No fim da década de 60, o economista da Universidade de Chicago, Gary
Becker, divulgou artigo intitulado "Crime and Punishment: An Economic
Approach" (1968), no qual, mediante uma análise econômica do
comportamento ilegal, buscava demonstrar a presença de uma escolha
racional do criminoso pelo crime, baseada numa relação de custos e
benefícios inerentes à atividade ilícita. Propunha, com isso, a
necessidade de fortalecimento do sistema punitivo, mediante a adoção de
penas mais severas e implemento das instituições responsáveis pela
persecução criminal.
É inegável a influência do pensamento de Becker nos rumos da recente
política criminal brasileira, havendo clara disposição de nosso
legislativo para a definição de novos delitos, bem como pela agravação
do tratamento conferido a crimes já contemplados pelo ordenamento.
Nesse panorama, pode ser alocada à Lei nº 12.382, de 2011, que
revogou a antiga possibilidade de extinção da punibilidade, a qualquer
tempo, pelo pagamento, integral ou parcelado, do débito tributário.
Conforme a nova diretiva, tal extinção só será possível caso o
empresário efetue a opção pela pronta quitação ou parcelamento, antes do
recebimento da denúncia pelo juiz.
Nossa análise se limita à verificação de compatibilidade da nova lei
com a Constituição Federal, haja vista ser esta a condição primordial
para que uma norma tenha efeitos válidos no mundo jurídico.
Nesse ponto, não hesitamos ao afirmar que o art. 6º, da Lei do
Salário Mínimo é materialmente inconstitucional, por ferir diretamente o
princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da CF/88. A Lei do Salário Mínimo trata de forma diferenciada um mesmo fato penal
Visto de uma forma simples, pode-se conceber o referido princípio
pela proibição da concessão de tratamento diverso a situações
equivalentes, ou ainda, de tratamento mais gravoso a fato menos
ofensivo, sendo esta segunda hipótese também abarcada pelo postulado da
proporcionalidade.
Trata-se de princípio básico, o qual tem sido adotado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em várias decisões, destacando-se, dentre elas, a
declaração de inconstitucionalidade da antiga proibição da progressão
de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos. Pelo voto do
ministro Marco Aurélio, restou firmada a ilegitimidade da previsão de
tratamento diverso entre a Lei de Crimes Hediondos e a Lei de Tortura,
por serem tais delitos equiparados pela Constituição Federal (STF- HC
82.959).
Em palavras simples, mesmo tratando-se de crimes diversos, o Supremo
entendeu ser injusta a falta de paridade punitiva, por serem ambos
equivalentes no quesito ofensividade.
A Lei do Salário Mínimo vai mais longe, pois confere tratamento
diferenciado não apenas a delito diverso, mas a um mesmo fato penal.
Imagine-se, a respeito, que as empresas A e B sejam autuadas pelo não
recolhimento de determinado tributo, sendo que, após o competente
processo administrativo, o Fisco decide pela manutenção da autuação
contra ambas, inscrevendo os débitos na dívida ativa.
Imagine-se, ainda, que os sócios de A, acuados pela ameaça penal,
decidam aderir ao programa de parcelamento da dívida, optando, antes do
recebimento da denúncia, pelo pagamento em longos 180 meses, conforme
lhes é permitido pela Lei Federal nº 11.941, de 2009. Os sócios da
empresa B, não concordando com o Fisco, decidem exercer o sagrado
direito de defesa e afrontar a "cobrança" e, depois de instaurado o
processo penal, mudam de ideia, optando pelo pagamento da dívida, à
vista.
Pois bem. Aos sócios de A, que arrastariam sua dívida por longos 180
meses, é conferido o beneplácito da suspensão da pretensão processual
com extinção da pretensão punitiva ao término do pagamento, enquanto os
sócios de B, que após a denúncia decidiram ressarcir os cofres públicos
numa só tacada, serão processados e - muito provavelmente - condenados.
Aliás, o processo destes últimos fatalmente terá fim antes, bem antes,
de decorridos os 15 anos concedidos aos sócios da primeira empresa.
Resta evidente que para os cofres públicos apresenta-se muito mais
danosa a primeira conduta, não havendo como conceber a existência de tal
privilégio sem que se tenha, forçosamente, negado eficácia aos
princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da
ofensividade em matéria penal.
Retomando Becker, cumpre esclarecer que o legislador é livre para
estabelecer tanto os crimes como a forma de puni-los. É opção de
política criminal. Contudo, é igualmente verdadeiro que essa liberdade
apresenta-se condicionada à obediência aos limites de atuação
legislativa estabelecidos pela Constituição Federal, sob pena de se
transmudar em arbítrio, ora caracterizado como inconstitucionalidade
material.
Helios Nogués Moyano e Douglas Lima Goulart são,
respectivamente, advogado e sócio fundador do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais; e advogado criminal em São Paulo, especializando em
direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas
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26/04/2011 |