Sorte de uns, azar de outros: o entendimento do STJ em processos sobre loterias e outras apostas
Pé de pato, mangalô três vezes... No Brasil,
é difícil encontrar quem não “faz uma fezinha” para ganhar na loteria.
Para isso, vale apostar sozinho ou entrar em bolões. Mas... E se o
bilhete premiado é extraviado? E se a casa lotérica falha no repasse do
cartão ganhador à Caixa Econômica Federal? Nessas horas, o cidadão não
beija figa, nem carrega trevo de quatro folhas ou roga a São Longuinho. A
Justiça tem sido o caminho dos brasileiros que buscam solucionar
impasses que podem significar milhões em prêmios.
Recente
pesquisa, realizada em março de 2011, feita pelo Sistema Justiça do STJ,
revela que tramitaram ou tramitam na Casa 67 processos envolvendo
diretamente o tema loteria/prêmios. Um número que pode parecer pequeno
para um universo de mais de três milhões de processos autuados até hoje,
mas que é significativo se levarmos em conta que o Tribunal da
Cidadania é responsável por uniformizar o debate sobre as questões
infraconstitucionais. Portanto, os recursos que chegam ao STJ refletem
as demandas da sociedade.
Vale o que está impresso
Foi
o caso de um apostador da Supersena (REsp 902.158), que tentava receber
um prêmio de R$ 10,3 milhões. O cidadão alegava que havia apostado no
concurso n. 83, mas o jogo acabou sendo efetivado para o sorteio
seguinte (n. 84), por erro no registro da aposta. Devido à falta de
provas, a peleja jurídica atravessou as primeira e segunda instâncias.
Entretanto,
o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso no STJ, considerou
que saber o momento exato da aposta não era relevante, pois: “o que deve
nortear o pagamento de prêmios de loterias federais, em se tratando de
apostas nominativas, é a literalidade do bilhete, o que está escrito
nele, uma vez que esse tipo de comprovante ostenta características de
título ao portador”, conforme dos artigos 6º e 12º do Decreto-Lei n.
204/67. Desse modo, o apostador não levou a bolada milionária, mas
poderá recorrer com uma ação de responsabilidade civil. A decisão é
abril de 2010.
Noutro caso, um apostador recorreu ao STJ pedindo
o reconhecimento de sua participação em “bolão” premiado da Mega-Sena
(REsp 1.187.972), organizado por uma casa lotérica, e a condenação do
estabelecimento a pagar a sua cota do prêmio. Para tanto, alegou que a
lotérica estaria agindo de má-fé. Todavia, o STJ entendeu que a empresa
demonstrou ter tomado todas as providências para informar os apostadores
sobre os números que compunham seus jogos automáticos. Por isso, não
haveria má prestação do serviço.
A Terceira Turma reiterou a
orientação de que o pagamento de aposta da loteria é regido pela
literalidade do bilhete não nominativo, não importando o propósito do
apostador, a data da aposta e as circunstâncias da mesma, já que o
direito gerado pelo bilhete premiado é autônomo e a obrigação se
incorpora no próprio documento.
Já um cidadão de Minas Gerais
teve mais sorte: o STJ manteve a decisão de segunda instância (não
conheceu do recurso especial), garantindo o direito do apostador de
receber o valor do prêmio da quina da Loto em concurso realizado em 1994
(REsp 824.039). O apostador registrava os mesmos números regularmente.
Desse modo, conseguiu comprovar, por meio da apresentação de dez
bilhetes anteriores, que a aposta premiada na casa lotérica Nova Vista
era sua, mesmo tendo inutilizado o bilhete da aposta do sorteio 75 da
Caixa Econômica Federal.
Apostas on line
Mas
não é apenas na loteria que o brasileiro busca fazer fortuna. Em março
do ano passado, o STJ julgou, pela primeira vez, um caso envolvendo
dívida de apostas em corrida de cavalos (REsp 1.070.316). A Terceira
Turma decidiu que o débito pode ser cobrado em juízo, mesmo que tenha
sido feito por telefone e mediante a concessão de empréstimo em favor do
jogador.
O apostador questionou na Justiça a legalidade da ação
de execução no valor de R$ 48 mil. Sustentou, entre outros pontos, que o
título que fundamentou a cobrança promovida pelo Jockey Club de São
Paulo era inexigível, uma vez que a legislação só permite a realização
de apostas de corridas de cavalo em dinheiro e nas dependências do
hipódromo, não prevendo a concessão de empréstimos em dinheiro e a
realização de apostas por telefone.
Entretanto, a Terceira Turma
seguiu a posição defendida no voto-vista do ministro Massami Uyeda:
“Não existe qualquer nulidade na execução do título extrajudicial, pois,
embora as referidas normas legais prevejam a realização de apostas em
dinheiro e nas dependências do hipódromo, em nenhum momento proíbem que
as mesmas sejam feitas por telefone e mediante o empréstimo de dinheiro
da banca exploradora ao apostador. No Direito Privado, ao contrário do
Direito Público, é possível fazer tudo aquilo que a lei não proíbe”,
concluiu.
Falhas Humanas
A Quarta Turma
do Tribunal da Cidadania também determinou que a Caixa pagasse o prêmio
da loteria esportiva a um apostador, por falha da casa lotérica, que
não enviou o bilhete premiado à instituição (REsp 803.372). Para o
relator do processo, ministro Cesar Asfor Rocha, a Caixa não poderia se
eximir da obrigação de indenizar o apostador por ser a instituição
responsável pelo credenciamento e fiscalização de seus revendedores.
