Uma decisão recente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região
coloca em xeque as regras da Emenda Constitucional nº 62 que autorizam a
Fazenda Pública a compensar créditos na expedição de precatórios, como
forma de agilizar a cobrança. O mecanismo foi criado como um encontro de
contas entre o Fisco e os contribuintes, quando ambos estão
simultaneamente nas posições de credor e devedor.
Mas, na prática, o procedimento vem gerando muita polêmica, ao
autorizar a compensação, pela Fazenda, de qualquer crédito constituído -
inclusive aqueles ainda não inscritos em dívida ativa. Os contribuintes
argumentam que o Fisco não poderia compensar quantias ainda passíveis
de questionamento judicial.
Na semana passada, numa decisão inédita, a 2ª Turma do TRF considerou
inconstitucional as regras que autorizam esse tipo de compensação. Foi o
primeiro caso sobre o assunto a ser analisado pela segunda instância da
Justiça Federal. Questiona-se os parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da
Constituição Federal, inseridos em 2009 pela Emenda nº 62 - a chamada
Emenda dos Precatórios. O parágrafo 9º diz que, no momento da expedição
dos precatórios, deverão ser abatidos valores referentes a "débitos
líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa", incluídas quantias
de parcelamentos a vencer - a não ser nos casos de execução suspensa
por contestações administrativas ou judiciais.
O parágrafo 10º define o procedimento da compensação: antes de
expedir os precatórios, o tribunal pede informações à Fazenda Pública
para saber se o credor é, ao mesmo tempo, devedor do Fisco.
O processo analisado na semana passada pelo TRF da 4ª Região envolve a
Francisfer, distribuidora de jornais da cidade de Itajaí, em Santa
Catarina. A empresa estava prestes a receber um precatório - gerado por
cobranças indevidas de impostos federais - quando a Fazenda indicou ao
juiz a existência de créditos lançados de tributos como PIS, Cofins e
Imposto de Renda. "Mas esses débitos são passíveis de questionamento",
aponta o advogado da empresa, Emerson de Morais Granado.
Diante dessa argumentação, o juiz rejeitou a dedução dos créditos e a
Fazenda recorreu ao TRF. Ao analisar a matéria, o relator do processo,
desembargador Otávio Roberto Pamplona, declarou inconstitucional os
parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da Constituição.
Pamplona ressaltou que as normas permitem a compensação de créditos
"com natureza completamente distintas": enquanto os precatórios são
gerados por decisões judiciais transitadas em julgado, os valores que a
Fazenda queria compensar resultam de decisões administrativas ainda
passíveis de questionamento judicial. Segundo o desembargador, o
contribuinte não teria a chance de discutir os débitos nos autos do
processo do precatório. "Há aí, sem dúvida, ofensa ao princípio do
devido processo legal", afirmou o magistrado em seu voto.
A 2ª Turma do TRF decidiu, por unanimidade, remeter o caso à Corte
Especial do tribunal, formada por todos os seus magistrados e competente
para analisar questões constitucionais.
O caso chamou a atenção da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN), encarregada das ações destinadas a recuperar os cerca de R$ 800
bilhões de créditos inscritos em dívida ativa da União. "Faz todo
sentido alguém que seja credor e tenha débito a pagar poder fazer a
compensação no momento do pagamento de seu débito", argumenta o
procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller. Para
ele, o procedimento não representa cerceamento de defesa para os
devedores. "Quando a Fazenda indica ao juiz a existência do débito,
surge a possibilidade do contraditório", afirma.
Segundo ele, a PGFN trabalha na elaboração de um projeto de lei para
definir melhor os mecanismos de compensação, em conjunto com a
Advocacia-Geral da União (AGU) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A Emenda Constitucional 62 também é questionada em diversas ações
diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal
(STF). "Não faz sentido o Judiciário se debruçar sobre temas específicos
enquanto o Supremo não analisar a constitucionalidade ou não da emenda
como um todo", defende o advogado Flávio Brando, presidente da Comissão
de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora de uma das
ações que discutem a matéria. Para o advogado, um dos problemas é que
os contribuintes não gozam das mesmas vantagens de compensação admitidas
ao Fisco. "Teria que haver uma via de duas mãos. Se a Fazenda pode
receber antecipadamente o crédito, por que o credor não pode fazer a
compensação com impostos correntes? ", questiona.
Maíra Magro | De Brasília
23/03/2011
http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/401347/tribunal-impede-compensacoes-com-precatorios
23/03/2011 |