A estratégia de empresas limitadas que, para fugir do Imposto de Renda
(IR), transformavam-se em sociedades anônimas e, assim, evitavam o
recolhimento do tributo sobre investimentos recebidos - contabilmente
registrados como ágio - pode cair em desuso. Em um precedente da 1ª
Seção de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf)) - órgão que analisa os recursos de contribuintes contra
autuações do Fisco - os conselheiros entenderam que as limitadas possuem
o mesmo direito das companhias abertas, que hoje já não pagam o IR
sobre essas operações.
O caso julgado é de uma empresa de automação de Campinas (SP), que
deixou de pagar o imposto sobre R$ 80 milhões de reserva de ágio.
O ágio é a diferença entre o valor que um comprador de um título paga
e o valor nominal do papel. É comum que essa diferença seja equivalente
à expectativa de rentabilidade futura da empresa. De acordo com o
voto vencedor do conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, a
reserva de ágio não deve transitar pelas contas de resultado da empresa
e, consequentemente, não deve compor o lucro comercial, que é a base de
cálculo do IR. "Reforça ainda mais esse meu entendimento ao verificarmos
que a Lei das SA disciplina minuciosamente os itens que devem compor a
apuração do resultado do exercício sem qualquer menção ao ágio",
declarou. "Desse modo, o ágio na aquisição de cotas de capital das
sociedades de responsabilidade limitada devem ter o mesmo tratamento."
Segundo o conselheiro, para que o ágio integrasse o lucro seria
necessário que a lei do IR estipulasse isso expressamente.
Em março de 1999, a empresa paulista aumentou seu capital, sendo R$
80 milhões a título de reserva de ágio. A empresa aplicou o regulamento
do IR e o Decreto nº 3.708, de 1919, para não pagar o tributo sobre o
montante. O regulamento do IR determina que as importâncias creditadas
como reserva de capital a título de ágio, na emissão de ações, não são
computadas na determinação do lucro real. Já o decreto impõe que quanto
às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, serão observadas
as disposições da Lei das Sociedades Anônimas no que não for regulado
no estatuto social.
Ao discordar desse entendimento, a Receita Federal autuou a empresa.
Argumentou que, por se tratar de uma empresa limitada, deveria ser
recolhido IR sobre o ágio. "Se a limitada emite cotas subscritas e há
ágio, defendemos que esse valor deve ser incluído na base de cálculo do
IR e da CSLL em razão do que diz o regulamento do IR, que só fala em
valores mobiliários, ou seja, empresas de capital aberto", diz o
procurador-chefe da Fazenda Nacional no Carf, Paulo Riscado. A PGFN
estuda a possibilidade de recorrer.
Na avaliação de especialistas, a decisão representa uma quebra de
paradigma. Segundo o tributarista Paulo Cesar Ruzisca Vaz, do escritório
Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados, foi emitido um importante
precedente. "O mercado procurava um meio de evitar a transformação das
limitadas em empresa de capital aberto", afirma o advogado. A prática
dessa transformação legal sempre foi comum quando limitadas subscrevem
capital e há reserva de ágio. "E isso também era o mais seguro,
justamente para evitar uma autuação fiscal", explica a advogada Eloisa
Barros Curi, do escritório Demarest & Almeida Advogados. Mas a
advogada reconhece que a decisão do Carf é um bom sinal para as
empresas. "Antes só havia soluções de consulta da Receita Federal em
sentido contrário."
Entre as obrigações adicionais das empresas de capital aberto estão a
publicação regular de balanços e, se há sócio estrangeiro, possíveis
ônus relacionados à legislação do país lá fora. O advogado tributarista
Igor Nascimento de Souza, do escritório Souza, Schneider, Pugliese e
Sztokfisz Advogados, reforça a relevância da ação pelo fato de ter sido
proferida por um conselheiro representante do Fisco no conselho. "A
partir de agora, a tendência é que as limitadas assumam mais o risco de
não pagar IR sobre ágio", diz
Laura Ignacio | De São Paulo
24/03/2011
http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/402137/limitada-nao-paga-ir-sobre-agio
24/03/2011 |