O crescimento econômico do país nos últimos tempos tem atraído o
interesse de inúmeros investidores nacionais e estrangeiros para as
oportunidades de novos negócios, especialmente nas áreas de
infraestrutura, petróleo e telefonia, que se valem de oportunos
estímulos do governo federal.
No entanto, a insistente responsabilização pessoal de sócios e
administradores das empresas por parte do Fisco tem gerado incertezas
para a tomada de decisão quanto a investir no Brasil. Assiste-se a uma
despropositada inclusão de seus nomes no rol de devedores conjuntamente
com o das empresas, numa aplicação abusiva do artigo 135 do Código
Tributário Nacional.
Sem qualquer comprovação de atuação dolosa, esses agentes
empresariais têm seus bens particulares constrangidos por penhoras
on-line a fim de garantir supostos débitos tributários que são próprios e
exclusivos das sociedades de responsabilidade limitada, o que
desestimula o empreendedorismo e a contratação de bons profissionais que
se disponham a assumir a gestão das empresas.
O que se verifica é a banalização do instituto da desconsideração da
personalidade jurídica, que tem como objetivo coibir o uso ilícito das
sociedades personificadas, como nos casos de fraude ou burla à lei,
razão por que deve o mesmo ser aplicado de forma excepcional e não como
um instrumento arrecadatório.
O ordenamento jurídico protege, universalmente, aqueles que decidem
se associar para desenvolver atividades econômicas, adotando a separação
jurídica do patrimônio da empresa e de seus sócios, de modo a limitar a
responsabilidade desses últimos pelos resultados comerciais das
sociedades de que são cotistas e gestores.
O STF desautorizou a nefasta confusão patrimonial operada pela Fazenda Pública
Entre nós, o princípio maior da autonomia patrimonial da pessoa
jurídica em relação à pessoa física dos sócios tem sido desrespeitado a
toda hora pelas Fazendas Públicas, a ponto de transformar o mecanismo
extraordinário da desconsideração da personalidade jurídica em
alternativa simplista para a satisfação dos créditos tributários.
Preocupa, sobretudo, a prática rotineira do Fisco de constranger o
patrimônio dos sócios e administradores sem oferecer-lhes ao menos a
oportunidade prévia do contraditório e da ampla defesa, ambos alçados
pela Constituição Federal em direitos fundamentais, no artigo 5º,
considerando que em sede de execução fiscal a via de defesa é assaz
estreita e condicionada à apresentação de garantias que cubram o valor
total dos débitos. Tem-se aí uma dupla vitimização dos contribuintes em
nosso país: de um lado, o Brasil ostenta uma das maiores cargas
tributárias do planeta; de outro, os empresários não possuem diante do
Fisco a devida proteção do patrimônio individual.
Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento no final de
2010 do RE nº 562.276, que teve como relatora a Ministra Ellen Gracie,
se declarou a inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei nº 8.620, de
1993, que determinara a responsabilidade solidária dos sócios das
sociedades por cotas de responsabilidade limitada, por débitos junto à
Seguridade Social, bem como a responsabilidade solidária e subsidiária
dos administradores por tais débitos, em casos de dolo ou culpa.
Com esse julgado, o STF desautorizou a nefasta confusão patrimonial
operada pela Fazenda Pública, mantendo íntegra a exclusão da
responsabilidade dos sócios e dirigentes das sociedades limitadas.
Segundo nossa Corte maior, "a censurada confusão patrimonial, não apenas
não poderia decorrer da interpretação do art. 146, III, c, da
Constituição Federal, como não poderia ser estabelecida por nenhum outro
dispositivo legal, eis que por confusão aos patrimônios da pessoa
física e da pessoa jurídica da sociedade, em que por definição a
responsabilidade dos sócios é limitada, o que compromete um dos
fundamentos do direito das empresas, que está consubstanciado na
garantia constitucional da livre iniciativa".
Esse importante precedente tem repercutido de forma muito positiva
nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, em ordem a
exigir a demonstração cabal de que o sócio ou administrador da sociedade
limitada agiu com excesso ou abuso de poder. Destaca-se a decisão
proferida pelo Ministro Benedito Gonçalves, onde restou consignado que
"é igualmente pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que a
simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em
tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do
sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que
tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social
ou ao estatuto da empresa".
Com isso, ficam afastadas as indevidas presunções de ilicitude de
conduta do sócio ou gestor da empresa. Justifica-se, pois, o otimismo da
comunidade jurídica e empresarial em face dessa bem-vinda e essencial
afirmação de garantias constitucionais dos contribuintes, que abre
renovadas perspectivas de segurança jurídica para os investimentos
vitais ao crescimento do país.
Carlos R. S. Castro
23/03/2011
Carlos Roberto Siqueira Castro é professor titular de
direito constitucional da UERJ, conselheiro federal da OAB e sócio
sênior do Siqueira Castro Advogados
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23/03/2011 |