Finalmente a legislação brasileira se pronuncia de maneira expressa
sobre a possibilidade do sócio menor de idade. Tal tema, que há algum
tempo dividia os estudiosos sobre os riscos do menor em integrar uma
pessoa jurídica e a necessária proteção do seu patrimônio, parece enfim
ter chegado a um final. No entanto, é de se frisar que o deslinde da
controvérsia por meio da lei já sancionada pela presidente da república -
Lei nº 12.399, de 2011 - não poderia ser outro senão o posicionamento
já adotado pelos órgãos de registro por meio do leading case julgado em
1976 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A partir de um recurso em
mandado de segurança, a suprema Corte já havia se posicionado pela
possibilidade do menor integrar o quadro societário caso não exercesse a
administração da sociedade e ainda caso o capital social estivesse
inteiramente integralizado.
Tais ponderações feitas pelo STF merecem respaldo legislativo, ainda
que este venha ocorrer depois de quase 40 anos de espera. Não haveria
sentido para se impedir a figura do menor sócio ainda mais com a redação
trazida pelo artigo 974 do Código Civil ao permitir expressamente a
continuação da atividade empresária por sucessor do empresário
individual, quando este for incapaz. Sendo assim, se o legislador, com
respaldo na tão aclamada necessidade de preservação da atividade de
empresa, veio a permitir a continuação da atividade como empresário pelo
incapaz, a consequência seria permitir que o menor possa integrar o
quadro de sócios desde que representado ou assistido.
No entanto, é de se ressaltar as ressalvas que o STF apontou naquele
leading case e até hoje são mencionadas pelas instruções normativas do
Departamento Nacional de Registro de Comércio, ao prever que não poderá o
menor integrar o quadro de sócios caso o capital não esteja totalmente
integralizado. Sabe-se que, nas sociedades limitadas (aquelas que
respondem por mais de 90% das que temos hoje), os sócios respondem pelo
valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela
integralização do capital social (artigo 1.052 do Código Civil).
Em 1976, STF decidiu pela possibilidade de menor integrar uma sociedade
A referida ressalva faz sentido unicamente para essas sociedades uma
vez que, na sociedade do tipo anônima, a responsabilidade permanece
sempre limitada ao preço de emissão das ações adquiridas ou subscritas
(artigo 1º da Lei nº 6.404, de 1976), não havendo justa preocupação com o
pagamento do capital da companhia. Como já se inclinavam os órgãos de
registro, o capital social da limitada deveria permanecer totalmente
integralizado em casos de aumento de capital sob pena de indeferimento
do registro, pois do contrário permitir-se-ia a constituição da pessoa
jurídica com o incapaz para posteriormente, por vontade representativa
de três quartos do capital, alterar-se o numerário e não integralizar no
ato da modificação, alargando-se, por conseguinte, a responsabilidade
do incapaz que passaria a ser solidária nos moldes do artigo 1.052 do
Código Civil.
Em relação à vedação para administração do incapaz nas sociedades,
esta tem fundamento para preservar o patrimônio do menor em casos de
ações de responsabilidade de atos de administrador. Sabe-se que o
administrador de uma sociedade é pessoalmente responsável perante a
sociedade e terceiros por culpa no exercício de suas funções, tendo
inclusive o legislador atual recepcionado a tão malfadada teoria ultra
vires pelo qual a sociedade se eximiria dos atos praticados pelo
administrador quando se tratar de operação evidentemente estranha aos
negócios sociais.
Percebe-se assim que, antes tarde do que nunca, o Brasil incorpora em
sua legislação a permissão expressa para o menor sócio de sociedade. A
Lei nº 12.399, sancionada pela presidente em 1º de abril, preenche uma
lacuna no ordenamento jurídico, recepcionando a posição firmada em 1976
pelo Supremo. O artigo 974 do Código Civil ganha um novo parágrafo - o
terceiro - para dispor sobre a obrigatoriedade do Registro Público de
Empresas Mercantis registrar contratos ou alterações que envolvam sócio
incapaz, atendidos os pressupostos já expostos acima. Aliás, não poderia
ser a referida alteração mais bem colocada do que nesse dispositivo por
ser uma norma reveladora da intenção de se preservar a empresa.
Mas, como a todo intérprete em sua árdua tarefa de tornar a
legislação aplicável ao sistema atual, algumas considerações já devem
ser feitas em relação à literalidade da norma, consistindo numa extensão
da aplicação para as sociedades em comandita simples, apenas na posição
de sócio comanditário (pois o comanditado possui responsabilidade
ilimitada) para o mero acionista da sociedade em comandita por ações
(sendo vedada a interpretação extensiva para o acionista diretor,
obviamente) e ainda para o acionista da sociedade anônima, uma vez que
este sempre terá responsabilidade limitada.
A regulamentação do menor sócio, apesar de tardia, vem reforçar o
entendimento atual em estimular o desenvolvimento da atividade econômica
organizada por entender ser importante ferramenta para o progresso.
Numa época em que se luta pela popularização do mercado de capitais,
mostra-se salutar todo incentivo também aplicável para os
empreendimentos familiares e de pequeno porte. Em relação ao tempo
perdido até agora para o legislador se pronunciar, é de se contentar com
os versos de Fernando Pessoa: "Há um tempo em que é preciso abandonar
as roupas usadas." E agora? Usaremos novas ou lavaremos aquelas já
gastas?
Scilio Faver é professor de direito empresarial e advogado.
Leciona na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e é
sócio do escritório Vieira de Castro & Mansur Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal
Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser
responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer
natureza em decorrência do uso dessas informações
http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/424445/regulamentacao-do-menor-nas-sociedades
10/05/2011 |