Segundo
as informações processuais, a lotérica em questão já havia sido punida
diversas vezes. “Demais disso, se a ré é quem credencia os
estabelecimentos, cabe-lhe arrostar com as consequências de sua má
escolha, que no caso foi reconhecida. Tampouco há como obrigar o jogador
a diligenciar pelo andamento de seu cartão, como se não devesse confiar
na idoneidade da loteria ou das instituições que a promovem”, concluiu
Asfor Rocha.
Outro processo envolvendo uma falha humana no
sistema de apostas foi julgado em 2008 (REsp 960.284). O apostador
recorreu à Justiça com uma ação de cobrança contra a Caixa para receber
um prêmio da loteria federal que renderia mais de 23 mil reais. O
cidadão alegava que formalizou seu bilhete numa casa lotérica
autorizada, tendo acertado todos os resultados das partidas de futebol
dos campeonatos daquela rodada.
Entretanto, ao tentar receber a
premiação, a Caixa constatou que o bilhete emitido pela lotérica trazia
os jogos de futebol do concurso anterior. “Houve, portanto, comprovada
falha na atividade humana, na manhã de 7/10/2002, com inclusão para
apostas, dos jogos ocorridos na semana anterior, correspondente ao
concurso precedente ao de n. 36, sorteio no qual o recorrente efetivou
suas apostas. São fatos incontroversos, notadamente em se tratando de
loteria, na qual prevalece o que consta do título ao portador”,
finalizou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.
Deu zebra
Quem
não se lembra do matemático Oswald de Souza e suas estatísticas e
probabilidades apresentadas na TV? Pois os conhecimentos numéricos do
professor não foram suficientes para garantir o direito de indenização
contra a Caixa pela suposta quebra de contrato envolvendo a criação da
loteria “Certo ou Errado”, desenvolvida para a Loteria Esportiva Federal
(REsp 586.458). Segundo a defesa de Oswald de Souza, a instituição
teria quebrado a cláusula da proporcionalidade dos valores das apostas
na Sena, Loto e da própria “Certo ou Errado”, que comporiam a
remuneração devida ao matemático.
No STJ, ele alegou que houve
modificação unilateral do contrato. Todavia, o ministro Raphael de
Barros Monteiro, relator do processo na Quarta Turma, não acolheu a
tese, concluindo que o matemático assumiu o risco de somente receber a
remuneração na hipótese de a Caixa dobrar a arrecadação da loteria
“Certo ou Errado”. Além disso, a CEF não se comprometeu a manter
invariável a proporcionalidade entre os preços dos referidos produtos
lotéricos e, portanto, não violou deliberadamente o contrato, como
alegava Oswald de Souza.
Azar também para o Grêmio Esportivo
Brasil, de Pelotas (RS). O clube do interior gaúcho vai permanecer fora
do concurso de prognósticos denominado “Timemania”. Presidente do STJ em
2008, Barros Monteiro indeferiu o pedido em defesa do clube, que queria
a inclusão na listagem publicada pelo Ministério do Esporte para compor
a loteria (MS 13.295).
Para o ministro, não havia os requisitos
necessários pra a concessão da liminar. Com a decisão, o clube continua
fora da loteria criada pelo governo federal com o objetivo de gerar
receita para as agremiações esportivas por meio da cessão de suas marcas
(brasões).
Concessões
E os contratos
para exploração de serviços de loteria não podem ser prorrogados
indefinidamente. Esse foi o entendimento do ministro Mauro Campbell
Marques, integrante da Segunda Turma do STJ (REsp 912.402). A empresa
Gerplan Gerenciamento e Planejamento Ltda. pretendia manter o contrato
para exploração de loterias em Goiás, mas perdeu o recurso no Tribunal. O
relator, ministro Mauro Campbell Marques, considerou que a decisão do
Tribunal estadual foi correta ao afirmar que o artigo 175 da
Constituição diz: em respeito às concessões, deve haver licitação na
modalidade concorrência e ter prazo determinado para tal fim.
Mauro
Campbell ressaltou, ainda, que o Decreto-Lei n. 6.259/1944, que regula
os serviços de loteria, determina a realização de concorrência pública
antes da concessão. “A prorrogação indefinida do contrato é forma de
subversão às determinações legais e constitucionais para a concessão e
permissão da exploração de serviços públicos, o que não pode ser
ratificado por esta Casa”, finalizou o ministro.
Crime e cifrões
O
STJ também analisou habeas corpus em favor de Adriana Ferreira de
Almeida, conhecida como a viúva da Mega-Sena (HC 102.298). A defesa
pedia a libertação da cliente, acusada de planejar e ordenar o
assassinato de Renné Sena, dois anos depois que o marido ganhou R$ 52
milhões ao acertar os números da loteria. O crime aconteceu em 2007. Os
ministros da Quinta Turma, com base no voto da relatora, Laurita Vaz,
concederam o habeas corpus porque ficou configurado o constrangimento
ilegal da ré em função da demora no julgamento pelo Tribunal do Júri.
Até a data da decisão (2008), Adriana já estava presa há mais de um ano e
meio.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
A notícia refere-se aos seguintes processos:
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=101526
25/04/2011 |