apenas multa proporcional
ao período de cumprimento do contrato, lastreada pelo preceituado no
artigo 413 do Código Civil, ignorando o alto investimento realizado pelo
"locador" e sua expectativa de recebimento, inclusive, muitas vezes,
estando esses recebíveis já outorgados em garantia de contratos de
financiamento.
Pois, habitualmente, os contratos "built to suit" contém previsão de
que, caso o locatário rescinda o contrato antes do prazo determinado, a
multa corresponderá ao valor da totalidade dos aluguéis ainda vincendos,
contrariando as disposições legais mencionadas.
E quanto ao valor da locação? O locatário, em tese, possui previsão
legal para, após três anos, pleitear judicialmente a revisão do valor do
aluguel, se superior, na época, ao valor de mercado. E, evidentemente,
considerando o próprio conceito da operação imobiliária em análise, o
valor mensal do "aluguel" será constituído pelo montante relativo ao
aluguel em si somado aos valores proporcionais de aquisição do imóvel e
de construção, tornando inviável qualquer comparação com uma situação de
locação comum de mercado.
O contrato em tela é um instrumento de desenvolvimento econômico,
geração de empregos e atração de capital estrangeiro. Possui
características próprias e peculiares, devendo ser interpretado segundo o
princípio da autonomia de vontades, da boa-fé contratual, da função
social do contrato e da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro,
não podendo ser submetido a uma legislação que trata apenas de uma
locação convencional.
Ainda não foi consolidada jurisprudência a respeito do tema. Em
poucos casos a que tivemos acesso, nosso Judiciário reconheceu a
atipicidade do contrato e afastou a aplicação da legislação locatícia de
forma simplista.
Porém, a ausência da devida normatização do assunto, leva a um
cenário de insegurança jurídica, que mitiga o potencial de crescimento
do país. Essas operações do tipo "built to suit" costumam envolver
montantes expressivos, não sendo concebível que investidores possam se
sujeitar ao arbítrio de interpretações judiciais descomprometidas com a
realidade e com os interesses envolvidos, pautadas, tão somente, em uma
legislação que busca regular outra realidade locatícia.
A expectativa fica por conta de dois projetos de lei, atualmente
aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e
de Cidadania, da Câmara dos Deputados, que alteram a Lei de Locações,
reconhecendo as peculiaridades do contrato "built to suit".
Rodrigo R. B. Martinez
17/05/2011
Rodrigo Reis Bella Martinez é advogado da área empresarial do escritório Porto Lauand Advogados
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17/05/2011 |